Maria Berenice Dias

O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela.

Categoria: ARTIGOS, Separação

O fim do fim sem fim

Maria Berenice Dias[1]

 

Sumário: 1. Da indissolubilidade ao rompimento; 2. Do rompimento à dissolução; 3. Dupla via; 4. Vontade comum; 5. A farsa; 6. A vontade de um; 7. As (des)semelhanças; 8. A (des)vantagem; 9. O tempo; 10. A palavra; 11. O obstáculo; 12. Estágio fugaz; 13. Duplicidade inócua; 14. A pergunta que não quer calar; 15. O desuso.

 

1. Da indissolubilidade ao rompimento

O conservadorismo da sociedade do início do século passado, sujeita a forte influência da Igreja, fez do casamento uma instituição indissolúvel até por preceito constitucional.[2]

O casamento, no entanto, sempre conviveu, no Brasil, com outras situações de fato: a união não matrimonializada entre casais, freqüente desde o período colonial, e a família monoparental socialmente caracterizada pela figura da mãe solteira e da mulher que foi abandonada pelo companheiro.

Esta antinomia entre o contido no Código e a vida cotidiana engendrou o surgimento de um sem-número de relações familiais de fato, sem nenhum reconhecimento jurídico.[3]

A possibilidade do desquite admitida pelo Código Civil, [4] em 1916, nada mais foi do que uma tentativa de contornar a perpetuação de situações de fato insustentáveis frente à ordem jurídica. Como somente a morte de um dos cônjuges possuía o condão de “dissolver”[5] o casamento, foi criada a possibilidade de a sociedade conjugal “terminar” pelo desquite, para evitar rotulações como bigamia, infidelidade e adultério a quem buscava outros vínculos afetivos.

Apesar da proibição, casamentos terminavam, e faz parte da natureza da pessoa humana buscar novas chances de felicidade, pois, conforme bem diz Rodrigo da Cunha Pereira, enquanto houver desejo, ele sempre escapará ao normatizável.[6]

 

  1. Do rompimento à dissolução

A evolução dos costumes, fruto principalmente da emancipação feminina e do surgimento dos métodos contraceptivos, ensejou uma verdadeira revolução do próprio conceito de família. Ainda assim, grande foi a resistência de alguns segmentos quando da instituição do divórcio no Brasil. A  Emenda Constitucional nº 9/77, ao dar nova redação ao art. 175[7] da Emenda Constitucional nº 1/69, introduziu a dissolubilidade do vínculo do casamento, após prévia separação judicial por mais de três anos ou se decorrido, antes de 28 de junho de 1977, o prazo de cinco anos da separação de fato.

Para viabilizar a aprovação da lei regulamentadora do divórcio (Lei nº 6.515, de 26/12/1977), alguns abrandamentos se fizeram necessários, restrições, limitações e concessões foram feitas para obter a chancela legislativa. Assim, a Lei, em sua versão primeira, autorizava o pedido de divórcio uma única vez[8]. Somente em uma hipótese era possível o chamado “divórcio direto”, e isso em caráter emergencial, tanto que previsto nas disposições finais e transitórias da Lei.[9] A concessão do divórcio, portanto, estava condicionada ao atendimento cumulativo de três pressupostos: (a) estarem as partes separadas de fato há cinco anos; (b) que esse prazo estivesse implementado antes da data da alteração constitucional; e (c) ser comprovada a causa da separação.

Nítida a intenção do legislador de autorizar a dissolução do casamento somente para atender à especial circunstância de quem já se encontrava separado de fato há mais de cinco anos quando da constitucionalização do divórcio. Assim, hipoteticamente, quando houvessem se divorciado todos os que preenchiam os requisitos legais, desapareceria a possibilidade de obter o divórcio de forma direta. Exauridas tais ações, somente após a prévia separação judicial é que seria possível o divórcio, por meio do procedimento de conversão.

Após alguns anos de vigência da lei divorcista, quando situações novas aportaram nos tribunais, a jurisprudência emprestou interpretação mais elástica a esse dispositivo legal. Passou a ser admitido que bastava a cessação da convivência antes da data indicada na lei para a decretação do divórcio, mesmo que o período de cinco anos se implementasse em momento posterior. Começou-se a autorizar o divórcio direto, quando decorrido o lapso qüinqüenal, bastando que a separação de fato tivesse iniciado antes da data da vigência da Emenda Constitucional que chancelou o divórcio.

Quando a sociedade se convenceu de que o divórcio não destruiu a família nem acabou com a instituição do casamento, mais uma vez o vanguardismo de algumas decisões judiciais levou a reformulações constitucionais e legais.

A Constituição Federal de 1988, no entanto, de maneira injustificável, manteve a dupla via para sacramentar o fim do casamento, limitando-se a operar singela redução de prazos. Para a concessão da separação judicial, diminui o tempo de separação de fato de três para um ano. Para o divórcio direto, o período da separação fática foi reduzido de cinco para dois anos.[10]

Profunda a transformação operada pela Lei nº 7.841/89, ao dar nova redação ao artigo 40 da Lei do Divórcio.[11] Institucionalizou o divórcio direto,  no momento em que possibilitou sua obtenção mediante a mera comprovação da ruptura da vida em comum por dois anos consecutivos. Além de haver perdido a característica de modalidade temporária de dissolução da sociedade conjugal, também se tornou despicienda a dupla via procedimental para sua obtenção. Superado o obstáculo que condicionava sua concessão a um termo inicial em data determinada, consolidou-se o divórcio como instituto autônomo, afastando a necessidade de prévia separação judicial como pressuposto para ser deferido o divórcio por meio do procedimento de conversão.

A nova sistemática legal, além de subtrair o caráter de transitoriedade do divórcio direto, afastou a exigência de identificação de um responsável para a sua concessão, ao revogar o parágrafo primeiro do art. 40, que fazia expressa remissão aos dispositivos legais indicativos das causas da separação: imputação ao réu de culpa ou doença mental (arts. 4º e 5º e seus parágrafos).

Diante desses significativos avanços, não há como não lastimar a mantença do instituto da separação, bem como a imposição de prazos para ser decretada a dissolução do casamento.

Além de dispensável, a separação, como modalidade de terminar o casamento, traz em suas entranhas a marca de um conservadorismo que não mais se justifica no atual estágio de desenvolvimento da sociedade. O alargamento conceitual dos vínculos afetivos, iniciado pela jurisprudência e chancelado pela nova ordem jurídica instituída constitucionalmente, redimensionou as relações interpessoais. Agora não é mais exclusivamente ao casamento que o Estado empresta juridicidade. Relacionamentos outros se encontram enlaçados no conceito de família e passaram a merecer a especial proteção do Estado.[12]

 

3. Dupla via

A Lei nº 6.515/77, que passou a ser chamada de Lei do Divórcio, foi editada para dar efetividade à reforma constitucional que instituiu o divórcio. Mas não se limitou a cumprir sua função, já que deveria tão-só regulamentar as formas e os procedimentos para sua concessão. Não fosse a resistência de segmentos conservadores para a sua aprovação, suficiente seria mera normatização de natureza processual. Quiçá algumas regras sobre alimentos e proteção aos filhos, se tanto. Porém, a Lei acabou, praticamente, por manter o desquite, cingindo-se a proceder a mera substituição de palavras, singela alteração terminológica. O que anteriormente era nominado de “desquite” passou a ser chamado de “separação judicial”, com idênticas características: “termina” a sociedade conjugal e põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido (art. 3º). Tanto quanto o desquite, a separação judicial “solve” o casamento, mas não o “dissolve”, atributo de que só a morte e o divórcio dispõem (parágrafo único do art. 2º). A Lei do Divórcio nada mais fez do que exaustivamente regulamentar a separação (arts. 3º a 24, 34, 39 e 41 a 49) e a conversão da separação em divórcio (arts. 35 a 37). Do divórcio, tratava só em um artigo das disposições transitórias, pois o art. 38, que restringia o pedido a uma única vez, foi revogado pela Lei nº 7.841/89.

A tentativa não muito feliz de o legislador estabelecer a distinção entre separação e divórcio, por si só, seria suficiente para evidenciar a total inutilidade da mantença de uma dupla via para pôr termo ao casamento. Duplicidade que se poderia chamar de verdadeiro “pleonasmo jurídico”.[13]

 

O atual Código Civil, por ter sido gestado antes mesmo da introdução do instituto do divórcio,[14] também disciplina o instituto de forma bastante tímida. O divórcio está previsto no § 2º do art. 1.580: O divórcio poderá ser requerido, por um ou ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos. Dispositivo outro (art. 1.571 do CC) se limita a dizer que o divórcio “termina” a sociedade conjugal, além de ter o condão de “dissolver” o casamento (art. 1.571, § 1º, do CC). As outras referências que existem na lei são a identificação dos legitimados para a ação de divórcio (art. 1.582 do CC) e a dispensa da partilha de bens para sua decretação (art. 1.581 do CC). O art. 1.597 proclama a inalterabilidade do poder familiar quando do divórcio dos pais, dispositivo de todo despiciendo, face à obviedade de seu enunciado.

Mudou a sociedade, mas acanhou-se a lei em acompanhar os avanços que transformaram a estrutura familiar. O legislador constituinte teve coragem de alargar o conceito de família, verdadeiro dogma que gozava de um significativo sentido sacralizado. Como afirma Euclides Benedito de Oliveira: Caíram por terra, em boa hora, as antigas discriminações que nosso vetusto ordenamento civil aplicava às uniões concubinárias e aos filhos havidos fora do casamento.[15] No entanto, a Constituição não teve a mesma ousadia ao tratar da dissolução do casamento. Olvidou-se de acabar com a separação judicial, instituto de todo despiciendo e que dispõe de limitado período de vigência, impõe a identificação de causas ou o decurso de tempo, até para sua concessão de maneira consensual.

Despicienda, no entanto, a tentativa de manter o vínculo matrimonial, não mais se justificando a exacerbada interferência estatal obstaculizando a vontade das partes, a configurar verdadeira afronta ao princípio da liberdade e negativa de vigência da regra maior da Constituição Federal, que é a da preservação da dignidade da pessoa humana.

Evidente o verdadeiro conflito entre o cânone maior do sistema jurídico e as limitações postas no § 6º do art. 226 da Constituição Federal, ao manter a separação e impor limites para a concessão do divórcio. Entre princípios fundamentais e regras de caráter disciplinar, há que prevalecer aqueles, subtraindo-se a eficácia da norma menor. Configurando esse aparente conflito, ou seja, mostrando-se uma norma constitucional contrária a um princípio constitucional ou apresentando ela incompatibilidade com um direito supralegal consagrador das garantias e dos direitos individuais, o dispositivo carece de legitimidade.[16]

 

4. Vontade comum

Quando por mútuo acordo o casal busca a separação, a única exigência legal é estarem os cônjuges casados há mais de um ano (art. 1.574 do CC). A redução do lapso de tempo levada a efeito pela nova lei civil decorreu da tendência jurisprudencial que já havia dividido ao meio o prazo de dois anos estipulado na Lei do Divórcio.[17] O fundamento era dos mais lógicos: a partir do momento em que a lei viabilizou a separação judicial litigiosa mediante a comprovação da ruptura da vida em comum por tempo superior a um ano,[18] idêntico requisito deve bastar para que se defira a separação na modalidade consensual, sob pena de consagrar-se interpretação atentatória aos princípios maiores do direito.[19]

Agora, após o prazo de um ano da vigência do casamento, sem necessidade de apontar qualquer motivação, o par pode consensualmente buscar a separação. No entanto, se antes desse prazo acabar o vínculo afetivo, embora não mais convivam os cônjuges sob o mesmo teto, o Estado, de forma aleatória e arbitrária, impõe a mantença do matrimônio, sem que se possa identificar o motivo da negativa de chancelar a vontade do casal ante um fato já consumado: o casamento acabou. Parece tratar-se de verdadeiro “estágio probatório”, durante o qual o desejo dos cônjuges não possui o mínimo significado. Antes desse interstício, mesmo que os cônjuges tenham desistido do casamento, resiste a Justiça em cristalizar a manifestação de vontade das partes, o que, na ausência de outra justificativa, parece ser imposição de um “prazo de purgação”. Quem sabe melhor é identificar esse interregno como um verdadeiro purgatório. Nítido o caráter punitivo dessa restrição à liberdade dos cônjuges. Será a determinação de um período de reflexão? Ou não se admite que o amor possa ter acabado antes desse prazo?

Imperioso questionar a legitimidade do Estado em se opor à vontade de pessoas maiores, capazes e no pleno exercício de seus direitos. Não se pode olvidar que o cânone maior da ordem constitucional é o respeito à dignidade da pessoa humana, que se cristaliza no princípio da liberdade. Dizer que o bem maior é preservar os sagrados laços do matrimônio é proceder a uma inversão valorativa não chancelada pelos direitos humanos, que dão prevalência ao indivíduo, até porque o casamento não mais existe. Se livremente casaram, inquestionável que deveriam dispor da mesma liberdade para pôr fim ao casamento. Portanto, no que a lei chama de separação consensual, o “consenso” não é respeitado, nem é tão livre assim a vontade das partes.

 

  1. A farsa

Para contornar essa injustificável vedação legal e abreviar a separação, antes de festejarem um ano de casados, acabam os cônjuges protagonizando uma farsa. Simulam uma separação litigiosa. Um dos cônjuges, dizendo-se inocente, ingressa com ação de separação imputando ao outro a culpa pela ruptura do vínculo matrimonial. Ao pedido não se opõe o demandado, que acaba se confessando culpado, o que torna desnecessária a produção de provas. Ainda que não haja a dispensa da fase instrutória, por óbvio que não é difícil arrolar testemunhas que roborem o afirmado na inicial. Mas forjar litigiosidade tão-só para obter a separação revela postura desleal e inconcebível, é usar o Poder Judiciário para protagonizar essa verdadeira fraude. Porém, essa prática decorre da rigidez da própria lei, não se podendo recriminar a tentativa do casal de se libertar de um casamento que já acabou.

Outra modalidade indevida de contornar a intransigência legal, de largo uso, é a busca consensual da separação de corpos, modalidade que não dispõe de referendo na lei. Como inexiste pretensão resistida, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, não guardando qualquer identidade com a medida provisional de afastamento de um dos cônjuges da morada do casal, prevista no inciso VI do art. 888 do CPC, nem com a possibilidade assegurada pelo art. 1.562 do Código Civil. Também já é consagrada a prática de pedir a separação de corpos por quem se afastou do lar conjugal. Acaba o juiz concedendo singelo “alvará de separação de corpos”, artifício que pode mascarar a verdadeira causa da separação, como, por exemplo, o abandono do lar.

Em qualquer das hipóteses, o Poder Judiciário é utilizado para fins meramente certificatórios do término da vida em comum, para a só finalidade de fixar o termo a quo para a conversão da separação em divórcio. Mister reconhecer o absoluto descabimento de tais posturas, que só encontram justificativa na vedação da separação ou mesmo do divórcio, pela simples manifestação de vontade de um do par, independente de uma causa ou do implemento de prazos, quer da celebração do casamento quer do seu fim.

6. A vontade de um

O art. 1.563 do Código Civil prevê a separação chamada litigiosa. A iniciativa da ação é de um dos cônjuges, mas para tal o pedido precisa ser motivado, ou seja, há necessidade da indicação de uma causa de pedir: ou o decurso do prazo de um ano da separação de fato ou a existência de uma postura culposa imputável ao demandado.

O § 1º do art. 1.572 da lei civil autoriza o pedido de separação por qualquer dos cônjuges mediante a prova da ruptura da vida em comum há mais de um ano. Basta um único pressuposto de ordem objetiva, qual seja o adimplemento do prazo temporal, sem necessidade de apontar a causa da separação ou identificar o responsável pelo fim da relação. Mas se há a intenção de buscar a desconstituição do casamento antes de tal prazo, imperioso que o autor responsabilize o réu pelo fim do relacionamento. Depois de um ano do término do período de convívio, porém, o Estado deixa de se preocupar com os motivos da falência do casamento e se desinteressa em identificar e punir o culpado.

Para ser buscada a separação judicial antes do prazo de um ano da separação de fato, é imposto ao autor o ônus de alegar e provar motivos. A causa de pedir da ação é complexa: além de atribuir ao réu uma das condutas elencadas no art. 1.563 do Código Civil, deve o autor demonstrar que tais posturas tornaram insuportável a vida em comum. Portanto, duplo é o requisito para a sua concessão, um imputável ao réu (adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do lar conjugal durante um ano contínuo, condenação por um crime infamante, conduta desonrosa ou fatos outros assim considerados pelo juiz segundo o parágrafo único do art. 1.573 CC) e outro de ordem subjetiva, isto é, que tais comportamentos hajam tornado insuportável a mantença da vida a dois.

Talvez o mais paradoxal seja que, não provada a “culpa”, a ação é julgada improcedente, criando uma situação no mínimo esdrúxula: o juiz, por não ter ficado convencido da responsabilidade de quem figura no pólo passivo da ação, mantém casados aqueles que se digladiaram durante a tramitação de uma demanda em que foram desvendadas mágoas e confessados ressentimentos, o que, ao certo, aumenta o estado de beligerância do casal a inviabilizar a permanência do casamento.

A perquirição da causa da separação já vinha sendo abandonada pela jurisprudência. A partir da constitucionalização da primazia da dignidade da pessoa humana, tendo merecido significativo realce o direito à privacidade e à intimidade, deixou-se de investigar a culpa ou apontar culpados para ser decretada a separação.[20] Ainda que tenha sido revitalizado o instituto da culpa no atual Código Civil, continua sua identificação perdendo prestígio e sendo desprezada pela Justiça,[21] seja porque é difícil atribuir a um só dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, seja porque é  indevido obrigar a um cônjuge que revele a intimidade, invadindo a auréola de privacidade do outro. Mesmo tendo sido repristinada a culpa, inclusive com mais forte colorido no Código Civil, posteriormente à Constituição Federal, cabe reconhecer a inconstitucionalidade dessa imposição legal. Refoge ao âmbito de atuação do Estado impor a alguém a violação ao direto à privacidade de outrem, para o juiz, de forma estéril e desnecessária, lhe atribuir a pecha de culpado, uma vez que não tem sentido averiguar a culpa com motivação de ordem íntima, psíquica, conforme assevera Luiz Edson Fachin, concluindo que a conduta pode ser apenas sintoma do fim.[22]

 

  1. As (des)semelhanças

A grande diferença que se pode vislumbrar entre a separação e o divórcio é que, para se obter a separação, basta o fim da vida conjugal pelo período de um ano (§ 1º do art. 1.572 do CC), enquanto para a concessão do divórcio, quer de forma consensual, quer por iniciativa de somente um dos cônjuges, é necessário que a ruptura da vida em comum tenha completado dois anos consecutivos (§ 2º do art. 1.580 do CC).

Injustificáveis as incongruências da lei. Quando a separação decorre do mútuo acordo de vontades, a única exigência é estarem os cônjuges casados há mais de um ano (art. 1.524 do CC). Não há a necessidade de apontar qualquer motivação nem o implemento de prazo da separação de fato para a busca do término da relação. No entanto, para alcançar o divórcio, ainda que de forma consensual, mister estarem os cônjuges separados de fato há mais de dois anos.

Quando apenas um do par quiser a separação, somente tem legitimidade para a ação o “inocente”, sendo imprescindível que ele comprove a culpa do réu pelo desenlace do relacionamento (art. 1.572 do CC). Por conseqüência, o cônjuge “responsável” pela separação não pode pedir a chancela judicial para pôr fim ao vínculo matrimonial antes de estar o casal separado por um ano. Quando inexistir causa que permita identificar o infrator pela falência do casamento, nenhum dos cônjuges pode tomar a iniciativa de pedir a separação, sendo necessária a espera do escoamento de um ano da ruptura da vida em comum para qualquer deles buscar o que se chama de separação “remédio”. Mas se, em vez de esperarem um ano, aguardarem o decurso de dois anos, é possível a qualquer dos cônjuges pedir o divórcio. Antes desse prazo é incabível o pedido, fazendo-se necessário usar previamente a via da separação e depois sua conversão em divórcio.

Também aqui se flagra uma certa incongruência do legislador. Depois de um ano do rompimento da vida conjugal, torna-se despicienda a invocação de alguma causa, e qualquer dos cônjuges, tanto o “culpado” como o “inocente”, pode buscar a separação, independente da identificação de um responsável (art. 1.572, § 1°, do CC). Mas para isso é preciso esperar que decorra o período de um ano, como se o tempo tivesse o condão de gerar inimputabilidades. Poder-se-ia, quem sabe, fazer uma espécie de analogia com o Direito Penal e reconhecer a “prescrição” do crime, e o “delinqüente” – isto é, aquele que praticou o delito de deixar de amar – acaba reabilitado, podendo, então, livrar-se do casamento.

É de ser nominado no mínimo de estranho que, em se tratando de separação, não implementado o prazo de um ano de ruptura da vida em comum, a culpa é elemento indispensável para sua concessão. Mas a expressa vedação a qualquer referência aos motivos que ensejaram o decreto da separação quando de sua conversão em divórcio (§ 1º do art. 1.580 do CC) mostra a absoluta desnecessidade de tais perquirições e apenações. No divórcio, por outro lado, o elemento culpa é absolutamente descabido. Somente o decurso do prazo de separação de fato por dois anos autoriza sua concessão, quer seja divórcio consensual, quer seja litigioso (art. 1580, § 2º, do CC). A causa de pedir é unicamente a questão temporal do fim da vida em comum.

8. A (des)vantagem

Nem só desvantagens decorrem da separação. Ao menos um benefício parece trazer, qual seja a possibilidade de os separados se reconciliarem. Se houver o casal se divorciado, o restabelecimento da união conjugal só poderá ocorrer mediante novo casamento. Era o que dizia o art. 33 da Lei do Divórcio. Ainda que esse dispositivo não tenha sido reproduzido no Código Civil, persiste a vedação, que não decorre do afirmado na lei. A separação só “rompe” o casamento, que pode ser reconstituído, e o divórcio “dissolve” o vínculo matrimonial, que deixa de existir e não pode ser refeito.

É até enfático o art. 1.577 do CC ao proclamar: Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal (…). Considera a lei “lícita” a reconciliação, apontando-a quase como uma medida redentora. No entanto, para que tal ocorra, é necessária a intervenção judicial. Assim, se os separados, ao fazerem as pazes, resolverem desfazer a separação, terão que contratar advogado, que irá requerer o desarquivamento do processo de separação. Além do tempo que tal busca despende, o pedido deverá ser apreciado pelo juiz, que necessariamente dará vista ao Ministério Público. Mesmo que não seja necessária a realização de audiência, a decisão judicial terá que aguardar o trânsito em julgado da sentença. Só após será expedida certidão ao Registro Civil. Não se pode olvidar que todos esses procedimentos envolvem  o desembolso de emolumentos, custas e honorários advocatícios.

Ao se comparar esse processo com o casamento, que, além de gratuito (art. 226, § 1º, da CF), é muito mais romântico e rápido, não se pode dizer que a manutenção da separação se justifica pela sua reversibilidade.

 

9. O tempo

Como a lei impõe o decurso do prazo de dois anos de separação de fato para a obtenção do divórcio, a comprovação desse interstício vem sendo alvo de abrandamentos, o que tem levado os cônjuges a não mais fazer uso da via da separação. É que no divórcio consensual, apesar da exigência do inciso III do art. 40 da Lei do Divórcio,[23] a coleta da prova testemunhal e a realização de audiência de ratificação estão sendo dispensadas.

Para alcançar o divórcio, independente do tempo de cessação da vida em comum, as partes arrolavam duas testemunhas que, ouvidas em conjunto pelo juiz, se limitavam a singelamente afirmar que o casal estava separado há mais de dois anos. Não precisou grande esforço para se flagrar que o Judiciário se tornara palco de uma verdadeira encenação. Em momento posterior, passaram a acompanhar a inicial da ação de divórcio simples declarações das testemunhas dizendo estar o casal separado pelo lapso legal. Aos poucos deixaram os juízes de proceder à oitiva em audiência dos firmatários dos indigitados documentos. Começaram a ser aceitas as declarações trazidas pelas partes, dispensando-se o que antes se tinha por indispensável: a ouvida das testemunhas em juízo.[24]

Porém, na ação de divórcio consensual, não há sequer a necessidade de apresentação de declarações de testemunhas, que se limitam a confirmar o que as partes já declararam, ou seja, que estão separadas há mais de dois anos. De todo injustificável emprestar maior credibilidade à manifestação de duas pessoas e não aceitar a assertiva dos cônjuges como verdadeira. Porque a palavra dos divorciandos não basta para se ter por atendido o encargo probatório exigido pela lei? Se há convergência de vontades sobre o fim do casamento, a declaração dos divorciandos na inicial é mais do que suficiente  para se ter por adimplida a comprovação do requisito temporal.

10. A palavra

Apesar do que determina o inciso III do art. 40 da Lei do Divórcio, quando o divórcio é buscado consensualmente, sequer se faz obrigatória a realização de audiência de ratificação, principalmente quando inexiste prole e bens a partilhar. Deve ser suficiente a afirmativa constante da petição inicial de que o casamento faliu, sendo livre a intenção de ambos de se divorciar. Despicienda a imposição a pessoas maiores, capazes e no amplo gozo de seus direitos civis de ratificar, na presença do juiz, a manifestação livre da vontade já externada de forma escrita. Ao depois, a audiência de ratificação também se tornou um ato meramente formal, muitas vezes limitando-se as partes a firmar um termo impresso no balcão dos cartórios.

Mas outros questionamentos se impõem. Para que tentará o juiz reconciliar as partes que não vivem juntas há mais de dois anos e não querem mais ficar casadas? Procuraram um advogado e intentaram uma ação buscando simplesmente a chancela judicial – que até dispensável seria – para desfazer um vínculo que foi firmado espontaneamente, inclusive sem a interferência judicial.

É de atentar-se em que, na conversão da separação em divórcio, quer por mútuo acordo, quer por ausência de contestação, o juiz conhecerá diretamente do pedido sem a ouvida das partes, conforme dispõe o art. 37 da Lei do Divórcio.[25] Igualmente quando a partilha de bens é relegada a momento posterior ao decreto da separação ou do divórcio, não há necessidade da audiência para saber se a partilha proposta corresponde à vontade livre das partes.

Essas exceções à ouvida das partes mostram não ser imperiosa a audiência de ratificação para a concessão do divórcio. Aliás, de forma freqüente vem sendo dispensada essa solenidade.[26]

 

  1. O obstáculo

Outro ponto merece atenção, a evidenciar o descabimento da mantença desta figura híbrida da separação depois do advento do divórcio. Decretada a separação judicial, resta afastada a possibilidade de se atender ao aparente interesse do Estado de as pessoas se vincularem pelo casamento. Ora, as pessoas separadas judicialmente não podem casar, mas podem viver em união estável, sendo pertinente a reflexão de Zeno Veloso:

Uma coisa é não poder a união estável, num caso concreto, converter-se em casamento, e outra, muito diferente, é garantir-se que, por isto, não há união estável. Aliás, se um ou ambos os conviventes são separados judicialmente, também não pode haver a conversão, e ninguém ousaria negar a existência da união estável, se os requisitos legais estão sendo atendidos.[27]

Assim, a condição de separado de um ou ambos os conviventes impede que cumpra o Estado o compromisso – diga-se, o mais inútil de todas as inutilidades[28] – de facilitar a conversão da união estável em casamento. Portanto, estando um dos conviventes impedido de casar, por ser separado de fato ou judicialmente, tal veda a transformação da união estável em casamento. Ora, se o aparato estatal assumiu o encargo de facilitar aos unidos de fato a formalização de sua união, nada justifica a sobrevivência de um instituto que, mesmo levando ao fim do casamento, impede a constituição de nova relação formal.

 

12. Estágio fugaz

Depois de uma demanda litigiosa, normalmente demorada e desgastante, em face da imprescindível identificação de um culpado, a vitória é pífia. As severas sanções impostas a quem deu causa ao fim do relacionamento, além de cruéis e injustificáveis, são flagrantemente inconstitucionais. Descabida a limitação do direito a alimentos a quem não tem condições de prover o próprio sustento (arts. 1.694, § 2°, e 1702, e parágrafo único, do CC), pois se trata de obrigação que tem por parâmetro exclusivamente o critério da proporcionalidade, ou seja, mensuram-se as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentando. Também descabida a possibilidade da perda de um dos direitos personalíssimos de alguém por sede de vingança de outrem. É que fica ao alvedrio do “dono” do nome subtrair a identidade de quem o adotou (art. 1.578 do CC) e que foi o “culpado” pelo fim do amor. Além de indevida, deve-se qualificar de atentória à dignidade a interferência de terceiro na identidade de alguém, pois o nome é um bem jurídico que tutela a intimidade, atributo ínsito da personalidade humana.[29] Assim, de todo descabido deixar em mãos do “inocente”, sem que haja sequer necessidade de justificar tal desejo, a imposição da penalidade da perda do nome. Dita faculdade tem nítido caráter punitivo e vingativo.[30]

A indispensável comprovação da culpa para a obtenção da separação perde completamente o sentido quando da sua conversão em divórcio, pois é vedado que conste da sentença a causa que o determinou. A “pecha” de culpado dura, no máximo, um ano, já que o prazo para a conversão flui, não da data da sentença que imputou a culpa ao réu, mas de simples decisão judicial que faça presumir a separação dos cônjuges (art. 1.580 do CC).

Há mais um motivo que subtrai qualquer justificativa à manutenção da separação judicial. Normalmente, como a demanda exige dilação probatória, sua tramitação se estende no tempo, e dificilmente o processo chega à sentença ou o recurso aporta no tribunal antes de um ano da propositura da ação. Determinando o art. 462 do CPC a qualquer dos graus de jurisdição que considere os fatos supervenientes que possam alterar o resultado da ação, implementado o prazo legal durante a tramitação da ação ou do recurso, imperativo que seja decretada a separação chamada remédio tão-só pelo fundamento temporal.[31] Independente do requerimento de qualquer das partes, da eventual discordância de algum dos cônjuges, impositivo que o julgador considere o novo fato e atente exclusivamente no decurso do prazo para decretar a separação. Nada obsta o decreto do divórcio na própria ação de separação tão logo adimplido o prazo de dois anos da separação de fato. Trata-se de salutar providência, pois se estará evitando a imediata propositura de nova ação para obter a conversão da separação em divórcio.

 

13. Duplicidade inócua

Diante de todas essas incongruências, uma certeza salta aos olhos. A partir do momento em que a lei assegurou a possibilidade do divórcio direto, mediante o só implemento do prazo de dois anos do término da relação, perdeu utilidade a mantença do instituto da separação judicial. Inclusive, cabe questionar a vantagem de alguém se socorrer da ação de separação, por decorrido um ano da separação de fato, quando o transcurso de mais um ano autoriza o divórcio direto. Como após o decurso do biênio da data da separação de corpos ou do prazo de um ano do decreto da separação judicial necessitam as partes retornar a juízo para a sua conversão em divórcio, essa duplicidade procedimental, além de inócua, é desgastante e onerosa. Certamente acaba por ser mais demorado obter o rompimento do casamento se forem usados os dois expedientes legais em vez de se buscar diretamente o divórcio, ainda que se faça necessária a espera de dois anos para sua propositura. Não se pode desprezar um outro dado: o que essa duplicidade de ações congestiona os foros e onera o Poder Judiciário. Em época em que tanto se reclama da morosidade e aparente ineficiência da Justiça, mister eliminar demandas inúteis e desnecessária duplicidade procedimental para atender a uma única vontade, a uma só pretensão, que é a de desconstituir o vínculo do casamento.

 

14. A pergunta que não quer calar

Ao atentar-se em todos esses pontos, não há como deixar-se de se surpreender ao constatar a total inversão valorativa que a superposição de leis e o descaso do legislador deu ensejo. Para formar uma família, que é a base da sociedade e merece a especial proteção do Estado (art. 226 do CF), entidade responsável por garantir, com absoluta prioridade, todos os direitos assegurados à criança e ao adolescente (art. 227 da CF), é suficiente um mero procedimento de habilitação. Depois, basta dizer “sim” ao Juiz de Paz, que sequer serventuário da Justiça é, sendo a solenidade chancelada por um oficial cartorário.

Para desfazer esse vínculo, no entanto, é necessário o aparato do Poder Judiciário, que impõe a implementação de prazos, a identificação de culpas e se arvora o direito de aplicar sanções. É de se perguntar o porquê de tais entraves. Esses limites e obstáculos afrontam o princípio da liberdade, sem falar no direito à privacidade e no próprio direito à felicidade. Pelo alargamento dos direitos e garantias fundamentais, cada vez mais se questiona a legitimidade de o Estado imiscuir-se na vida do cidadão. Lapidar a lição de Rodrigo da Cunha Pereira: é preciso demarcar o limite de intervenção do Direito na organização familiar para que as normas estabelecidas por ele não interfiram em prejuízo da liberdade do ‘ser’ sujeito.[32]

Será que o Poder Judiciário pode se negar a chancelar a vontade das partes que manifestam de forma livre o desejo de romper o vínculo do matrimônio? Que interesse maior se estaria tentando proteger? Se, para a realização do casamento, basta a manifestação de vontade dos nubentes, para sua extinção é despiciendo exigir mais do que a assertiva do casal de que o casamento ruiu e de que eles não mais querem seguir unidos pelos laços do matrimônio.

Talvez, de forma singela, até se devesse transpor para o campo do Direito de Família o princípio insculpido no art. 472 do Código Civil, que diz: O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato. O pedido de divórcio, ao menos quando consensual, poderia ser formulado mediante mero requerimento dirigido ao Cartório do Registro Civil em que ocorreu o casamento, que fará a devida averbação à margem do registro de casamento, solução que, com certeza, melhor atenderia ao atual momento que vive a sociedade, que está a exigir soluções rápidas, eficientes e inteligentes.

15. O desuso

Tanto a Constituição Federal como o Código Civil perderam uma bela oportunidade de expungir do sistema jurídico o procedimento da separação. Impositivo que se conceda o divórcio pelo simples desejo dos cônjuges, independente do lapso de vigência do casamento ou do implemento de prazo da separação. Não há mais como exigir a identificação de qualquer motivo para que o Estado dê por findo o casamento.

A proteção da família é proteção mediata, ou seja, no interesse da realização existencial e afetiva das pessoas. Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o ‘locus’ indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana.[33]

Para casar, é suficiente manifestar a vontade de fazê-lo, o que pode ocorrer até por procuração. Para romper o casamento, não se pode exigir formalidades maiores, limitando somente aos cônjuges a legitimitade para pedir a separação[34] ou o divórcio[35]. Basta a afirmativa dos cônjuges de que não mais desejam manter a união, para que o Estado chancele a vontade do par, decretando, sem maiores delongas, o divórcio.

Com certeza é a jurisprudência que deve dar mais um passo, deixando cair em desuso a separação, simplesmente deixar de decretá-la, passando a conceder o divórcio. Aliás, para a Justiça, adequar o pedido ao posicionamento jurisprudencial não é uma novidade. A jurisprudência, por exemplo, abandonou o reconhecimento do vínculo laboral entre os parceiros ao passar a ver na relação extramatrimonial uma sociedade de fato, sem atentar no que havia sido pedido pela autora. Ainda hoje, quando é proposta ação de dissolução de sociedade de fato, é reconhecida judicialmente a união estável. Buscada indenização por serviços prestados, acabam sendo deferidos alimentos ou determinada partilha de bens. Assim, nada impede que, intentada ação de separação, o juiz decrete o divórcio, pois as partes nada mais querem do que o fim do casamento. Igual poderá ser o resultado até nas ações de separação de corpos, pois a pretensão é romper a vida em comum, em face do fim do casamento, o que justifica sua desconstituição imediata pela decretação do divórcio. Cabe invocar o velho adágio damihi factum dabo tibi jus, isto é, a parte denuncia o desfazimento do laço de afetividade e pede a separação porque sua pretensão é a dissolução do casamanto. Como o desfazimento do vínculo matrimonial pode ocorrer pela separação ou pelo divórcio, é muito mais vantajoso, tanto para as partes como para a Justiça, a imediata decretação do divórcio, tão logo decorrido o lapso temporal. Nominar a ação de separação ou divórcio é de todo indiferente, pois o que quer a parte é a desconstituição do casamento. Ainda que nomine o autor a demanda de ação de separação, nada impede a decretação do divórcio, não só pelo princípio de economia processual, mas até para economia das partes.

Como sempre vem ocorrendo, são os juízes, que, trabalhando mais rente ao fato social, acabam por mostrar o norte e levar o legislador a chancelar, por meio da lei, o que a Justiça já reconheceu como a solução mais acertada e coerente.

É chegada a hora de, mais uma vez, assumir o Judiciário uma postura de vanguarda, pois o juiz tem o compromisso de fazer justiça, assegurar o direito às partes que, afinal, nada mais querem do que se livrar do casamento para enfim buscar a felicidade sem fim.

 

Publicado em 04/11/2003.

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família

www.mariaberenice.com.br

[2] CF de 1934, art. 144; CF de 1947,  art. 124; CF de 1946, art. 163; CF de 1967,  art. 167 e redação originária da Emenda Constitucional no 1 de 1969, art. 175.

[3] RAMOS, Carmen Lucia Silveira. Família constitucionalizada e pluralismo jurídico. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família. A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: IBDFAM; OAB-MG e Del Rey, 2000. p. 63.

[4] Art. 315 do CC de 1916: A sociedade conjugal termina: (…) III. Pelo desquite amigável ou judicial.

[5] Parágrafo único do art. 315 do CC de 1916: O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges (…)

[6] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 30.

[7] Art. 175, § 1º da Emenda Constitucional nº 1/69: O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos. Art. 2° da Emenda Constitucional  9/77: A separação, de que tratado o § 1° do art. 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta Emenda.

[8] Art. 38 da Lei 6515/77: O pedido de divórcio, em qualquer dos seus casos, somente poderá ser formulado uma vez.

[9] O art. 40 da Lei nº 6.5l5/77 possuía a seguinte redação: No caso de separação de fato com início anterior a 28 de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provar o decurso do prazo da separação e sua causa. § 1º: O divórcio, com base nesse artigo, poderá ser fundado nas mesmas causas previstas nos arts. 4º e 5º e seus parágrafos.

[10] Art. 226, § 6º, da Constituição Federal: O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.

[11] Art. 40 da Lei nº 6.515/77: No caso de separação de fato, e desde que completados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado o decurso do tempo da separação.

[12] DIAS, Maria Berenice. Da separação e do divórcio. In: ______.; PEREIRA, Rodrigo da Cunha.  (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 78.

[13] DIAS, Maria Berenice. Da separação e do divórcio. In: ______.; PEREIRA, Rodrigo da Cunha.  (coord.) Direito de Família e o Novo Código Civil. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 74.

[14] O projeto original, de nº 634, data de 1975.

[15] OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Impedimentos matrimoniais na união estável. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002. p. 174.

[16] VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belém: Cejup, 1999. p. 227.

[17] Art. 4º da Lei nº 6.515/77: Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados há mais de 2 (dois) anos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado.

[18] Redução levada a efeito pela Lei nº 8.408/92, ao dar nova redação ao § 1º do art. 5º da Lei nº 6.515/77: A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de 1 (um) ano consecutivo, e a impossibilidade de sua reconstituição.

[19] SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A separação consensual e o prazo para obtê-la. Revista do Instituto dos Advogados do RS – COAD. Ed. especial. out./nov. 1996. p. 79.

[20] Separação. Culpa. Não tem mais justificativa a atribuição da culpa pelo rompimento da vida em comum, quando nenhuma conseqüência pode advir dessa declaração, bastando, para a decretação da separação, o reconhecimento do fim do vínculo afetivo. Embargos rejeitados. (Embargos Infringentes nº 70001797711, 4º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 09/3/2001).

[21] Apelação cível. Separação litigiosa cumulada com alimentos. Preliminar. Ausência do exame da culpa pelo juízo de origem. Conforme entendimento das Câmaras de Família deste Tribunal, descabe perquirir sobre culpa nas relações afetivas, haja vista ser conseqüência e não causa da separação. Nulidade afastada. Intempestividade do recurso do recorrido não configurada. Recurso do réu desprovido – unânime. Recurso da autora provido, em parte – voto vencido. (Apelação Cível n° 70005481742, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Desembargador Alfredo Guilherme Englert, julgado em 03/4/2003).

Separação Judicial. Culpa. Identificação do responsável pelo término da relação conjugal. Desnecessidade. Segundo entendimento já sedimentado nesta Câmara, não se pode atribuir a qualquer uma das partes, mas tão-somente à corrosão dos sentimentos, ao desamor que se instala no seio da relação. Afastada a imposição de culpa, mantém-se o decreto da separação judicial. Apelos desprovidos. (Apelação Cível n° 70005842380, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 18/6/2003).

[22] FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 179.

[23] Este dispositivo da Lei do Divórcio permanece em vigor face ao seu conteúdo processual.

[24] Divórcio consensual. Prova testemunhal. Ante a afirmativa dos cônjuges de estarem separados de fato há dois anos, desnecessária declaração ou ouvida de testemunhas, pois não há outro motivo para emprestar maior credibilidade à palavra de terceiros do que à das próprias partes. Apelo improvido. (Apelação Cível nº 70003153350, 7º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 31/10/2001).

Divórcio litigioso. Audiência. Prova testemunhal. Mostra-se viável a comprovação do lapso temporal exigido para a decretação do divórcio mediante declaração prestada por testemunhas com firma reconhecida, sem a necessidade de realização de audiência de instrução. (…) Apelo provido em parte. (Apelação Cível nº 70006857429, 7º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 03/9/2003).

[25] Dispositivo ainda em vigor face ao seu conteúdo processual.

[26] Divórcio consensual. Prova testemunhal. Ante a afirmativa dos cônjuges de estarem separados de fato há dois anos, desnecessária declaração ou ouvida de testemunhas, pois não há motivo para emprestar maior credibilidade à palavra de terceiros do que à das próprias partes. Audiência de ratificação. Dispensável a realização da audiência de ratificação quando nada há a ser estipulado, seja sobre filhos, alimentos ou partilha de bens. Basta a assertiva da inicial da livre intenção das partes para que seja chancelado o divórcio, uma vez que alegam eles que a separação já perdura por mais de dois anos. Apelo desprovido. (Apelação Cível nº 70003044567, 7º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 28/9/2001).

Divórcio consensual. Audiência de ratificação. Ainda que a ouvida dos divorciandos se revele útil, in casu, inexistindo filhos, bens a partilhar ou obrigação alimentar, é de todo desnecessária a formalidade da audiência para a ouvida das partes. Apelo desprovido, por maioria. (Apelação Cível nº 70005525779, 7º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 19/3/2003).

[27] VELOSO, Zeno. União estável. Belém: Editora Cejup, 1997. p. 75.

[28] Conforme HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Família e casamento em evolução. In Direito Civil: Estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 27.

[29] ALMEIDA, Silmara Juny de Chinelato e. Do nome da mulher casada. São Paulo: Forense Universitária. 2001. p. 66.

[30] Divórcio. (…) Nome. Direito de personalidade. Descabe impor na sentença do divórcio o retorno ao nome de solteira, contra expressa vontade da mulher. A partir da adoção do apelido do marido esse integra o direito à identidade. Rejeitada a preliminar de nulidade de citação, proveram o apelo em parte, por maioria (Apelação Cível n° 599400298, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 08/9/1999).

[31] Separação. Decurso do prazo. Decorrido o prazo para a concessão da separação por implemento do prazo legal, despiciendo perquirir o elemento subjetivo para a identificação do responsável pelo fim do vínculo afetivo, por incidência do art. 462 do CPC. Agravo desprovido. (Apelação Cível n° 70006347769, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 21/5/2003).

Razoável decretar-se o divórcio quando durante o curso da demanda de separação se exaure o prazo detonado com a separação de fato. (Apelação Cível n° 70003263142, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgs, julgado em 27/3/2003).

Superveniência de fato novo deve ser levada em consideração de ofício, em qualquer grau de jurisdição. Princípio da economia processual que impõe o aproveitamento do processo. (Apelação Cível n° 70000026708, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 27/3/2003).

[32] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 3.

[33] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Cidadania. O novo CCB e a Vacatio Legis. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002. p. 96.

[34] Art. 1576, parágrafo único do CC.

[35] Art. 1582 do CC.

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