Maria Berenice Dias[1]
Todo mundo quer acreditar que o amor é para sempre. Mas não adianta, é infinito enquanto dura. E, quando termina só há um jeito. Acabar com o casamento, definir direitos e deveres com relação aos filhos, partilhar bens. Não há outra maneira de preservar o direito à felicidade.
Ainda assim, de forma para lá de injustificável, o estado resiste em permitir que as pessoas saiam do casamento. Antes o matrimônio era indissolúvel: até que a morte os separe! Mesmo com o advento da Lei do Divórcio, persiste a imposição de prazos, a identificação de culpados e a necessidade de um duplo procedimento. Mesmo havendo consenso, primeiro é preciso separar para depois converter a separação em divórcio, e isso depois do decurso de um ano. A possibilidade de obter o divórcio direto existe somente depois de dois anos da separação de fato. Ou seja, ninguém consegue casar novamente antes de tais prazos. Pode viver em união estável, mas não pode convertê-la em casamento.
Estas verdadeiras cláusulas de barreira são impostas sem ser questionar sequer se existem filhos ou interesses de ordem patrimonial. Isto é, as pessoas são livres para casar, não para por fim ao casamento ou casar de novo.
Mas, a quem interessa a mantença da união mesmo quando este nem é o desejo dos cônjuges? Será que alguém ainda acredita que, como a família é a base da sociedade, ela não pode se desfazer; renascer com outro formato; reconfigurar-se com novos partícipes?
Para acabar com este verdadeiro calvário é que o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM apresentou o projeto que se transformou na Proposta de Emenda Constitucional nº 413-C, a chamada PEC do Divórcio, que acaba com a separação, permanecendo o divórcio como a única forma de dissolver a sociedade conjugal, sem ser necessário adimplemento de prazos ou identificação de culpados.
Com certeza esta é a única forma de assegurar o respeito a um punhado de princípios constitucionais. Obrigar alguém a permanecer casado afronta o respeito à dignidade humana, o direito à liberdade, à convivência familiar e – às claras – o direito fundamental à afetividade.
No entanto, mister atentar a um fato. A necessidade de esperar que flua um lapso temporal desde o fim da vida em comum até a chancela estatal do término da união prejudica especialmente a mulher e os filhos. De um modo geral, quando da separação é a mulher que permanece com a guarda dos filhos e o homem fica na administração do patrimônio. Quase sempre é somente por ocasião do divórcio que ocorre a imposição de deveres, são garantidos direitos e identificadas responsabilidade de ordem pessoal e patrimonial.
Portanto, até serem fixados alimentos e partilhados os bens, o marido é beneficiado com a perenização do estado de indefinição, pois, enquanto isso, pode dispor livremente do patrimônio comum. E, quando finalmente o divórcio se torna possível, muitas vezes não há mais vestígios dos bens e nem o encargo alimentar atende ao critério da proporcionalidade. Tudo foi consumido, vendido ou desviado. Ou seja, ela fica com os ônus e ele com os bônus.
Talvez atentando a esta realidade é possível identificar a quem interessa as coisas ficarem como estão. Talvez sejam estes os motivos que estejam a impedir a imediata aprovação da PEC do divórcio, que até deveria ser chamada de PEC do casamento. Afinal, só depois do divórcio é que as pessoas podem casar de novo.
Mais uma vez, se faz necessário que as mulheres se mobilizem para evitar que se perpetuem os enormes prejuízos decorrentes da indefinição patrimonial gerada pela injustificável resistência em chancelar o fim do vínculo afetivo.
A tentativa de manter o casamento acaba afrontando a dignidade feminina.
Publicado em 07/03/2010.
[1] Advogada
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
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