Maria Berenice Dias[1]
Certamente o propósito da Lei da Alienação Parental foi escancarar uma triste realidade: como é desmedida a capacidade de odiar. A que ponto as pessoas chegam para se vingar de alguém.
Claro que esta faceta do ser humano sempre existiu.
Os chamados crimes passionais – que de paixão nada tem – lotam presídios.
Não foi outra motivação que levou à edição da Lei Maria da Penha e à qualificação do crime de morte como feminicídio.
Estes são os mecanismos legais que tentam refrear os crimes de ódio contra as mulheres.
A incidência assustadora destes delitos mostra o verso e reverso de uma mesma moeda.
A facilidade com que o amor se transforma em ódio.
A motivação desta verdadeira carnificina é uma só: punir o responsável pelo fim do sonho do amor eterno. A frustração da promessa de uma felicidade a qualquer preço. Mesmo na doença, na pobreza e na tristeza.
A insuportabilidade da dor leva ao desejo de provocar dor no outro. E o desejo de vingança não tem limite.
Este sentimento alcança não só o parceiro. Vai além.
Os próprios filhos são utilizados como armas. Servem de munição na guerra deflagrada por quem se sentiu traído, abandonado.
O desalento do desamor supera todas as fronteiras.
Inclusive o chamado amor incondicional dos pais pelos filhos. Não importam as sequelas que estas manobras podem provocar. Quais os prejuízos que causam a eles.
O importante é convencê-los de que precisam nutrir o mesmo ódio com relação a quem não mais os ama.
Mentiras, falsas acusações, manipulações transbordam a ponto de gerar nos filhos profunda crise de lealdade. Não sabem quem odiar, quem amar. Nem o que é verdade ou pura imaginação. O que é certo e o que é errado. Bom ou ruim.
Na tentativa de refrear tais atos é que foi editada a Lei 12.318/2010.
Até o seu nome foi alvo de enormes críticas. Tentando desqualificá-la, foram atrás da biografia de quem deu o nome a este fenômeno.
Mas, independente de tudo, a Lei da Alienação Parental vingou.
De forma didática elenca algumas posturas que evidenciam o uso dos filhos como ponta de lança. Impinge sanções aos autores de tais práticas, além de trazer ferramentas processuais mais ágeis para flagrar sua ocorrência e tentar reduzir danos às vítimas.
Quanto mais sofisticadas as formas de usar os filhos como bucha de canhão, mais difícil é para a Justiça conseguir identificar tais ações. Por isso se tornou indispensável a atuação de profissionais da área psicossocial, que precisam intervir precocemente para estancar a sangria que leva à morte de vínculos parentais.
Claro que mecanismos de contenção tão eficientes e cada vez mais sofisticados, só podem ser rejeitados por quem está sendo inibido de transformar filhos em ferramentas para provocar dor.
Daí os recentes movimentos que querem a revogação da Lei ou sua mutilação. Nada mais do que estratégias para invisibilizar uma realidade que ninguém duvida que existe. E é cada vez mais assustadoras.
É a eficácia da Lei que passou a assustar.
É o limite imposto ao desejo de vingança que vem sendo refreado pela Justiça.
No entanto, sua manutenção é fundamental.
Não há outra forma de garantir o cuidado especial que a Constituição da Republica confere a crianças e adolescentes, com prioridade absoluta.
Entre eles, o direito à convivência familiar.
O fim da conjugal idade enseja o fim da parentalidade. A separação dos pais não pode levar à separação dos filhos com qualquer deles.
E ter dois lares, muitas vezes, é melhor do que ter um só.
Afinal, é só isso que filhos querem. A certeza de que são amados.
E quando este direito não é garantido pelos pais, cabe ao Estado o dever de intervir.
Publicado em 23/07/2019.
[1] Advogada
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM