Maria Berenice Dias[1]
Roberta Vieira Larratéa[2]
“A Justiça não é cega nem surda. Também não pode ser muda. Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social, os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos que por ela esperam e coragem para dizer o Direito em consonância com a Justiça.” Maria Berenice Dias
Sumário: 1. Mirada histórica; 2. A sexualidade como direito; 3. Princípios constitucionalizados; 4. Uniões homoafetivas e o silêncio legal; 5. Mecanismos integrativos; 6. Caminhos a percorrer; 7. Avanços jurisprudências; 8. Referências bibliográficas.
- Mirada história
Cada época da história consagra determinados valores culturais e tudo o que foge do modelo do “igual” acaba por ser rotulado de “anormal”, gerando um sistema de exclusões estigmatizantes. Essa visão engessadora não mais pode ser aceita nos dias de hoje, em que se vive em uma sociedade plural.
A homossexualidade sempre existiu. O vocábulo homossexual tem origem etimológica grega, significando “homo” ou “homoe”, que exprime a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa a quem tem.
Na Grécia antiga, fazia parte das obrigações do preceptado “servir de mulher” ao seu preceptor, e isso sob a justificativa de treiná-lo para as guerras, em que inexistia a presença de mulheres.[3] Os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física, nas Olimpíadas, onde era vedada a presença de mulheres na arena, pois não tinham capacidade para apreciar o belo. Também nas manifestações teatrais os papéis femininos eram desempenhados por homens travestidos ou com o uso de máscaras – manifestações evidentemente homossexuais.[4]
A prática homossexual acompanha a história da humanidade e sempre foi aceita, havendo somente restrições à sua externalidade.[5] Só passou a ser repudiada pela sociedade por influências de ordem religiosa. O maior preconceito contra a homossexualidade provém das religiões. A ideia sacralizada de família com fins exclusivamente procriativos levou à rejeição dos vínculos afetivos centrados muito mais no envolvimento mútuo. Toda relação sexual deveria tender à procriação. Daí a condenação da homossexualidade masculina por haver perda de sêmen, enquanto a homossexualidade feminina era considerada mera lascívia. A Igreja Católica, ao pregar que sexo se destina fundamentalmente à procriação, considera a relação homossexual uma aberração da natureza, uma transgressão à ordem natural, verdadeira perversão, baseada na filosofia de São Tomás de Aquino.
- A sexualidade como direito
A direito ao livre exercício da sexualidade é um direito fundamental que acompanha o homem desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria condição humana. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito à sua sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual e a livre orientação sexual. A sexualidade é um elemento integrante da própria natureza e abrange a dignidade humana. Todos têm o direito de exigir respeito à própria sexualidade, conquanto exercida de forma privada. Sem liberdade sexual, o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades fundamentais.
As normas constitucionais que consagram o direito à igualdade proíbem discriminar a conduta afetiva. O direito de tratamento igualitário independente da tendência sexual. A discriminação de um ser humano em virtude de sua orientação sexual constitui, precisamente, uma hipótese (constitucionalmente vedada) de discriminação sexual.[6]
A orientação sexual adotada na esfera de privacidade não admite restrições, o que configura afronta a liberdade fundamental a que faz jus todo ser humano. Como todos os segmentos alvo do preconceito e discriminação social, as uniões homoafetivas se sujeitam à deficiência de normatização jurídica, sendo deixados à margem da sociedade e excluído do âmbito de tutela do Direito.
- Princípios constitucionalizados
A regra maior da Constituição Federal é o respeito à dignidade humana, servindo de norte ao sistema jurídico nacional. A dignidade humana é a versão axiológica da natureza humana.[7] Tal valor implica dotar os princípios da igualdade e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas. Igualdade jurídica formal é igualdade diante da lei. Como bem explicita Konrad Hesse: o fundamento de igualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do estado de direito.[8]
Conforme expressamente proclama Magna Carta (art. 1º, III), o pressuposto do Estado Democrático de Direito é o respeito à dignidade da pessoa humana, O compromisso estatal é calcado nos princípios da igualdade e da liberdade, que se encontram consagrados no preâmbulo da norma maior do ordenamento jurídico, ao conceder proteção a todos, vedar discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (…).
O artigo 5º da Constituição, ao elencar os direitos e garantias fundamentais proclama: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Garante o mesmo dispositivo, modo expresso, o direito à liberdade e à igualdade.
Rejeitar a existência de uniões homoafetivas é afastar o princípio esculpido no inc. IV do art. 3º da Constituição Federal, segundo o qual é dever do Estado promover o bem de todos, vedada qualquer discriminação, não importa de que ordem ou de tipo. Conforme José Carlos Teixeira Giorgis:
A relação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, é previsto no artigo 1º, inciso 3º, da Constituição, e o Estado Democrático de Direito promete aos indivíduos, muito mais que a abstenção de invasões ilegítimas de suas esferas pessoais, a promoção positiva de suas liberdades.[9]
Mas de nada adianta assegurar respeito à dignidade humana e à liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, dizer que homens e mulheres são iguais, que não são admitidos preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos da exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e mulheres, a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se está vivendo em um Estado Democrático de Direito.
- Uniões homoafetivas e a omissão legal
Ainda que historicamente se conceitue família como uma relação interpessoal entre um homem e uma mulher, tendo por base o afeto, necessário reconhecer que há relacionamentos que, mesmo havendo identidade sexual do par, também são cunhados por um elo de afetividade. Em razão da norma constitucional que impõe respeito à dignidade humana, os vínculos afetivos, independentemente da identificação do sexo do par – se formados por homens e mulheres, ou só por mulheres, ou só por homens – são, todos eles, merecedores de igual proteção.
As uniões homoafetivas, mesmo que não previstas de modo expresso na Constituição e na legislação infraconstitucional, existem e fazem jus à tutela jurídica. A ausência de regulamentação não impede que sejam identificadas como entidades familiares no âmbito do Direito das Famílias. A natureza afetiva do vínculo em nada o diferencia das uniões heterossexuais, merecendo ser identificado como uma entidade familiar, pois tem como fundamento de constituição o mesmo alicerce presente nas demais: o afeto.
A ausência de leis, o conservadorismo do Judiciário e preconceitos de ordem moral, não podem levar à omissão do Estado nem servir de justificativa para negar direitos aos relacionamentos afetivos que não têm a diferença de sexo como pressuposto. É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões homossexuais. São relacionamentos que geram o enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, merecendo inserção no âmbito jurídico. Para sua configuração, basta estar presente os mesmos requisitos legais que constituem a união estável (CC, art. 1.723). Porém, em razão da especificidade dessas relações, descabe exigir a mesma publicidade da convivência dos casais heterossexuais. Por serem alvo constante de preconceito, os homossexuais acabam levando uma vida com mais discrição, preservando mais a sua privacidade, a fim de evitarem manifestações homofóbicas, inclusive de ordem profissional. Assim, a convivência pública não cabe ser considerada como requisito para a configuração da união homoafetiva, mas meio de prova para o seu reconhecimento.
Classificar como juridicamente impossíveis as ações que tenham por fundamento as uniões homossexuais é relegar situações existentes à invisibilidade, é ensejar a consagração de injustiças e autorizar o enriquecimento sem causa. Nada justifica, por exemplo, deferir a herança a parentes distantes em prejuízo de quem muitas vezes dedicou uma vida ao outro, participando na formação do acervo patrimonial. Descabe ao juiz julgar as opções de vida das partes. Deve cingir-se a apreciar as questões que lhe são postas, centrando-se exclusivamente na apuração dos fatos para encontrar uma solução que não se afaste de um resultado justo.
O próprio legislador constituinte alargou o conceito de família para além do casamento, tanto que reconheceu a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes como entidades familiares, merecedoras da proteção do Estado. O casamento não mais serve para diferenciar a família. A fertilidade do casal ou a existência de prole não são pressuposto para que a convivência entre duas pessoas mereça reconhecimento e proteção constitucional. Se prole ou capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, não mais cabe excluir do conceito de família as relações homoafetivas. Excepcionar onde a lei não distingue é a forma mais perversa de excluir direitos. Diante da abertura conceitual provocada pela Constituição, nem o matrimônio nem a diferenciação dos sexos ou a capacidade procriativa servem de elemento caracterizador da família. Por consequência, não há como admitir como entidade familiar somente a união estável ou o casamento entre pessoas de sexos opostos. A identidade sexual não pode ser invocada como pressuposto para a identificação da união estável. Trata-se de exigência nitidamente discriminatória.
Na Constituição atual, conforme alerta Paulo Lôbo, não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorria com as constituições brasileiras anteriores.[10] Ao suprimir a locução “constituída pelo casamento”, sem substituí-la por qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A cláusula de exclusão desapareceu. O fato de referir a tipos determinados, para atribuir-lhes certas consequências jurídicas, não significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a locução “a família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. E conclui de modo enfático: A interpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. A referência constitucional é norma de inclusão, que não permite deixar ao desabrigo do conceito de família – que dispõe de um conceito plural – a entidade familiar homoafetiva. [11]
- Mecanismos integrativos
A Constituição Federal – chamada Constituição Cidadã –, proclama a existência de um Estado Democrático de Direito. O núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade humana, atentando aos princípios da liberdade e da igualdade. A proibição da discriminação sexual, eleita como cânone fundamental, alcança a vedação à discriminação da homossexualidade, pois diz com a conduta afetiva da pessoa e o direito de opção sexual.
Além dos argumentos de ordem constitucional, não se pode olvidar que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura: todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, proibindo discriminação de qualquer espécie. A vedação à discriminação em razão de orientação sexual impede que o preconceito e a intolerância prevaleçam sobre o direito fundamental à igualdade substancial, que serve de âncora para um convívio social democrático, respeitada a dignidade de cada homem.[12]
A tônica do mundo de hoje é o respeito aos direitos humanos e a laicização da sociedade não mais permite que se negue a existência de um fato que está a merecer a tutela jurídica. O argumento do “pecado” é francamente incompatível com os princípios de liberdade religiosa e da laicidade do Estado (CF, art. 5º, VI[13] e art. 19, I[14]). O Estado laico não pode basear seus atos em concepções morais e religiosas, ainda que cultivadas pela religião majoritária, sob pena de desrespeitar todos aqueles que não a professam. Assim, as religiões que se opõem à legalização da união entre pessoas do mesmo sexo têm todo o direito de não abençoarem tais laços afetivos. Porém, o Estado não pode basear o exercício do seu poder temporal no discurso religioso, a fim de evitar grave afronta à Constituição e aos direitos fundamentais.[15]
Passando duas pessoas ligadas por um vínculo afetivo a manter relação duradoura, pública e contínua, como se casadas fossem, formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a que pertencem. Cabível identificá-la como união estável, geradora de efeitos jurídicos. Em face do silêncio do constituinte e da omissão do legislador em prevê-las modo expresso, deve o juiz cumprir com sua função de dizer o Direito, atendendo à determinação constante do art. 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil e do art. 126 do Código de Processo Civil. Na lacuna da lei, ou seja, na falta de normatização, precisa valer-se da analogia, dos costumes e princípios gerais de direito. Nada diferencia tais uniões de modo a impedir que sejam definidas como família. Enquanto não existir regramento legal específico, mister se faz a aplicação analógica das regras jurídicas que regulam as relações que têm o afeto por causa: o casamento e a união estável. Abstraindo-se o sexo dos conviventes, nenhuma diferença há entre as relações homo e heterossexuais, porquanto existe uma semelhança no essencial, na identidade de motivos entre ambas. O óbice constitucional estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável não impede o acréscimo dessa forma integrativa de um fato existente e não-regulamentado no sistema jurídico. O mesmo se dá em relação ao casamento. Todos são vínculos que têm igual propósito, qual seja, a concretização do direito fundamental à felicidade por meio do afeto. Assim, a identidade sexual não serve de justificativa para que se busque qualquer outro ramo do Direito que não o Direito das Famílias. Nos ensinamentos de Roger Raupp Rios:
A equiparação das uniões homossexuais à união estável, pela via analógica, implica a atribuição de um regime normativo destinado originariamente a situação diversa, ou seja, comunidade formada por um homem e uma mulher. A semelhança aqui presente, autorizadora da analogia, seria a ausência de vínculos formais e a presença substancial de uma comunidade de vida afetiva e sexual duradoura e permanente entre os companheiros do mesmo sexo, assim como ocorre entre os sexos opostos.[16]
Para colmatar as lacunas da lei, há também a determinação de se fazer uso dos princípios gerais de direito. Devem ser invocados os princípios norteadores introduzidos pela Constituição, que impõem o respeito à dignidade e asseguram o direito à liberdade e à igualdade. O ordenamento jurídico estrutura-se em torno de certos valores, muitos dos quais estão postos em sede de princípios constitucionais, que devem informar a interpretação da legislação específica numa leitura incorporada pelos reclamos da atualidade histórica.
Quando inexistir lei, igualmente há a determinação de se atentar também aos costumes. Mas imperioso é que se invoquem os costumes atuais, que cada vez mais vêm respeitando e emprestando visibilidade aos relacionamentos das pessoas do mesmo sexo. As relações sociais são dinâmicas. Totalmente descabido continuar pensando a sexualidade com preconceitos, com conceitos fixados pelo conservadorismo do passado, encharcados da ideologia machista e discriminatória, própria de um tempo já totalmente ultrapassado pela história da sociedade humana. Necessário é pensar com conceitos jurídicos atuais, que estejam à altura dos tempos de hoje.
Também o art. 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil indica um caminho para o juiz: ele deve atender aos fins sociais a que a lei se dirige e às exigências do bem comum. A interpretação, portanto, deve ser axiológica, progressista, na busca daqueles valores, para que a prestação jurisdicional seja democrática e justa, adaptando-se às contingências e mutações sociais.
A aversão da doutrina dominante e da jurisprudência majoritária a se socorrerem das regras legais que regem a união estável ou o casamento leva singelamente ao reconhecimento de uma sociedade de fato. Sob o fundamento de se evitar enriquecimento injustificado, invoca-se o Direito das Obrigações, o que acaba subtraindo a possibilidade da concessão de um leque de direitos que só existem na esfera do Direito das Famílias. Presentes os requisitos legais – vida em comum, coabitação, laços afetivos –, não se pode deixar de conceder às uniões homoafetivas os mesmos direitos deferidos às relações heterossexuais que tenham idênticas características. Como adverte João Baptista Villela: Sexo é sexo, patrimônio é patrimônio. Se, em geral, já é um princípio de sabedoria e prudência não misturá-los, aqui é definitivamente certo que um nada tem a ver com o outro.[17]
Tratar de modo diferenciado situações análogas acaba por gerar profundas injustiças. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, em nome de uma moral sexual dita civilizatória, muita injustiça tem sido cometida. O Direito, como instrumento ideológico e de poder, em nome da moral e dos bons costumes, já excluiu muitos do laço social.[18]
Ignorar a realidade, deixando as uniões homoafetivas à margem da sociedade e fora do Direito não irá fazer a homossexualidade desaparecer. Impositivo o reconhecimento da entidade familiar constituída entre pessoas do mesmo sexo. Como diz José Carlos Teixeira Giorgis:
De fato, ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo de alguém, em função de sua orientação sexual, seria dispensar tratamento indigno ao ser humano, não se podendo ignorar a condição pessoal do indivíduo, legitimamente constitutiva de sua identidade pessoal, em que aquela se inclui.[19]
Mais do que uma sociedade de fato, trata-se de uma sociedade de afeto, o mesmo liame que enlaça os parceiros heterossexuais. Bem questiona Paulo Luiz Lôbo: Afinal, que “sociedade de fato” mercantil ou civil é essa que se constitui e se mantém por razões de afetividade, sem interesse de lucro?[20]
- Caminhos a percorrer
As questões que dizem com a sexualidade sempre foram – e ainda são – cercadas de mitos e tabus. Os chamados “desvios sexuais”, tidos como afronta à moral e aos bons costumes, permanecem alvo da mais profunda rejeição. Ainda que a sociedade não aceite as uniões homoafetivas sem conflitos e persistam objeções morais, admoestações religiosas e posturas discriminatórias, fechar os olhos não faz desaparecer a realidade.[21] Esse conservadorismo preconceituoso acaba por inibir o legislador que se nega a aprovar leis sobre temas que fogem dos padrões sexistas dominantes, o que fomenta a discriminação e dá ensejo a enormes injustiças. Mesmo não sendo do agrado de muitos, os juízes não podem mais cerrar os olhos e simplesmente ignorar a existência das uniões homoafetivas.
Apesar da omissão legislativa, os homossexuais cada vez mais buscam espaço e respeito na incessante busca da felicidade. Começaram a se afirmar enquanto sujeitos, rechaçando os modelos divinos ou de protótipos pré-fabricados pela sociedade – aos quais nunca se encaixaram.[22] A sorte é que a jurisprudência vem avançando em vários aspectos e decisões corajosas cumprem a função renovadora do Poder Judiciário. Com o avanço da visibilidade dos homossexuais, já foi deferida, inclusive, indenização por danos morais e materiais a vítima do preconceito. [23]
O estigma do preconceito não pode ensejar que um fato social não se sujeite a efeitos jurídicos. Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em um verdadeiro convívio estável, caracterizado pelo amor e respeito recíprocos, com o objetivo de construir um lar, indubitável que tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei. Uma sociedade que se quer aberta, justa, livre, pluralista, solidária, fraterna e democrática, não pode conviver com tão cruel discriminação, quando a palavra de ordem é a cidadania.[24]
Não se pode falar em homossexualidade sem pensar em afeto. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém tem o direito de fechar os olhos, assumindo postura preconceituosa ou discriminatória para não enxergar essa nova realidade. Os aplicadores do Direito não podem ser fonte de grandes injustiças. Descabe confundir questões jurídicas com questões morais e religiosas. É necessário mudar valores, abrir espaços para novas discussões, revolver princípios, dogmas e preconceitos. Para isso, nada melhor que a qualificação de advogados e operadores do direito para trabalharem com este novo ramo do direito: o Direito Homoafetivo.
- Avanços jurisprudenciais
O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos. O legislador intimida-se na hora de assegurar direitos às minorias excluídas do poder. A omissão da lei dificulta o reconhecimento de direitos, sobretudo frente a situações que se afastam de determinados padrões convencionais, o que faz crescer a responsabilidade do Poder Judiciário. Preconceitos e posições pessoais não podem levar o juiz a fazer da sentença meio de punir comportamentos que se afastam dos padrões que ele aceita como normais. Igualmente não cabe invocar o silêncio da lei para negar direitos àqueles que escolheram viver fora do padrão imposto pela moral conservadora, mas que não agridem a ordem social.
As uniões de pessoas com a mesma identidade sexual, ainda que sem lei, acabaram batendo às portas da Justiça para reivindicar seus direitos. Mais uma vez o Judiciário foi chamado a exercer a função criadora do direito. O caminho que lhes foi imposto já é conhecido. As uniões homoafetivas tiveram que trilhar o mesmo iter percorrido pelas uniões extramatrimoniais. O receio de comprometer o sacralizado conceito do casamento, limitado à ideia da procriação e, por consequência, à heterossexualidade do casal, não permitia que se inserissem as uniões homoafetivas no âmbito do Direito das Famílias. Havia dificuldade de reconhecer que a convivência era centrada em um vínculo de afeto, o que impedia fazer a analogia dessas uniões com o instituto da união estável e do casamento. Afastada a identidade familiar, nada mais era concedido além da repartição do patrimônio comum. Alimentos e pretensão sucessória eram rejeitados sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido.
As uniões homoafetivas, quando reconhecida sua existência, eram relegadas ao Direito das Obrigações. Como relações de caráter comercial, as controvérsias eram julgadas pelas varas cíveis. Chamadas tais uniões homossexuais de sociedades de fato, limitava-se a Justiça a conferir-lhes sequelas de ordem patrimonial. Dividia-se o patrimônio comprovadamente amealhado durante o período de convívio, operando-se verdadeira divisão de lucros.
A mudança começou pela Justiça gaúcha, que, ao definir a competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões homoafetivas, acabou por inseri-las no âmbito do Direito das Famílias como entidades familiares. Tal modificação provocou o envio de todas as demandas que tramitavam nas varas cíveis para a jurisdição de família. Também os recursos migraram para as câmaras do Tribunal que detêm competência para apreciar essa matéria.[25] Felizmente, no mesmo sentido, em julgamento inédito, manifestou-se o STJ.[26]
A primeira decisão da Justiça brasileira que deferiu herança ao parceiro do mesmo sexo também é da Justiça do Rio Grande do Sul. Fazer analogia com o Direito das Famílias, que se justifica pela afetividade, significa reconhecer a semelhança entre as relações familiares e as homossexuais. Um dos julgamentos de relevante significado foi o do companheiro sobrevivente que, na ausência de herdeiros sucessíveis, viu a herança na iminência ser declarada vacante e recolhida ao município. Em sede de embargos infringentes, foram reconhecidos direitos sucessórios ao companheiro pelo voto de Minerva do Vice-Presidente do Tribunal.[27] Desta decisão, o Ministério Público opôs recurso tanto ao Superior Tribunal de Justiça como ao Supremo Tribunal Federal, não tendo sido ainda alvo de julgamento.
Como o Tribunal Superior Eleitoral já proclamou a inelegibilidade (CF, art. 14, § 7.º) nas uniões homossexuais, está reconhecido que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar, tanto que sujeita à vedação que só existe no âmbito das relações familiares. Ora, se estão sendo impostos ônus aos vínculos homoafetivos, faz-se mister que sejam assegurados também todos os direitos e garantias a essas uniões no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório.
Em 2006, por decisão unânime, o TJ/RS[28] reconheceu o direito à adoção a um casal formado por pessoas do mesmo sexo. Os filhos haviam sido adotados por uma das parceiras, vindo a outra a pleitear a adoção em juízo. Com certeza esta decisão selou de vez o reconhecimento de que a divergência de sexo é indiferente para a configuração de uma família. E mais. Outros julgados, no mesmo sentido, já vêm sendo adotados no restante do país.[29] E não só a adoção vem sendo admitida. Após o rompimento da relação homoafetiva, foi assegurado o direito de visitas à parceira, mesmo estando o filho registrado somente em nome da mãe biológica.[30]
Louvável é a coragem de ousar quando se ultrapassam os tabus que rondam o tema da sexualidade e quando se rompe o preconceito que persegue as entidades familiares homoafetivas. Houve um verdadeiro enfrentamento a toda uma cultura conservadora e uma oposição à jurisprudência ainda apegada a um conceito conservador de família. Não é ignorando certos fatos, deixando determinadas situações descobertas do manto da juridicidade que se faz justiça. Condenar à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças e fomentar a discriminação, afastando-se o Estado de cumprir com sua obrigação de conduzir o cidadão à felicidade.
Significativa a postura da jurisprudência ao inserir, no âmbito do Direito das Famílias, as relações homoafetivas como entidades familiares. Na medida em que se consolida a orientação jurisprudencial, emprestando efeitos jurídicos às uniões de pessoas do mesmo sexo, começa a alargar-se o espectro de direitos reconhecidos aos parceiros quando do desfazimento dos vínculos homoafetivos. Inúmeras outras decisões despontam no panorama nacional, a mostrar a necessidade de cristalizar uma orientação que acabe por motivar o legislador a regulamentar situações que não mais podem ficar à margem da tutela jurídica. Consagrar os direitos em regras legais talvez seja a maneira mais eficaz de romper tabus e derrubar preconceitos. Mas, enquanto a lei não vem, é o Judiciário que deve suprir a lacuna legislativa, por meio de uma visão plural das estruturas familiares.
O caminho está aberto. Basta que os juízes cumpram com sua verdadeira missão: fazer Justiça. Acima de tudo, precisam ter sensibilidade para tratar de temas tão delicados como as relações afetivas, cujas demandas precisam ser julgadas com mais sensibilidade e menos preconceito. Os princípios de justiça, igualdade e humanismo devem presidir as decisões judiciais. Afinal, o símbolo da imparcialidade não pode servir de empecilho para o reconhecimento de que a diversidade necessita ser respeitada. Não mais se concebe conviver com a exclusão e com o preconceito em um estado que se quer Democrático de Direito.
- Referências bibliográficas
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[1] Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo; Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM; Pós-Graduada e Mestre em Processo Civil.
[2] Advogada; Pós-graduanda em Direito de Família pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Voluntária na 20ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
[3] Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, Manual da Homoafetividade, 44.
[4] Maria Berenice Dias, União homoafetiva: o preconceito & a justiça, 35.
[5] Jorge Paulete Vanrell, Sexologia Forense, 172.
[6] Roger Raupp Rios, Direitos Fundamentais e Orientação Sexual, 29.
[7] Sérgio Resende de Barros, Direitos Humanos, 418.
[8] Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, 330.
[9] José Carlos Teixeira Giorgis, A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica, 244.
[10] Constituição Federal de 1967-69, art. 175.
[11] Paulo Lôbo, Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus, 95.
[12] Cristiano Chaves de Farias, Os alimentos nas uniões homoafetivas…
[13] CF, art. 5º, VI: É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
[14] CF, art. 19: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
[15] Daniel Sarmento, Casamento e união estável entre pessoas do mesmo sexo…, 51.
[16] Roger Raupp Rios, Direitos Fundamentais e Orientação Sexual, 30.
[17] João Baptista Villela, Sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo?, 12.
[18] Rodrigo da Cunha Pereira, A Sexualidade Vista pelos Tribunais, 24.
[19] José Carlos Teixeira Giorgis, A Natureza Jurídica da Relação Homoerótica, 247.
[20] Paulo Lôbo, Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus, 95.
[21] Rainer Czajkowski, União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96, 170.
[22] Igor Sporch da Costa, Igualdade na diferença e tolerância, 56.
[23] Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Discriminação homossexual. Indenização. Presente o dever do requerido em indenizar os autores, vítimas de preconceito e ofensas verbais entre vizinhos, tendo por escopo a opção sexual dos ofendidos. Danos materiais e morais comprovados. Quantum indenizatório minorado, em atenção às peculiaridades do caso e aos parâmetros praticados pelo Colegiado. Ônus sucumbenciais redistribuídos. Apelações parcialmente providas. (TJRS, 5.ª C.Cív., AC 70014074132, Rel. Des.ª Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 25.05.2007).
[24] Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias, 188.
[25] Homossexuais. União estável. Possibilidade jurídica do pedido. E possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto a união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo , com reflexos acentuados em nosso pais, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. (TJRS, 8.ª C.Cív., AC 598362655, Rel. Des. José Trindade, j. 01.03.2000).
[26] Ação declaratória de união homoafetiva. Princípio da identidade física do juiz. Ofensa não caracterizada ao artigo 132, do CPC. Possibilidade jurídica do pedido. Artigos 1º da Lei 9.278/96 e 1.723 e 1.724 do Código Civil. Alegação de lacuna legislativa. Possibilidade de emprego da analogia como método integrativo. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ, 4.ª T., REsp 820475/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.09.2008).
[27] TJRS, 4.º G.C.Cív., EI 70003967676, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves, j. 09.05.2003.
[28] TJRS, 7.ª C.Cív., AC 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05.05.2006
[29] www.direitohomoafetivo.com.br
[30] Filiação homoparental. Direito de visitas. Incontroverso que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica, a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maternagem. Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as visitas. Agravo desprovido. (TJRS. 7.ª C. Cív., AI 70018249631. Rel. Desª. Maria Berenice Dias. j. 11.04.2007).