Maria Berenice Dias[1]
Indispensável reconhecer que a sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual e a livre orientação sexual. Trata-se, assim, de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, inalienável e imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde o nascimento e decorre de sua própria natureza.
Daí o inegável significado de o Poder Judiciário dar tratamento jurídico à união estável homossexual. Agora a Justiça Federal no Rio Grande do Sul vem assegurar-lhe a proteção previdenciária, com repercussão de âmbito nacional. A Diretoria Colegiada do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) editou a Instrução Normativa nº 25/2000, que estabelece, por força de decisão judicial, procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual.
Outro significado importante decorre dessa decisão da Justiça Federal gaúcha e, mais diretamente, da referida Instrução Normativa. É que, pela primeira vez, ainda que seja em norma de caráter administrativo, o direito positivo brasileiro nomina de “união estável” a convivência homossexual. Com essa designação (expressa no art. 3o da referida Instrução Normativa), abrem-se as portas da legislação para acolher a união estável homossexual, fazendo cessar preconceito que nunca teve razão de existir.
Tal qual a relação heterossexual, a união homossexual estabelece vínculos em que há comprometimento afetivo. Por isso, deve-se reconhecer a união estável como um gênero que comporta mais de uma espécie: a união estável heterossexual e a união estável homossexual. Ambas fazem jus à mesma proteção.
Enquanto não surgirem normas constitucionais e legais que tratem especificamente da união estável homossexual, é de aplicar-se a legislação pertinente aos vínculos familiares, sobretudo no referente à união estável heterossexual, que, por analogia, é perfeitamente extensível às uniões homossexuais.
Está na hora de o Estado – que se quer democrático e consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana – deixar de sonegar juridicidade a tantos cidadãos que têm direito individual à liberdade, direito social a uma proteção positiva do Estado e, sobretudo, direito humano à felicidade.
Publicado em 08/09/2008.
[1] Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões
Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
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