Maria Berenice Dias[1]
A possibilidade assegurada pela lei de uma pessoa adotar, independentemente de estado civil, é que permitiu a adoção aos parceiros homossexuais. Era uma solução faz de conta. O par decidia pela constituição da família, mas só um se habilitava à adoção, não revelando sua orientação sexual. Também ninguém perguntava. Ou seja, a avaliação era mal feita, pois feita pela metade.
Deste modo, a adoção era deferida a um dos parceiros, mas o filho acabava tendo dois pais ou duas mães. Tal subterfúgio contornava a restrição da adoção por duas pessoas aos casados ou a quem convivesse em união estável.
O fato é que o filho pesava de conviver com o par, tendo dois pais ou duas mães, mas restava completamente desprotegido com relação a quem não o havia adotado formalmente. Essa hipócrita postura aparentemente protetiva resultava em total inversão de propósitos, pois deixava o filho em situação de vulnerabilidade. Apesar de ter dois genitores, só tinha direitos com relação a um deles. O parceiro do adotante, que também assumia os encargos parentais, restava desobrigado de todo e qualquer encargo com relação ao filho. Assim, vindo ele a falecer, o filho nada recebia. E o pior, falecendo o adotante, a criança, na condição de órfã, corria o risco de ser institucionalizada para ser adotada por outrem.
A partir de uma decisão de 2006 do TJ do RS[2] que foi confirmada pelo STJ,[3] a justiça passou a deferir a adoção ao parceiro do adotante bem como a habilitar os dois parceiros à adoção.
Agora, em face dos modernos métodos de reprodução assistida, a fecundação em laboratório também permite que só uma pessoa realize o sonho de constituir uma família. Deste modo, não existe nenhuma restrição para o uso das técnicas reprodutivas. Como o casal formado por pessoas do mesmo sexo não tem capacidade procriativa, os homossexuais passaram a fazer uso dessas técnicas. Em dezembro de 2008,[4] a justiça gaúcha autorizou o registro dos filhos em nome das duas mães.
Esta é a solução que melhor atende ao superior interesse da criança que merece constitucionalmente proteção integral.
Publicado em 17/06/2010.
[1] Advogada especializada em direito das famílias, sucessões e direito homoafetivo
Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
www.mbdias.com.br
www.direitohomoafetivo.com.br
[2] TJRS, 7.ª C.Cív., AC 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05.05.2006.
[3] STJ, 4ª T, Resp 889.852/RS, Rel. Luis Felipe Salomão, j. 27/04/2010.
[4] Porto Alegre, 8ª Vara de Família e Sucessões, Sentença proferida pelo Juiz Cairo Roberto Rodrigues Madriga, em 12/12/2008.