Maria Berenice Dias[1]
Gestada por mais de 20 anos, a chamada Lei Maria da Penha – uma justa homenagem a quem se pode chamar de sua mãe –, comemora 15 anos de existência.
Eu disse comemorar? Mas há o que comemorar?
Sim, com certeza a Lei merece parabéns.
Apesar de ser uma das legislações mais avançadas do mundo, não cansa de ser submetida a sucessivas cirurgias reparadoras. Mas, como todas as plásticas, nem sempre a tornaram melhor.
Foram retoques para dar-lhe mais vitalidade, digo, efetividade.
Mas isso basta?
Os crescentes números da violência doméstica, somados aos assustadores números de feminicídios, mostram que só alterações na lei não bastam.
Mas o que falta?
Políticas públicas para dar segurança a quem toma coragem para denunciar o seu agressor que um dia foi o seu amor.
Faltam casas de passagem para abrigar aquelas que não podem ser encontradas por quem a coloca em risco de vida.
Também não há estruturas que auxiliem as vítimas a superar seus sofrimentos, a desenvolverem capacidades para que possam se livrar da dependência econômica e emocional que as manteve presas dentro do ciclo da violência.
Igualmente falta comprometimento do Poder Judiciário que, sob falaciosas alegações de escassez de recursos, não instala Juizados da Violência Doméstica e Familiar. Claro que não em todas as Comarcas, mas, ao menos, nas grandes cidades. E sequer é feita capacitação a quem acumula tais funções, equivocadamente atribuídas às Varas Criminais.
E o que dizer dos Grupos Reflexivos de Gênero, que infelizmente só existem onde os juízes mais comprometidos fazem convênios com profissionais ou universidades para que alunos e professores realizem voluntariamente atendimento aos agressores. Inclusive dentro das penitenciárias. Certamente esta é a maneira de mais rápida efetividade para minimizar os danos da violência. É necessário conscientizar os agressores de que as mulheres não lhes deve obediência. Seja o que for que elas façam, não podem puni-las. Precisam respeitar a liberdade de as mulheres saírem dos relacionamentos sem correrem o risco de serem mortas.
Sem dúvida alguma esta é a providência mais urgente, principalmente agora que a frequência a estes espaços tornou-se medida protetiva que obriga o agressor e o descumprimento acarreta sua prisão.
É chegada a hora de minimizar esta verdadeira guerra dos sexos. É urgente desconstruir o machismo estrutural que empodera o homem, a ponto de dele sentir-se o dono de uma mulher, podendo fazer dela o que quiser, tratá-la, maltratá-la e puni-la ao seu bel prazer.
Mas apesar de todas estas omissões e irresponsabilidades, que não se pode atribuir à Lei Maria da Penha, há sim o que comemorar no seu 15ª aniversário.
Uma lei que não precisaria ter vida longa e nem muitos anos de vida.
Publicado em 03/09/2021.
[1] Advogada, Vice-Presidente Nacional do IBDFAM