Maria Berenice Dias
Advogada
Vice Presidente Nacional do IBDFAM
Ainda que não seja reconhecido o concubinato como uma união estável, existe dever alimentar entre eles.
Há enorme rejeição social às chamadas famílias simultâneas ou paralelas. Realidade exclusivamente masculina, pois somente os homens conseguem a façanha de se desdobrar entre duas ou mais famílias.
Talvez por conta disso é que não reconhecer tais relacionamentos que existem – e sempre existiram – protege o homem. Não lhe é atribuída qualquer responsabilidade se tiver o número de vínculos simultâneos que tiver. Claramente um incentivo a tais condutas.
Diz a lei que a união entre pessoas impedidas de casar não constituem união estável (CC, art. 1.727): As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. Ou seja, a lei reconhece a existência de tais relacionamentos, diz que não são uma união estável, mas não diz o que seriam.
Nesta toada o Supremo Tribunal Federal. Mesmo afirmando a presença de todas as características legais de uma união estável: publicidade, notoriedade e ostensividade, nega-lhe direitos. Para condenar tais vínculos à invisibilidade usa fundamento de natureza cultural e moral: o dever de fidelidade, diz que simplesmente, não existem.
STF – Tema 526: É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável.
STF – Tema 529: A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Alijados estes vínculos do âmbito da tutela do Direito das Famílias, são desfigurados para a categoria de uma sociedade não personificada: sociedade de fato, como se a origem do vínculo fosse de natureza negocial e não afetiva. Com se tivesse por finalidade apenas constituir patrimônio a ser partilhado no fim da sociedade, mediante a prova da contribuição econômica de cada um dos sócios (CC, art. 988): Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum.
Só que não. Ainda que não reconhecido o concubinato como uma união estável, existe. A lei impõe obrigação de mútua assistência entre os concubinos. Basta atentar ao dispositivo que enseja a cessação do dever de prestar alimentos (CC, art. 1.708): Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.
Esta causa de extinção da obrigação decorre do dever de mútua assistência (CC, arts. 1.566, III e 1.724). Ou seja, quando o ex-cônjuge e o ex-companheiro que recebe alimentos, constitui uma entidade familiar, o dever de assistência recíproca é assumida pelo novo parceiro. A cessação é automática, uma vez que não cabe perquirir se persiste ou não a necessidade do alimentando.
No entanto, a mesma transferência de responsabilidade alimentar acontece quando o credor de alimentos passa a viver em concubinato. A conviver com alguém impedido de casar.
Assim, ou se reconhece que no concubinato existe o dever de mútua assistência, ou é de se considerar dito dispositivo legal como uma punição ao credor de alimentos. Pelo jeito, a condenação à morte, por inanição!
Data do artigo: 08/08/2024