Maria Berenice Dias
Advogada.
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.
Mestra em Processo Civil.
A Constituição da República proíbe a prisão por dívida. Contudo, há uma exceção: a obrigação alimentar (CR, art. 5º, LXVII).
O Código de Processo Civil avocou para si a cobrança de débito de alimentos, tanto do encargo fixado em decisão judicial (CPC, arts. 528 a 533) quanto o estabelecido em título executivo extrajudicial (CPC, arts. 911 a 913).
Quando fixados em juízo, os alimentos definitivos são cobrados nos mesmos autos, como cumprimento de sentença (CPC, art. 531, § 2º). Os alimentos provisórios são cobrados em autos apartados (CPC, art. 531, § 1º).
Para a cobrança de alimentos estabelecidos extrajudicialmente o credor precisa propor processo de execução (CPC, 911).
Seja qual for o meio executório, o não pagamento de até três parcelas recentes e das parcelas que venceram no curso do processo autoriza o uso do rito da coação pessoal (CPC, art. 528, §§ 3º e 7º e art. 911, parágrafo único). O devedor deve pagar o débito, comprovar que já pagou ou justificar a absoluta impossibilidade de satisfazer o encargo, sob pena de prisão de um a três meses, a ser cumprida em regime fechado (CPC, art. 528, § 4º). O cumprimento da pena não dispensa o devedor do pagamento, devendo a cobrança seguir com a penhora de bens (CPC, art. 530).
Quanto aos débitos mais antigos, o meio de cobrança é o da expropriação (CPC, art. 524). O devedor é citado para pagar a dívida sob pena de penhora (CPC, art. 824). Ele tem o prazo de 15 dias para oferecer embargos (CPC, arts. 914 e 915), os quais não dispõem de efeito suspensivo (CPC, art. 919).
De maneira surpreendente – e mais do que injustificada – a justiça sempre resistiu em aceitar a cobrança das parcelas recentes e das pretéritas em um mesmo procedimento. Determinava o desdobramento dos processos, ou limitava a cobrança aos últimos três meses, ou seja, o credor precisava propor nova demanda executória.
Esta solução – que de prática nada tem – só retarda o adimplemento do encargo. Isto porque, se o devedor cumpre a pena de prisão e não paga, o processo se transforma para o rito da expropriação. Conclusão: passam a tramitar dois processos, entre as mesmas partes, com base em um único título executório. Poderiam ou deveriam ser apensados? Instrução única? E se os processos estiverem em momentos diferentes? Duas instruções? Duas sentenças?
A resistência sempre encontrou justificativa na vedação da cumulação de execuções quando os procedimentos não são idênticos (CPC, art. 780). No entanto, tal dispositivo se aplica quando se trata de títulos executórios distintos. Contudo, o encargo alimentar decorre um único titulo executivo.
Deste modo, nada, absolutamente nada, veda a cobrança da totalidade da dívida em único procedimento, seja via cumprimento de sentença, seja mediante processo de execução. Neste sentido, enunciado do IBDFAM.[1]
Assim, basta que o credor explicite o desejo de promover a cobrança cumulativa do débito alimentar, indicando bens do devedor à penhora.
O juiz, ao despachar o pedido de cumprimento da sentença ou o processo de execução:
- fixa os honorários advocatícios de 10%;
- determina a citação ou a intimação do devedor para, em três dias, pagar as parcelas recentes, comprovar que já pagou ou justificar a absoluta impossibilidade de fazê-lo, sob pena de prisão;
- no mesmo prazo, promover o pagamento das demais parcelas, caso em que o valor dos honorários será reduzido pela metade.
Caso o devedor não realize qualquer pagamento e não justifique o inadimplemento das parcelas recentes, o juiz decreta sua prisão pelo prazo de um a três meses.
Independente disso, o devedor pode oferecer embargos à execução, os quais não dispõem de efeito suspensivo.
Na hipótese de o devedor cumprir a pena de prisão e não proceder ao pagamento, a execução passa a abranger a totalidade do débito e mais as parcelas que se vencerem até o adimplemento da dívida.
Simples assim.
E foi neste sentido – e em boa hora – que decidiu o Superior Tribunal de Justiça.[2]
Na decisão, foi invocada a densificação dos princípios dispositivo e da disponibilidade que regem a execução civil. Tal possibilidade, às claras, não provoca nenhum tumulto processual e não acarreta qualquer prejuízo ao devedor. E, certamente, assegura mais celeridade à cobrança de débito, que tem por finalidade garantir a vida do credor.
Além disso, ao reduzir o número de demandas, desafoga a justiça, já tão abarrotada de processos.
Um avanço para lá de salutar!
[1] IBDFAM – Enunciado 32: É possível a cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma.
[2] Recurso especial. Execução de alimentos. Cumulação de técnicas executivas: coerção pessoal (prisão) e coerção patrimonial (penhora). Possibilidade, desde que não haja prejuízo ao devedor nem ocorra nenhum tumulto processual in concreto. 1. Diante da flexibilidade normativa adotada pelo CPC/2015 e do tratamento multifacetado e privilegiado dos alimentos, disponibilizou o legislador diversas medidas executivas em prol da efetividade da tutela desse direito fundamental. 2. Cabe ao credor, em sua execução, optar pelo rito que melhor atenda à sua pretensão. A escolha de um ou de outro rito é opção que o sistema lhe confere numa densificação do princípio dispositivo e do princípio da disponibilidade, os quais regem a execução civil. 3. É cabível a cumulação das técnicas executivas da coerção pessoal (prisão) e da coerção patrimonial (penhora) no âmbito do mesmo processo executivo de alimentos, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser devidamente comprovado) nem ocorra nenhum tumulto processual no caso em concreto (a ser avaliado pelo magistrado). 4. Traz-se, assim, adequação e efetividade à tutela jurisdicional, tendo sempre como norte a dignidade da pessoa do credor necessitado. No entanto, é recomendável que o credor especifique, em tópico próprio, a sua pretensão ritual em relação aos pedidos, devendo o mandado de citação/intimação prever as diferentes consequências de acordo com as diferentes prestações. A defesa do requerido, por sua vez, poderá ser ofertada em tópicos ou separadamente, com a justificação em relação às prestações atuais e com a impugnação ou os embargos a serem opostos às prestações pretéritas. 5. Na hipótese, o credor de alimentos estabeleceu expressamente a sua “escolha” acerca da cumulação de meios executivos, tendo delimitado de forma adequada os seus requerimentos. Por conseguinte, em princípio, é possível o processamento em conjunto dos requerimentos de prisão e de expropriação, devendo os respectivos mandados citatórios/intimatórios se adequar a cada pleito executório. 6. Recurso especial provido. (STJ – REsp 1930593 MG 2021/0096607-4, 4ª T., Rel. Luiz Felipe Salomão, j. 09/08/2022).
Publicado em 10/10/2022.