Maria Berenice Dias
Advogada
Vice-Presiente do IBDFAM
Integrante da Comissão de juristas instituída Senado Federal para elaborar proposta de atualização do Código Civil
Assumi muito honrada, mas com muita responsabilidade, certamente, o maior desafio de todos os que já enfrentei vida a fora:
Participar da reforma da mais significativa lei que rege a vida das pessoas.
O fiz com o compromisso de dar efetividade à pauta mais urgente, que é assegurar a equidade de gênero.
Basta atentar a estes questionamentos:
– quem deixa de registrar os filhos ao nascer?
Pelos dados da ARPEN, entre 2016 e 2021 – 16 milhões são registrados somente no nome da mãe. Cerca de 500 por dia. Cerca de 90% da população carcerária do país não tem o nome do pai no seu registro de nascimento.
Com a possibilidade de identificar o vínculo genético, com certeza absoluta – ou quase – via exame do DNA, imperiosa a alteração legislativa a respeito do tema.
De todo descabido que, indicando a mãe ao Oficial do Registro Civil, encaminhado o expediente ao juiz, ele ouça a mãe novamente e depois intime o pai para promover o registro, no prazo de 30 dias. E mais, mantendo-se ele inerte, cabe ao Ministério Público promover ação de investigação de paternidade. E, enquanto isso, o filho fica sem o direito à identidade paterna e nem recebe alimentos.
– quem não paga alimentos aos filhos?
Segundo o CNJ, só em 2020, foram 460 mil pedidos de pensão alimentícia.
– quem comete violência doméstica?
Noticia a Data Folha que são registrados por dia mais de 50 mil casos. Em 2022 foram propostas 1.062.457 ações.
Isso que não se pode deixar de atentar que somente 10% dos números de violência são notificados.
– quem mantém famílias paralelas?
Claro que não se tem números. Afinal, a justiça é conivente com os homens, ao não reconhecer sua existência. Não é imposta a eles nenhuma responsabilidade com relação à união estável que mantem e que atende a todos os requisitos legais para o seu reconhecimento. Com isso os incentiva os homens a assim agir.
– quem detém o patrimônio da família e fica na sua posse depois da separação do casal?
Diz o Rodrigo da Cunha Pereira que, nos seus 44 anos de advocacia, nunca conseguiu que uma ação de partilha terminasse por uma sentença.
Ou seja, apesar desses números estarrecedores, indispensável que o legislador atente a estes números, seja sensível a esta realidade.
Esta não é uma pauta feminista, é um compromisso de todos os 83% dos homens que integram o Congresso Nacional.
É chegada a hora de a lei dar efetividade ao comando constitucional, que consagra a dignidade humana como princípio fundante e garante a igualdade entre homens e mulheres.
Data do artigo: 15/12/2023.