Maria Berenice Dias

O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela.

Categoria: ARTIGOS, Homoafetividade

Uniões homoafetivas

Maria Berenice Dias[1]

Marilia Lopes Arruda[2]

 

 

Breves Considerações

 

Assinar um texto com a ilustre e queridíssima Dra. Maria Berenice Dias é coisa para poucos. Muita honra e responsabilidade compartilhar com ela um texto sobre uniões homoafetivas. Ela, precursora na abordagem do tema, em seu “União Homossexual: o preconceito e a Justiça”; quando criou o termo “homoafetivo”, neologismo que já frequenta os dicionários; inovadora e corajosa no julgamento de questões relativas ao reconhecimento de uniões estáveis entre casais do mesmo sexo, enquanto Desembargadora no Rio Grande do Sul; batalhadora incansável na luta pelo direito das minorias. Nada mais a acrescentar à obra e importância dessa trabalhadora do direito. Limitei meu trabalho, portanto, a adaptar para profissionais da área de administração, um texto destinado a operadores do direito – sem dúvida outro enorme desafio. De fato, imensa a responsabilidade.

Uma primeira questão norteia nosso trabalho: onde e quando nasce o direito? De onde surge? Ora, ele nasce, surge ou aparece, quando é necessário. Quando se faz necessário. E por que é necessário? É o direito existente e reconhecido no ordenamento legal que impõe e obriga aos demais, o dever de respeitá-lo. É para uma imensa parcela da população que vive à margem da Lei, condenada à invisibilidade, que nós, operadores do direito, dedicamos nossos melhores esforços. Afinal, para o reconhecimento de direitos, ninguém pode ficar à mercê do legislador, quando este se nega a legislar, quer alegando motivos de natureza religiosa, quer por temer ser rotulado de homossexual, ou, quem sabe, por medo de comprometer sua reeleição.

Basta lembrar que data do ano de 1995 o primeiro projeto de lei que, tal qual um punhado de tantos outros, vagaram pelas casas legislativas sem nunca terem sido levados à votação. A maioria foi arquivada. Atualmente existem 16 projetos em tramitação, sem que se vislumbre a possibilidade de serem aprovados. Nem mesmo o que criminaliza a homofobia.

Mas a ausência de lei não significa ausência de direito e nenhum juiz pode se omitir do dever de julgar.

No presente trabalho os direitos que pretendemos abordar são aqueles atinentes ao reconhecimento dos direitos das famílias homoafetivas. É esse nosso ponto de partida.

  1. Introdução

As uniões de pessoas do mesmo sexo sempre existiram, mas a partir do momento em que a igreja sacralizou o conceito de família, conferindo-lhe finalidade meramente procriativa, as relações homossexuais se tornaram alvo do preconceito e do repúdio social. A mais chocante consequência da exclusão no âmbito jurídico é, como dito, a absoluta invisibilidade a que são condenados os vínculos afetivos, cujo único diferencial decorre do fato de serem constituídos por pessoas de igual sexo.

Mas as lutas emancipatórias, o florescer dos direitos humanos e a laicização do Estado estão forjando a construção de uma nova sociedade. É preciso resgatar os estragos que acabaram jogando para fora do âmbito da tutela jurídica significativa parcela da população.

É necessário reconhecer que as uniões entre pessoas, independente de sua identidade sexual, é uma união de afetos e como tal precisam ser identificadas. Daí a expressão homoafetividade.

De há muito o mundo civilizado já acordou, transformando em realidade o que proclamam todas as revoluções: o direito à liberdade e à igualdade.

A igualdade é almejada por todos e em todos os tempos. Está proclamada nas Declarações de Direitos Humanos no mundo ocidental. No Brasil, é consagrada no limiar do ordenamento jurídico pela Constituição Federal, que assegura, já em seu preâmbulo, o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (…).

Erigido o respeito à dignidade da pessoa humana como cânone fundamental de um Estado Democrático de Direito,[3] é a igualdade o princípio mais reiteradamente invocado na nossa Carta Magna. De modo expresso,[4] é outorgada específica proteção a todos, vedando discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade. Também ao elencar os direitos e garantias fundamentais, é a igualdade a primeira referência da Constituição Federal.  O art. 5º começa dizendo: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…). Esse verdadeiro dogma é repetido já no seu primeiro inciso,[5] ao proibir qualquer desigualdade em razão do sexo.

Mas há valores culturais dominantes em cada época, a gerar um sistema de exclusões, decorrente, mutas vezes de preconceitos estigmatizantes. Tudo que se encontra fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de “anormal”,  que não se encaixa nos padrões, uma visão engessadora e excessivamente limitadora.

A homossexualidade é um fato que existe, sempre existiu e não pode ser negado, estando a merecer a tutela jurídica. Para isso é necessário modificar valores, abrir espaço para novas discussões, revolver princípios, dogmas e preconceitos. Decorre daí a importância de trabalhos como este que temos o orgulho de participar.

Firmando a Constituição Federal Brasielira a existência de um Estado Democrático de Direito, o núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade humana, atentando aos princípios da liberdade e da igualdade. A proibição da discriminação sexual, eleita como cânone fundamental, alcança a vedação à discriminação da homossexualidade, pois diz com a conduta afetiva da pessoa e o direito à livre orientação sexual.

O estigma do preconceito não pode ensejar que um fato social não se sujeite a efeitos jurídicos. Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em um verdadeiro convívio estável, caracterizado pelo amor e respeito mútuo, com o escopo de construir um lar, indubitável que tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei.

Uma sociedade que se quer aberta, justa, livre, pluralista, solidária, fraterna e democrática, não pode conviver com tão cruel discriminação, quando a palavra de ordem é a cidadania.[6]

 

  1. A omissão legal

A tentativa de abordar as questões referentes às uniões homoafetivas, além das dificuldades de ordem dogmática e cultural, esbarra no silêncio da Carta Cosntitucional do Brasil, na ausência de previsão legislativa e no conservadorismo judicial.[7] As barreiras do preconceito, por sua vez, são ainda mais desafiantes: esmaecem a razão, quando não produzem rejeição sistemática e violência.[8]

A chamada Constituição cidadã, pretendendo integrar no laço social todos os cidadãos, foi enfática e até repetitiva em vetar discriminações de qualquer ordem. Ainda que festejada por seu ar de modernidade, acabou restringindo a proteção estatal à entidade familiar formada por um homem e uma mulher, olvidando que a heterossexualidade não é a única forma de vida que existe. Mas, conforme Paulo Lôbo, as uniões homoafetivas são entidades familiares constitucionalmente protegidas, pois preenchem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade e possuem escopo de constituição de família. A norma de inclusão do art. 226 da Constituição[9] apenas poderia ser excepcionada se existisse outra norma de eliminação explícita de tutela de tais uniões. Entre as entidades familiares explícitas existe a comunidade monoparental, que prescinde a existência de casal (homem e mulher). A Constituição não veda o relacionamento homoafetivo.[10]

De outro lado, não assegurar garantias nem outorgar direitos às uniões de pessoas do mesmo sexo infringe o princípio da igualdade, escancarando postura discriminatória ao livre exercício da sexualidade.[11] A omissão acaba por consagrar violação aos direitos humanos, pois afronta a liberdade sexual, direito fundamental do ser humano, que não admite restrições de qualquer ordem.[12]

A discriminação contra homossexuais é histórica, universal, notória e inquestionável realidade social.[13] Os relacionamentos fundados na identidade de sexo do par merecem regulamentação, sem que se possa confundir questões jurídicas com questões morais ou religiosas.[14] O não-reconhecimento legal dessas uniões e a falta de atibuição de direitos constituem certamente cerceamento da liberdade e uma das formas em que a opressão pode se revelar.[15]

Ao se atribuírem possíveis efeitos jurídicos a tais relacionamentos, irrelevante emitir juízo valorativo sobre esta contingência social.[16] Inviável uma valoração tão-somente moral que se baseie em critérios uniformes da opinião pública. Qualquer construção jurídica que que se pretenda fazer supostamente científica, não se compadece com tal subjetivismo.[17] Como o relacionamento íntimo entre duas pessoas do mesmo sexo pode ter efeitos jurídicos relevantes, é mais razoável que se faça uma abordagem jurídica e técnica da questão e não uma análise moral, porque esta última, além de ser excessivamente subjetiva, concluirá pela negativa de qualquer efeito útil.[18]

 

  1. A Lei Maria da Penha: o marco da legalização das uniões homoafetivas

A primeira legislação a fazer expressa referência às famílias homoafetivas foi a chamada Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Em verdade foi a mesma criada para coibir a violênica doméstica. Diz o seu art. 2º: “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual (…) goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”. O parágrafo único do art. 5º reitera que independem de orientação sexual todas as situações que configuram violência doméstica e familiar. O preceito tem enorme repercussão. Como é assegurada proteção legal a fatos que ocorrem no ambiente doméstico, isso quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo são entidades familiares. Violência doméstica, como diz o próprio nome, é violência que acontece no seio de uma família. Assim, a Lei Maria da Penha ampliou o conceito de família, alcançando as uniões homoafetivas.[19]

Ao ser afirmado que está sob o abrigo da Lei a mulher, sem distinguir sua orientação sexual, encontra-se assegurada proteção tanto às lésbicas como às travestis, as transexuais e os transgêneros do sexo feminino, que mantêm relação íntima de afeto, em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contra o gênero feminimo justificam especial proteção.[20]

Ao depois a lei define como família qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, III), o que não permite excluir as homoafetivas deste conceito. Às claras que os vínculos constituídos por pessoas do mesmo sexo são uma sociedade de afeto. Assim, é imperioso reconhecer que as uniões homoafetivas constituem uma entidade familair.  Quer as uniões formadas por um homem e uma mulher, quer as formadas por duas mulheres, quer as formadas por um homem e uma pessoa com distinta identidade de gênero, todas configuram famílais. Ainda que a lei tenha por finalidade proteger a mulher, fato é que ampliou o conceito de família, independentemente do sexo dos parceiros. Se também família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Basta invocar o princípio da igualdade.[21]

A partir da nova definição de entidade familiar, não mais cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. Ninguém pode continuar alegando omissão legislativa, para deixar de emprestar-lhes efeitos jurídicos.

O avanço foi significativo, visto que colocou um ponto final à discussão que entretém a doutrina e divide os tribunais. A partir de sua edição não era mais possível excluir as uniões homoafetivas do âmbito do Direito das Famílias, sob pena de se negar vigência a uma Lei Federal. Contudo, não foi suficiente. As batalhas judiciais prosseguiam e prosseguiram até o histórico julgamento da do Supremo Tribunal Federal.[22] É o que se verá a seguir.

 

  1. Homoafetividade e a Justiça

A garantia da justiça é o dever maior do Estado, que tem o compromisso de assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana, dogma que se assenta nos princípios da liberdade e da igualdade.

O fato de não haver previsão legal específica para determinada situação, como dito, não significa inexistência de direito à tutela jurídica. Ausência de lei não quer dizer ausência de direito, nem pode impedir que se extraiam efeitos jurídicos de determinada situação fática. A falta de previsão própria nos regramentos legislativos não mais justifica negar a prestação jurisdicional e nem serve de motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor da tutela jurídica. O silêncio do legislador deve ser suprido pelo juiz, que cria a lei para o caso que se apresenta a julgamento. Clara, a determinação do da Lei de Introdução às Norma do Direito Brasileiro. Na omissão legal, deve o juiz se socorrer da analogia, costumes e princípios gerais de direito.[23]

A omissão da lei dificulta o reconhecimento de direitos, sobretudo frente a situações que se afastam de determinados padrões convencionais, o que faz crescer a responsabilidade do juiz. No entanto, preconceitos e posições pessoais não devem fazer da sentença meio de punir comportamentos que se afastam dos padrões aceitos como normais. Igualmente não pode ser invocado o silêncio da lei para negar direitos àquele que escolheu viver fora do padrão imposto pela moral conservadora, mas que não agride a ordem social e merece a tutela jurídica.

As uniões de pessoas com a mesma identidade sexual, ainda que sem lei, foram ao Judiciário reivindicar direitos. Mais uma vez a Justiça foi chamada a exercer a função criadora do direito. O caminho que lhes foi imposto já é conhecido. As uniões homossexuais tiveram que trilhar o mesmo iter imposto às uniões extramatrimoniais. Em face da resistência de ver a afetividade nas relações homossexuais, foram elas relegadas ao campo obrigacional e rotuladas de sociedades de fato a dar ensejo a mera partilha dos bens amealhados durante o período de convívio, mediante a prova da efetiva participação na sua aquisição.[24]

O receio de comprometer o sacralizado conceito do casamento, limitado à idéia da procriação e, por consequência, à heterossexualidade do casal, não permitia que se inserissem as uniões homoafetivas no âmbito do Direito das Famílias. Havia dificuldade de reconhecer que a convivência está centrada no vínculo de afeto, o que impedia fazer a analogia dessas uniões com o instituto da união estável, que tem as mesmas características e a mesma finalidade que a família. Afastada a identidade familiar, nada mais era concedido além de uma pretensa repartição do patrimônio comum. Alimentos, pretensão sucessória, eram rejeitados sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido.

As uniões homossexuais, quando reconhecida sua existência, eram relegadas ao Direito das Obrigações. Chamadas de sociedades de fato, limitava-se a Justiça a conferir-lhes sequelas de ordem patrimonial. Logrando um dos sócios provar sua efetiva participação na aquisição dos bens amealhados durante o período de convívio, era determinada a partição do patrimônio, operando-se verdadeira divisão de lucros. Reconhecidas como relações de caráter comercial, as controvérsias eram julgadas pelas varas cíveis. Os recursos igualmente eram distribuídos às câmaras cíveis que detêm competência para o julgamento de matérias cíveis não especificadas.

A mudança começou quando a Justiça passou a definir a competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões homoafetivas, as inseriu no âmbito do Direito das Famílias e as reconheceu como entidades familiares. Frise-se: a Justiça de alguns Estados. A definição da competência das varas de família para o julgamento das ações envolvendo as uniões homossexuais provocou, nestes Estados, a remessa de todas as demandas que tramitavam nas varas cíveis para a jurisdição de família. Também os recursos migraram para as câmaras que detêm competência para apreciar essa matéria. Esse, com certeza, foi o primeiro grande marco que ensejou a mudança de orientação da jurisprudência rio-grandense.[25]

Proposta a ação trazendo por fundamento jurídico as normas de Direito das Famílias, a tendência era o indeferimento da petição inicial. Decantada a impossibilidade jurídica do pedido, era decretada a carência de ação. O processo era extinto em seu nascedouro, por ser considerado impossível o pedido do autor. O recurso foi acolhido por unanimidade de votos, reformando a sentença. Reconhecendo que a inicial descrevia a existência de um vínculo familiar, foi afirmada a possibilidade jurídica do pedido e determinado o prosseguimento da ação, para que as partes trouxessem as provas de suas alegações. [26]

A primeira decisão da Justiça brasileira que deferiu herança ao parceiro do mesmo sexo também é da justiça do Rio Grande do Sul.[27] A mudança de rumo foi de enorme repercussão, pois retirou o vínculo afetivo homossexual do Direito das Obrigações, em que era visto como simples negócio, como se o relacionamento tivesse objetivo exclusivamente comercial e fins meramente lucrativos. Esse equivocado enquadramento evidenciava postura conservadora e discriminatória, pois não conseguia ver a existência de um vínculo afetivo na origem do relacionamento.

Fazer analogia com o Direito das Famílias que se justifica pela afetividade, significa reconhecer a semelhança entre as relações familiares e as homossexuais. Assim, pasou a Justiça a emprestar relevância ao afeto o elegendo como elemento de identificação para reconhecer a natureza familiar das uniões homoafetivas.

Também um julgamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,[28] por decisão unânime, reconheceu o direito à adoção a um casal formado de pessoas do mesmo sexo. Os filhos haviam sido adotados por uma das parceiras vindo à outra a pleitear a adoção em juízo. Com certeza esta decisão selou de vez o reconhecimento de que a divergência de sexo é indiferente para a configuração de uma família. A decisão foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça.[29]

Em todas essas decisões houve um verdadeiro enfrentamento a toda uma cultura conservadora e uma oposição à jurisprudência ainda apegada a um conceito sacralizado de família. Há que reconhecer a coragem de ousar quando se ultrapassam os tabus que rondam o tema da sexualidade e se rompe o preconceito que persegue as entidades familiares homoafetivas. Essa nova orientação mostra que o Judiciário tomou consciência de sua missão de criar o direito. Não é ignorando certos fatos, deixando determinadas situações a descoberto do manto da juridicidade, que se faz justiça. Condenar à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças e fomentar a discriminação, afastando-se o Estado de cumprir com sua obrigação de conduzir o cidadão à felicidade.

A postura da jurisprudência, juridicizando e inserindo no âmbito da tutela jurídica as relações homoafetivas, como entidades familiares, é um marco significativo. Mas, enquanto a lei não vem, é o Judiciário que deve suprir a lacuna legislativa, mas não por meio de julgamentos permeados de preconceitos ou restrições morais de ordem pessoal.[30]

Apesar da dificuldade de se ter acesso ao que julgam juízes e tribunais, por falta de em uma fonte única de pesquisa, já foi possível identificar 1.026 julgados.  Tanto a justiça estadual como a federal, já concederam direitos à população de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transexuais.

O próprio Supremo Tribunal homologou sentença estrangeira que deferiu a adoção ao parceiro do mesmo sexo do pai biológico.[31] Também deixou de receber o recurso que impugnava a habilitação conjunta à adoção que havia sido admitida pelo Tribunal de Justiça do Paraná.[32]

Por atos da administração, tanto o STF como o Conselho Nacional de Justiça, admitem a inclusão do parceiro de seus servidores no plano de saúde, na condição de dependente.

Os demais Tribunais Superiores se alinham no mesmo sentido. O Tribunal Superior Militar deferiu a inclusão do parceiro de um militar no plano de saúde.[33]

O Superior Tribunal Eleitoral, ao declarar a inelegibilidade da parceira de uma parlamentar ao cargo de prefeito, nada mais fez do que reconhecer que elas constituíam uma família.[34]

No Superior Tribunal de Justiça foram proferidas 37 decisões.

A mais antiga data do ano de 1998. Apesar de identificar a união como uma sociedade de fato determinou a partilha de bens. No ano de 2010 duas decisões emblemáticas: o deferimento de pensão por morte ao parceiro sobrevivente e a concessão da adoção à parceira da genitora.

Atualmente três ações se encontram em julgamento. Depois de quatro votos favoráveis ao reconhecimento da união estável, aderindo ao posicionamento da Min. Fátima Nancy, houve pedido de vista.

No âmbito da justiça estadual, hoje, em dez Estados as ações envolvendo as relações homossexuais são julgadas nas varas de família.

De modo recorrente, tanto no âmbito da justiça federal como da justiça estadual, são concedidos direitos previdenciários, pensão por morte e a inclusão em plano de saúde. Também se contam às dezenas as decisões que deferem direitos sucessórios, assegurando direito à meação, direito real de habitação, direito à herança bem como o exercício da inventariança. Igualmente vem sendo deferida a curatela do companheiro declarado incapaz. Do mesmo modo, é assegurada a adoção e a habilitação conjunta, bem como declarada a dupla parentalidade quando são usados os meios de reprodução assistida. Ainda que os parceiros sejam gays, reconhecida como doméstica a violência, são aplicadas medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

De tão reiteradas as decisões, alguns direitos são deferidos em sede administrativa. Assim a concessão pelo INSS de pensão por morte e auxílio reclusão; o pagamento seguro DPVAT; a expedição de visto de permanência ao parceiro estrangeiro. Também está assegurada a inclusão do companheiro como dependente no imposto de renda.[35]

 

  1. Considerações Finais

Apesar das vitórias e dos avanços, o movimento LGBT vem elencando direitos não reconhecidos. No primeiro identificou 37. Depois foram enumerados 78 e agora são 112 os direitos sonegados.

O Supremo Tribunal Federal, com coragem, sensibilidade e sabedoria, exerceu o encargo que lhe é conferido pela Constituição Federal de colmatar as lacunas no sistema legal.

Este é o significado maior da decisão unânime da Corter Superior da Justiça destge país, que foi conclamado a suprir a omissão do legislador. Ao reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar, assegurando aos parceiros homossexuais os mesmos direitos e deveres dos companheiros das uniões estáveis, impôs vigência à Constituição Federal que assegura o respeito à dignidade humana, sob a égide dos princípios da igualdade e da liberdade.

Não se pode dizer que se vive em um Estado Democrático de Direito quando parcela da população é condenada à invisibilidade por restar à margem do sistema jurídico.

 

Publicado em 11/06/2011.

 

[1] Advogada especializada em direito das famílias, sucessões e direito homoafetivo

Presidenta da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

[2]  Advogada especializada em direito imobiliário, das familias, sucessões e direito homoafetivo

Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-RJ

[3] CF, art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: inc.

III: a dignidade da pessoa humana;

[4] CF, art. 3º, inc. IV: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[5] CF, art. 5º, inc. I: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

[6] DIAS, Maria Berenice. Vínculos hetero e homoafetivos,  p. 145-147.

[7] Como bem assevera Carlos Pamplona Corte-Real: “O instituto do casamento civil continua porém sendo o último redutodo preconceito que sustenta ser a conjugalidade heterossexual a pedra angular de qualquer sistema político. A heterossexualidade, a virtual perenidade do vínculo, a dependência da consecução do divórcio da ponderação da culpa do ou dos cônjuges e a finalidade pretensamente procriativa do casamento seriam então os sustentáculos fundamentais do sistema.” CORTE-REAL,Carlos Pamplona. Da índole pretensamente sexual do instituto do casamento.

[8] RIOS, Roger Raupp. “Direitos fundamentais e orientação sexual: o direito brasileiro e a homossexualidade”, p. 36.

[9] CFB, art 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[10] Lôbo, Paulo. Famílias, p.68.

[11] Na doutrina espanhola, é ainda considerado uma afronta ao direito à intimidade. Nas palavras de Cañamares Arribas: El contenido del derecho a la intimidad alcanza tanto a la intimidad stricto sensu, integrada entre otros componentes, por la intimidad corporal y la vida sexual, como a determinados aspectos de la vida de terceras personas que, por las relaciones existentes, incinden en la propia esfera de desenvolvimiento del individuo. ARRIBAS, Santiago Cañamares. El matrimonio homosexual en Derecho español y comparado. p. 27.

[12] DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça, p. 85.

[13] RIOS, Roger Raupp. Direitos fundamentais e orientação sexual: o direito brasileiro e a homossexualidade, p. 36.

[14] Nas palavras do americano Eric Marcus: A homossexualidade não é um pecado e não é imoral. Claro que nem toda gente concorda comigo, mas felizmente vivemos num país onde a moralidade e as crenças religiosas não estão legisladas, consistindo numa escolha pessoal.  Questiona-se: não seria o mesmo caso do Brasil? MARCUS, Eric. Será uma opção? p. 163.

[15] SILVA, Américo Luís Martins da.  A evolução do direito e a realidade das uniões sexuais¸ p. 316.

[16] Sobre tal questão assevera Rodrigo da Cunha Pereira que, a questão da homossexualidadeé mais profunda e complexa e a sua discriminação não pode ser resolvida com valorização das identidades sexuais, pois tal fato seria um reforço de que essa identidade teria muita importância na vida moral dos cidadãos, ou seja, seria um reforço dos valores culturais sexistas. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica, p. 38-39.

[17] CZAJKOWSKY, Rainer. Reflexos jurídicos das uniões homossexuais, p. 97.

[18] CZAJKOWSKY, Rainer. Reflexos jurídicos das uniões homossexuais, p. 107.

[19] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça, p. 35.

[20] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p.191.

[21] DIAS, Maria Berenice. Violência doméstica e as uniões homoafetivas.

[22] STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e  Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, Rel. Min. Ayres Brito, j. 05.05.2011.

[23] LINDB, art 4º: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

[24] DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a Justiça, p. 17.

[25] TJRS, AI 599 075 496, 8ª C.Cív., , Rel. Des. Breno Moreira Mussi, j. 17/06/1999.

[26] TJRS, AC 598 362 655, 8ª C.Cív., Rel. Des. José S. Trindade, j. 01/03/2000.

[27] TJRS, AC 70001388982, 7ª C. Cív., Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 14/03/2001.

[28] TJRS, AC 70013801592, 7.ª C.Cív., Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05/05/2006.

[29] STJ,  REsp 889.852-RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/04/2010.

 

[30] DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a Justiça, p. 18.

[31] STF, RE 615.261, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16/08/2010.

[32] STF, SE 4.525 – US (2009/0077159-0), Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, p. 02/08/2010.

[33] STM, QADM 2009.01.000319-0, Rel. Min.ª Maria Elizabeth Guimarães Teixeira, j. 08/10/2009.

[34] TSE, REsp. Eleitoral 24.564, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01/10/2004.

[35] Disponíveis no site: site www.direitohomoafetivo.com.br.

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