Maria Berenice Dias

O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela.

Categoria: ARTIGOS, Homoafetividade

Uniões homoafetivas: uma omissão injustificável

Maria Berenice Dias[1]

 

Se a realidade social impôs o enlaçamento das relações afetivas pelo Direito de Família, se a moderna doutrina e a mais vanguardista jurisprudência definem a família pela só presença de um vínculo de afeto, mister reconhecer a existência de duas espécies de relacionamento interpessoal: as relações heteroafetivas e as relações homoafetivas. Ambas se constituem por um comprometimento afetivo.

Mudaram os paradigmas da família. O casamento deixou de ser seu traço identificador, com exclusiva função procriativa. Quer o surgimento dos métodos contraceptivos, quer a evolução da engenharia genética desatrelaram os conceitos de sexo, casamento e reprodução.

As legislações do mundo inteiro vêm regulamentando a união de pessoas do mesmo sexo. A própria jurisprudência brasileira já reconhece sua existência, ora a identificando como sociedade de fato, ora como união estável.

Assim, é de todo descabido haver o novo Código Civil silenciado sobre os vínculos que não se definem pela diferença do sexo do par. Mesmo para quem vê óbice constitucional para reconhecer tais uniões como entidade familiar, é imperioso emprestar-lhes juridicidade. Como há mais de cinco anos tramita na Câmara Federal projeto de lei que busca inserir no âmbito jurídico a chamada “parceria civil registrada”, não se justifica sua exclusão do estatuto codificado recém-aprovado.

Que ao menos durante o período da vacatio legis se busque corrigir essa omissão nitidamente preconceituosa. Somente assim se estará dando eficácia à garantia constitucional de igualdade, pressuposto da liberdade individual e base do estado democrático de direito.

 

Publicado em 05/08/2004.

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFam

www.mariaberenice.com.br

 

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