Maria Berenice Dias

O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela.

Categoria: ARTIGOS, Homoafetividade

União estável homoafetiva, até que enfim!

Maria Berenice Dias[1]

 

As justificativas são muitas, mas a causa é uma só: o preconceito. Outro motivo não existe para a omissão do legislador. O Projeto de Lei 1.151, do ano de 1995, que regula a parceria civil registrada, para a época, foi considerado arrojado. A única referência que existe às uniões homoafetivas é feita Lei 11.340/06 – a chamada Lei Maria da Penha – que, ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica, trouxe moderno conceito de família: uma relação íntima de afeto, independente da orientação sexual.

O silêncio da lei, no entanto, não impediu conquistas no âmbito do Judiciário. Quer fazendo analogia com a união estável, quer invocando os princípios constitucionais que asseguram o direito à igualdade e o respeito à dignidade, a Justiça vem deferindo direitos no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório. O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao afastar a extinção do processo sob o fundamento da impossibilidade jurídica do pedido, garantiu às uniões de pessoas do mesmo sexo acesso à justiça.

Tudo isso, porém, não supre o direito à segurança jurídica que só a norma legal confere. O silêncio é a forma mais perversa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta um dos mais elementares direitos, que é o direito à cidadania, base de um Estado que se quer democrático de direito.

A aprovação da Lei da Parceria Civil Registrada, nesta altura dos acontecimentos, seria um retrocesso. Daí o significado do Projeto de Lei 4.914/2009, que inclui um artigo ao Código Civil (1.727-A), para que sejam aplicadas às uniões de pessoas do mesmo sexo os dispositivos referentes à união estável, exceto a regra que admite sua conversão em casamento.  

O projeto tem o mérito de contornar o aparente óbice constitucional que limita o reconhecimento da união estável aos heterossexuais. De outro lado, para evitar que se diga tratar-se do temido “casamento gay”, de modo expresso é afastada a incidência do dispositivo que autoriza a transformação da união estável em casamento.

A proposta busca somente consagrar em lei o que de há muito vem sendo assegurado pela jurisprudência. Claro que esta não é a solução que melhor atende ao princípio da igualdade, mas, ao menos, acaba com histórica omissão que gera enorme insegurança e impõe o calvário da via judicial para o reconhecimento de direitos.

Enfim, é chegada a hora de resgatar o débito que a sociedade tem para com significativa parcela da população que não mais pode ficar à margem do sistema jurídico. Insistir no silêncio afronta o direito fundamental à felicidade – o mais importante compromisso do Estado para com todos os cidadãos.

 

 

Publicado em 13/06/2010.

 

 

[1] Advogada especializada em direito das famílias, sucessões e direito homoafetivo

Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

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