Maria Berenice Dias[1]
Todo mundo sabe que a mulher sempre foi discriminada, nunca teve as mesmas oportunidades asseguradas aos homens. Nossa cultura patriarcal gerou uma sociedade machista, em que a mulher ocupava um papel subalterno. Excluída, ficava confinada ao reduto da casa, tendo por única missão a assistência da família, a organização do lar, o apoio ao marido e o cuidar dos filhos.
Igualmente, todo mundo sabe que o movimento feminista, o surgimento dos métodos contraceptivos, o ingresso da mulher no mercado de trabalho desencadearam uma verdadeira luta emancipatória. A mulher conseguiu ter acesso à educação mas no exercício da atividade profissional, mesmo desempenhando funções iguais, percebe salários menores que os de seus colegas. O poder permanece em mãos masculinas e nos postos de chefia ainda é escassa a presença feminina.
Tão acentuada é a diferença, que a Constituição Federal disse e insiste em repetir que homens e mulheres são iguais.
Parece que, a partir desse momento, houve uma transformação mágica. Bastou o legislador proclamar a igualdade, para que a norma editada se tornasse realidade: homens e mulheres são iguais.
As escassas prerrogativas asseguradas às mulheres na tentativa de alcançar certo equilíbrio passaram a ser chamadas de privilégios. Em nome da igualdade, buscou-se simplesmente eliminar as diferenças tomando o modelo masculino como paradigma.
No entanto, todo mundo sabe que a igualdade ainda está longe de ser atingida. Mesmo tendo as mulheres conseguido alguns avanços, mesmo que tenham conquistado um pouco mais de espaço, as tarefas domésticas e o compromisso com relação aos filhos permanecem – com raríssimas exceções – sendo encargo exclusivamente feminino. Os homens, no máximo, prestam algum auxílio, mas a responsabilidade pelo funcionamento do lar continua sendo da esposa, da mãe.
A esse acúmulo de funções se convencionou chamar de dupla jornada de trabalho. Além de permanecer com todos os encargos domésticos, a mulher passou a auxiliar no sustento da casa. Ou, até mesmo, mantê-la. Essa é uma outra realidade que não pode ser ignorada: 23% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres, que assumem sozinhas o encargo de provedoras da família.
Assim demagógico, para não dizer cruel, é o questionamento que vem sendo feito sobre o direito assegurado constitucionalmente às mulheres de se aposentarem com menos idade e menos tempo de serviço do que os homens.
A quem tenha qualquer dúvida de que este é um direito e não um privilégio, cabe indagar se já assumiu sozinho as tarefas femininas. Então, que o faça! Se o fizer por somente um dia, saberá a resposta…todo mundo sabe.
Publicado em 29/09/2008.
[1] Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões
Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
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