Maria Berenice Dias[1]
Chega em boa hora a Resolução 1.957 do Conselho Federal de Medicina que, ao permitir que todas as pessoas façam uso das técnicas de reprodução assistida, estende esta possibilidade aos casais de gays e lésbicas.
Não que antes fosse proibido, mas a ausência de regulamentação levava os preconceituosos de plantão a não realizar o procedimento. Tal fato impunha aos casais homoafetivos a necessidade de buscar, em outros Estados, clínicas de fertilização que reconheciam que o silêncio normativo não revogava um punhado de princípios consagrados constitucionalmente, entre eles a proteção especial outorgada à família.
A consequência da nova regra – que certamente será alvo de ácidas críticas dos mais conservadores – é que passará a constar no registro de nascimento dos filhos o nome de seus genitores: dois pais ou duas mães.
Isso não é uma novidade, pois de há muito a justiça vem admitindo a adoção por homossexuais, fazendo constar na certidão a condição de filho de pessoas do mesmo sexo. Ao invés de pai e mãe consta “filiação” e o nome dos adotantes.
Mas é necessário atentar que as modernas técnicas de reprodução assistida vêm sendo utilizadas em grande escala. E quem não consegue gestar os próprios filhos está abandonando o projeto de adotar. Isto porque, precisam se submeter a absurdas exigências e aguardar durante anos na fila. Os juízes insistem que as crianças permaneçam junto à família biológica, para só depois darem início ao processo de destituição do poder familiar. Todos estes procedimentos se arrastam por muito tempo, ficando as crianças abrigadas por anos antes de serem disponibilizadas à adoção.
O acanhado número de inscritos no Cadastro Nacional da Adoção é a prova disso, muito distante da assustadora realidade: cerca de cem mil crianças institucionalizadas.
Agora, quem deseja ter um filho pode fazer uso das técnicas reprodutivas, que inclusive são subsidiadas pelo Sistema Único de Saúde. As consequências não podem ser mais assustadoras. Vão sobrar crianças e adolescentes nos abrigos sem a chance de viver em família. E, ao atingirem a maioridade são despejados. O destino é sabido. Elas acabam na prostituição e eles se envolvem no tráfico de drogas.
Por isso, urge que sejam agilizados os procedimentos de adoção. Mister admitir a adoção homoparental e a habilitação conjunta de casais do mesmo sexo. Indispensável que o registro da dupla parentalidade não tenha que ser buscado na via judicial. Cabe lembrar o caso da Munira e da Adriana, em que os óvulos de uma foram fertilizados em laboratório e implantados no útero da outra. Nasceram Ana Luiza e Eduardo que só agora, depois de dois anos, obtiveram da justiça de São Paulo o direito de serem registrados no nome de suas duas mães.
A responsabilidade para contornar todos esses entraves é do legislador que, no entanto, não pode ter medo de aprovar leis que atendam às necessidades sociais. E, enquanto as leis não veem, cabe ao Poder Judiciário fazer uma justiça mais rente à realidade da vida.
É chegada a hora de todos assumirem as responsabilidades para com os seus filhos, aqueles que estão abrigados, abandonados, jogados no lixo. Estas crianças e jovens que ninguém quer são filhos de todos nós. São os filhos do Brasil que precisam ter o direito a um lar.
Publicado em 06/01/2011.
[1] Advogada
Ex-Desembargadora do TJRS
Vice-presidente do IBDFAM