Maria Berenice Dias[1]
Durante muito tempo a única família aceita pela sociedade e pela lei era a fruto do casamento entre um homem e uma mulher. Eram reconhecidos como legítimo exclusivamente o filho nascido no âmbito desta família.
O despertar dos direitos humanos, apregoando a liberdade e a igualdade, colocou o indivíduo como sujeito de direito e um punhado de fatores provocaram enormes mudanças.
O movimento feminista, o surgimento dos métodos contraceptivos, a evolução da engenharia genética que levou à reprodução assistida, levou a provocou eco nas estruturas de convívio. Um mosaico da diversidade, um ninho de comunhão de vida, cuja vocação é a realização pessoal de cada um de seus membros, o respeito ao outro e a proteção das individualidades no coletivo familiar.
A mudança recebeu a chancela da Justiça e acabou impondo a construção de um sistema jurídico sob a ótica da pluralidade. O alargamento conceitual da entidade familiar e dos vínculos de parentalidade ensejou o florescimento de toda uma nova concepção da família e da filiação, com os mais variados matizes.
As mudanças foram de tal intensidade que a Constituição da República de 1988 desdobrou o conceito de família e igualou os filhos. Ao dedicar à família especial proteção, a considerando a base da sociedade, abandonou a correlação entre família e casamento. Introduzido o conceito de entidade familiar foi concedida a mesma proteção tanto à união extramatrimonial entre um homem e uma mulher, como à denominada família monoparental: um dos genitores e sua prole.
Esta dilação do conceito de família corresponde à exigência atual da sociedade, onde o modelo sacralizado da família matrimonializada não é o único espaço em que as pessoas buscam a realização do sonho de felicidade.
Certamente o grande mérito do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) foi identificar o afeto como o elemento constitutivo dos vínculos de conjugalidade e também de filiação.
Mas de nada adianta a Carta Constitucional assegurar respeito à dignidade humana, à liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei, dizer que homens e mulheres são iguais, que não são admitidos preconceitos ou qualquer forma de discriminação.
Enquanto houver segmentos alvos da exclusão social, tratamento desigualitário entre homens e mulheres, enquanto o direito à livre expressão da sexualidade não for respeitada, não se está vivendo em um Estado Democrático de Direito.
[1] Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões.
Pós-Graduada e Mestre em Processo Civil
Desembargadora aposentado do Tribunal de Justiça do RS
Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
Coordenadora dos Núcleos do IBDFAM nos países de língua portuguesa.
Data do artigo: 05/07/2024.