Maria Berenice Dias[1]
Nada há de mais perverso do que condenar alguém à invisibilidade. Tanto é assim que a indiferença, ignorar a existência, é a forma de maltratar alguém. É o que acontece com gays, lésbicas bissexuais, travestis e transexuais deste país. Como não existe uma legislação que reconheça seus direitos e criminalize os atos homofóbicos de que são vítimas, estão à margem do sistema jurídico e tornam-se reféns de toda a sorte de violência e agressões. E isso que se vive em um Estado que se diz democrático e de direito, cuja Constituição assegura a todos o respeito à dignidade, o direito à liberdade e a igualdade.
Apesar do preconceito de que são alvo, das perseguições que sofrem, mantem-se omisso o legislador. Por medo de ser rotulado de homossexual, de não se reeleger invocam preceitos bíblicos para pregar o ódio e a discriminação. Nada mais do o preconceito disfarçado em proteção à sociedade. Não é por outro motivo que, até hoje, não foi aprovada qualquer lei que criminalize a homofobia ou garanta direitos às uniões homoafetivas.
Como a Justiça não consegue conviver com injustiças, há mais de uma década, passou a assegurar direitos à população LGBT. Estes antecedentes em muito contribuíram para o Supremo Tribunal Federal reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar. A decisão, além de ter efeito vinculante e eficácia perante todos, desafiou o legislador a cumprir com o seu dever de fazer leis. Do mesmo modo passou a justiça a admitir o casamento, até que o Conselho Nacional de Justiça proibiu que se negasse o reconhecimento da união estável e o casamento.
Mas ninguém mais poderia aceitar este grande desafio do que a Ordem dos Advogados do Brasil que criou Comissões da Diversidade Sexual em todos os Estados e muitos Municípios, bem como uma Comissão no âmbito do Conselho Federal. Um grupo de juristas elaborou o Estatuto da Diversidade Sexual[2] e propostas de emenda constitucionais. O projeto também contou com a colaboração dos movimentos sociais. Tem a estrutura de um microssistema, como deve ser a legislação voltada a segmentos sociais vulneráveis. Estabelece princípios, garante direitos, criminaliza atos discriminatórios e impõe a adoção de políticas públicas.
Diante da enorme repercussão alcançada pela Lei da Ficha Limpa, foi desencadeado um movimento para angariar adesões para apresentar o Estatuto por iniciativa popular. Para isso é necessária a assinatura de cerca de um milhão e meio de cidadãos.
Certamente é o único jeito de driblar a postura omissiva dos legisladores que não poderão alegar que a iniciativa desatende ao desejo do povo.
Não há outra forma de a sociedade reivindicar tratamento igualitário a todos, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Não é uma proposta que deve contar com a participação somente dos homossexuais. É um projeto de cidadania para garantir direitos humanos.
É a primeira vez que ocorre uma movimentação social pela aprovação de uma lei que assegure direitos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Assim, todos que acreditam que o Brasil é um estado livre e democrático precisam aceitar este desafio e aderir à campanha pelo site: www.estatutodiversidadesexual.com.br
Publicado em 10/01/2014.
[1] Advogada
Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB
[2] Íntegra do Estatuto da Diversidade Sexual no site www.estatutodiversidadesexual.com.br.