Maria Berenice Dias

O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela.

Categoria: ARTIGOS, Divórcio

Divórcio e o direito à felicidade

Maria Berenice Dias[1]

Do punhado de direitos e garantias assegurados constitucionalmente, resta evidenciado que o propósito é mesmo garantir a todos o direito à felicidade.

As pessoas têm a liberdade de casar e é indispensável reconhecer, a quem o desejar, o direito de sair do casamento.

Já passou a época em que, por influência da igreja, a ideia sacralizada da família tornava o casamento indissolúvel. Perpetuação, aliás, que nunca existiu. Com ou sem a chancela legal, as pessoas saíam do casamento e constituíam novas famílias, ainda que tais uniões não fossem reconhecidas legalmente.

Com o fim da separação judicial, tornou-se desnecessária a espera do decurso de prazos ou a comprovação de qualquer causa para a obtenção do divórcio. Ou seja, basta o desejo de um do par para que o fim da sociedade conjugal seja decretada. O outro não tem como se opor.

Diante destes significativos avanços, é necessário reconhecer que se está frente a um direito potestativo, que a nada está condicionado.

Daí a possibilidade de o divórcio ser concedido em sede liminar, a título de tutela de evidência, por se tratar de um direito líquido e certo. Claro que é necessário dar ciência ao outro cônjuge, o que deve ser feito, antes do registro do divórcio no registro civil.

Este foi um dos grandes avanços protagonizados pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e que acabou consagrado pela jurisprudência. Posição acolhida tanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF – RE 1325126 MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 04/06/2021) como pelo Superior Tribunal de Justiça: A Emenda Constitucional 66/2010 transformou o divórcio em um direito potestativo, que depende unicamente da manifestação de vontade da parte interessada, impondo à contraparte uma submissão jurídica, de modo a não haver contraposição viável ao direito material invocado. Ajuizada a ação de divórcio, o pedido de dissolução do vínculo pode ser julgado antecipadamente, em cognição exauriente, nos termos dos arts. 355 e 356 do Código de Processo Civil. (STJ – REsp 2154062 RJ, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27/08/2024).

Assim, bem andou o PL 4/2025 ao alterar o Código Civil. Além de consagrar o divórcio e a dissolução da união estável como direito potestativo, e que pode ser requerido diretamente no Cartório do Registro Civil (art. 1.582-A): O cônjuge ou o convivente poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código.

Via de consequência, este direito também poderá ser levado a efeito, por apenas um dos cônjuges ou companheiros, via escritura pública, perante o Tabelião de Notas, a quem cabe, antes de lavrá-lo, cientificar o outro cônjuge.

Diante da sociedade dos dias de hoje, louváveis estes avanços, por atenderem de maneira menos traumática ao desejo de alguém que simplesmente quer dar um outro rumo à sua vida, sem a necessidade de promover uma ação judicial.

Trata-se, nada mais do que assegurar o direito à própria felicidade.

 

[1] É advogada e Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.

 

Artigo publicado no jornal A Folha de São Paulo em 05/06/2025.

image_pdf
image_print

Compartilhe nas redes sociais

NAVEGAÇÃO

ARTIGOS

JURISPRUDÊNCIA

VÍDEOS