Maria Berenice Dias[1]
Com certeza não há quem não sonhe em ouvir a frase: quer casar comigo? A ideia de que a vida aos pares é o espaço de absoluta felicidade faz com que, desde muito cedo, todos – principalmente as meninas – sejam incentivados a casar. Aliás, elas são treinadas para as atividades domésticas ao receberem de brinquedo bonecas e panelinhas. Tudo para se prepararem para o dia em que alguém vai lhe propor casamento.
Este é o final feliz de filmes açucarados; e não há novela que não termine com um punhado de cerimônias nupciais. Não é por outro motivo que todas as religiões de todos os credos e crenças solenizam o acasalamento, que é abençoado para que a reprodução garanta o aumento do número de fiéis.
A razão de o estado formalizar o casamento é estabelecer a solidariedade familiar e com isso desonerar-se do encargo de garantir a todos os seus cidadãos o direito a uma vida digna. São impostos deveres e assegurados direitos a quem os vínculos afetivos une.
A crença de que a procriação era reservada ao contato sexual entre um homem e uma mulher fez com que o conceito de família se limitasse à união heterossexual constituída pelos laços do matrimônio. Alargado o conceito de entidade familiar para além do casamento – com a consagração da união estável – e em face do desenvolvimento dos métodos de reprodução assistida, que assegura a todos o direito de ter filhos, nada justifica restringir o acesso ao casamento aos parceiros de sexos opostos.
A estes avanços não é sensível o legislador que, para garantir seu mandato, escuda-se em preceitos alegadamente religiosos e esbraveja contra os mais elementares dos direitos: o direito à liberdade e à igualdade.
Dos segmentos minoritários, a população LGBT são as maiores vítimas da exclusão social, da discriminação. Ainda assim, projetos que busquem atender a esta parcela de cidadãos acabam não interessando ao legislador. Ora, como apresentar uma lei? Como votar a favor? Como se manifestar em prol de projeto de lei que tutele os seus interesse? Tal pode desagradar o eleitorado, comprometer a reeleição. E pode haver o risco de ser rotulado de homossexual.
A mais chocante consequência da exclusão no âmbito jurídico é a absoluta negação de direitos a que sempre foram condenadas as uniões homoafetivas, cujo único diferencial decorre do fato de serem constituídos por pessoas de igual sexo.
O sistema legal precisa contemplar todos os segmentos sociais, não só os que são compostos por um número maior de cidadãos. Como as minorias são mais vulneráveis, precisam da especial proteção do Estado. Sem uma atenção diferenciada tornam-se alvo da rejeição por parte da maioria. Por isso é indispensável a adoção das chamadas ações afirmativas.
O lado mais perverso desta omissão é que manifestações homofóbicas, por não serem reconhecidas como crime, asseguram a impunidade, o que acaba incentivando a prática de crimes de ódio.
Daí o significado da mobilização não só dos movimentos sociais, mas da própria sociedade para dar um basta à invisibilidade. A Ordem dos Advogados do Brasil assumiu este compromisso e elaborou o Estatuto da Diversidade Sexual. Trata-se de projeto de lei que assegura os direitos que vem sendo reconhecidos pelo Poder Judiciário, criminaliza a homofobia, estabelece politicas públicas e propõe a alteração da legislação infraconstitucional. As emendas constitucionais propostas pela OAB já se encontram em tramitação no Congresso Nacional.
Diante da enorme repercussão alcançada pela Lei da Ficha Limpa, foi desencadeado o movimento para angariar adesões e apresentar o Estatuto da Diversidade Sexual por iniciativa popular. Para isso é necessária a assinatura de cerca de um milhão e meio de cidadãos.
Certamente é a forma de driblar a postura omissiva dos legisladores que, por medo de comprometer sua reeleição ou serem rotulados de homossexuais, até hoje se negaram a aprovar de qualquer projeto de lei que vise criminalizar a homofobia ou garantir direitos às uniões homoafetivas. Ao menos não poderão alegar que a iniciativa desatende ao desejo do povo.
Apresentar o projeto por iniciativa popular é a forma de a sociedade reivindicar tratamento igualitário a todos, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
É a primeira vez que ocorre uma movimentação social pela aprovação de uma lei que assegure direitos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Assim, todos que acreditam que o Brasil é um estado livre e democrático precisam aderir pelo site: www.estatutodiversidadesexual.com.br
Afinal, não é mais possível deixar de arrostar o mundo de hoje. Todos precisam ter sensibilidade para ver a realidade social e ouvir o clamor de quem só quer ter assegurado o direito de ser feliz.
E, diante da medrosa omissão legal viu-se o judiciário com o dever de cumprir com a sua missão de fazer justiça. Afinal, ausência de lei não significa ausência de direito. O juiz tem que julgar. Precisa encontrar uma resposta dentro do sistema jurídico obedecendo os parâmetros constitucionais que veda qualquer discriminação.
Na última década os avanços foram muitos e significativos. Enlaçados os vínculos homoafetivos no âmbito do Direito das Famílias, passo a passo foram sendo garantidos os mesmos e iguais direitos a quem só quer ter o direito de amar.
Depois da decisão do STF que, em maio de 2011 reconheceu as uniões homoafetivas como uniões estáveis, ara evitar que as pessoas precisem se socorrer do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça de expedir a Resolução 175/2013 que proíbe a toda e qualquer autoridade que recuse aceso ao casamento e à conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mas se o Poder Judiciário com coragem e sensibilidade tem feito a sua parte, é chegada a hora de o Legislativo garantir todos os direitos à população LGBT e criminalizar a homofobia.
Publicado em 03/06/2013.
[1] Advogada
www.mariaberenice.com.br
www.direitohomoafetivo.com.br
www.estatutodiversidadesexual.com.br