Maria Berenice Dias[1]
Com a evolução da sociedade e a vitória da revolução feminista, principalmente depois de a Constituição Federal ter consagrado a igualdade entre os sexos, passou a mulher a ter consciência de seus direitos. De outro lado, quer pelo surgimento dos métodos contraceptivos, quer por sua inserção no mercado de trabalho, adquiriu ela a liberdade de escolher seus parceiros e de decidir sobre seu corpo.
O natural aumento da participação feminina no espaço público deveria garantir igualdade de tratamento. Porém, ainda têm reflexos no âmbito do trabalho as diferenças de papéis que persistem na sociedade e que decorrem de componentes de ordem histórico-cultural: a nítida hierarquização entre o homem e a mulher.
A sacralização do conceito de família com sua feição patriarcal levava a esposa a ser considerada como propriedade do marido. Devia a ele submissão e respeito, estando sujeita a uma verdadeira servidão sexual. Não podia opor resistência ao cumprimento do chamado “débito conjugal” nem manifestar qualquer prazer.
Mas, como os homens ainda predominam nas chefias das empresas públicas e privadas, passaram eles a usar novas estratégias para obter favores femininos: a ameaça da demissão, de não-ascensão profissional. O chamado assédio sexual – considerado por muitos como mero galanteio – sempre levou suas vítimas a calar por medo de não ser acreditadas. Além da dificuldade de denunciar, é um fato também difícil de comprovar. É a palavra de um contra a de outro, de um homem ante uma mulher, de um superior frente a um subalterno. Ao depois, nos processos decorrentes dos crimes contra os costumes, usualmente se duvida da veracidade da palavra da vítima, cuja credibilidade resta questionada. Difícil a aceitação da versão da mulher, quase valendo menos do que o depoimento do homem.
Assim, a necessidade de manter o emprego, a humilhação e o constrangimento levam as mulheres – pois elas são as grandes vítimas – a não referir o ocorrido sequer no âmbito familiar, por vergonha de contar o que aconteceu. Ademais, sempre existiu um grave preconceito de ter havido provocação por parte da vítima, acabando por se investigar o comportamento da denunciante, e não o do assediador.
Confunde-se liberdade sexual com a eliminação do direito de escolha, sem se atentar que as mulheres, por serem livres, não são disponíveis para todos que a desejarem. Necessário que seja sepultado o conceito de honestidade feminina vinculado exclusivamente à sua atividade sexual e que se passe a acreditar que, quando ela denuncia, é porque foi vítima de constrangimento.
Infelizmente ainda é enorme é a dificuldade em procurar a Justiça!
Publicado em 13/06/2010.
[1] Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões
Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS
Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM
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