Maria Berenice Dias[1]
O amor imposto como eterno – sem a relativização com que o cantou Vinícius de Moraes – fez do casamento uma instituição indissolúvel. Daí a veracidade da expressão “até que a morte os separe”, implicando para quem buscasse o que se chamava “desquite” (não quites, isto é, em débito), severas penas tal como a perda do direito a alimentos e ao uso do nome, até pela simples iniciativa da ação.
Mesmo com o advento da Lei do Divórcio, permaneceu o instituto da separação e a necessidade da identificação de um culpado pelo fim do amor. Essa exigência tem um evidente caráter punitivo, pois somente o cônjuge “inocente” tem legitimidade para propor a demanda, devendo comprovar a “culpa” do réu pelo rompimento do vínculo matrimonial decorrente do inadimplemento das obrigações elencadas na lei. Ainda quando há o consenso do par, imperioso que aguardem o decurso de prazos, quer para a obtenção da separação, quer para a concessão do divórcio.
Tais restrições, infelizmente, estão reproduzidas no novo Código Civil. Persiste a necessidade de uma causa imputável a um dos cônjuges pelo término do casamento. Essa identificação já vem sendo desprezada pela jurisprudência, que até mesmo reconhece como inconstitucional e indevida a intromissão do Estado na intimidade das pessoas. De todo descabido impor que um dos cônjuges revele a postura do outro, o que evidencia fragrante desrespeito à dignidade da pessoa humana, cânone maior do Estado Democrático de Direito em que vivemos.
Nítida a tendência cada vez menos intervencionista do Estado nas relações afetivas, seguindo a orientação ditada pela evolução dos costumes e já sufragada nas legislações mais desenvolvidas, que abandonaram o instituto da culpa e a imposição de prazos para chancelar o desenlace de um vínculo afetivo.
Voltando à sensibilidade de Vinícius: “o amor é eterno enquanto dura”. Realmente, ninguém pode ser responsabilizado quando se apaga a chama da paixão. Não gera o casamento qualquer obrigação ou compromisso de caráter definitivo, cujo “distrato” possa ensejar o reconhecimento da ocorrência de dano moral suscetível de ser indenizado.
Assim, revela-se de todo descabida e retrógrada a tentativa de inserir na lei obrigações de caráter indenizatório pelo fim do afeto, pois muitas vezes o desenlace do casamento é o melhor caminho para a felicidade.
Publicado em 30/06/2004.
[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
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