Maria Berenice Dias[1]
Desqualificar, tentar afastar o filho do outro genitor é uma realidade que sempre existiu. Não só depois da separação dos pais, mas até durante o relacionamento. Esta realidade, no entanto, não era percebida ou reconhecida. Muito menos, punida.
No entanto, quando os pais foram convocados a participar mais ativamente da vida dos filhos, graças ao ingresso da mulher no mercado de trabalho e nas instâncias do poder, descobriram eles as delícias a paternidade. Assim, finda a relação de conjugalidade não se conformaram com o direito de visitar os filhos quinzenalmente, como era de praxe. Passaram a reivindicar uma convivência mais frequente e a continuarem participando de forma efetiva de sua criação e educação. Foi este movimento que ensejou o estabelecimento da guarda compartilhada (CC, arts. 1.583 e 1.584) e a edição da lei da alienação parental (Lei 12.318/2010).
Ambas as normatização – verso e reverso da mesma moeda – são criticadas por poucos e descumpridas por muitos. A começar pela Justiça que ainda insiste em assegurar à mãe – quase como prêmio de consolação – a “base de moradia” dos filhos (CC, art. 1.583 § 3º). Dita expressão não dispõe de conteúdo jurídico, pois não corresponde nem ao conceito de residência e nem de domicílio (CC, arts. 70 e 71). De qualquer modo, morando os pais na mesma cidade ou em lugares distintos, é de todo desnecessária tal estipulação. Na guarda compartilhada, o filho dispõe de dupla residência. Seu domicílio é o lugar onde ele se encontra, ora com um, ora com o outro dos pais, pelo tempo que for.
Na guarda compartilhada, às claras, não haveria a necessidade do estabelecimento de um regime de convivência. Porém, como esta modalidade de convívio deve ser imposta mesmo quando inexiste consenso entre os pais (CC, art. 1.584, § 2º), mostra-se salutar estabelecer datas e estipular horários. Evita que um acabe por submeter-se ao poder decisório do outro. O regime de alternância, no entanto, não é suficiente para que a guarda compartilhada seja efetiva. É necessário assegurar a ambos os pais o direito de ter o filho em sua companhia fora dos períodos estabelecidos, sem que tenha que se sujeitar à concordância do outro ou a eventuais compensações. Basta haver uma justificativa (por exemplo, casamento ou aniversário de algum parente), para que o genitor fique autorizado a ter o filho em sua companhia, independente da resistência injustificada do outro.
Apesar da regulamentação legal, tanto o descumprimento do regime de convivência como a prática de alienação parental não impõe qualquer sanção a quem assim age. As consequências estabelecidas na lei (por exemplo, redução de prerrogativas, alteração da guarda ou suspensão da autoridade parental), são medidas que vêm em benefício do filho, em razão do agir indevido de um de seus pais.
A Lei° 13.431/2017, estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Reconhece atos de alienação parental como forma de violência psicológica os (art. 4º, II, b), sendo assegurado à vítima o direito de, por meio de seu representante legal, pleitear medidas protetivas contra o autor da violência, à luz do disposto no ECA e na Lei Maria da Penha (art. 6º e parágrafo único).
O ECA garante a crianças e adolescentes a aplicação de medidas de proteção quando vítimas da omissão ou do abuso dos pais ou responsáveis (ECA, art. 98, II), os quais tem a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (ECA, art. 22). Verificadas as hipóteses de maus-tratos, opressão ou abuso sexual, a autoridade judiciária pode determinar, a título de medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum, além da fixação provisória de alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor (ECA, art. 130 e parágrafo único).
A Lei Maria da Penha autoriza o juiz a aplicar, além das medidas protetiva elencadas, medidas outras, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem (LMP, art. 22 e § 1º). Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, pode o juiz requisitar o auxílio da força policial (LMP, art. 22 § 3º) e, a qualquer momento, decretar a prisão preventiva do agressor, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial (LMP, art. 20). Assim, o descumprimento das medidas protetivas de urgência tornou-se infração penal (Lei 13.641/2018): pena de detenção de três meses a dois anos.
Deste modo há que se reconhecer que nas mesmas penas incorre quem pratica atos de alienação parental, considerados como violência psicológica, por afrontarem os direitos e garantias de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Descumprida medida protetiva que assegure, por exemplo, o exercício da guarda compartilhada, além de o juiz decretar a prisão preventiva do infrator – pai, mãe ou responsável – fica ele sujeito a processo criminal.
Esta é uma grande e promissora novidade. Reconhecida a alienação parental como violência psicológica, pode o juiz aplicar as medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei 13.431/2017, art. 4º, II, b) e art. 6º). Descumprida a medida imposta, além da prisão preventiva (LMP, art. 20) o alienador comete crime de desobediência (LMP, art. 24-A).
Ou seja, pela vez primeira é possível penalizar quem – ao fim e ao cabo – deixa de atentar ao melhor interesse dos filhos.
Publicado em 03/10/2019.
[1] Advogada, Vice Presidente Nacional do IBDFAM