Maria Berenice Dias
Advogada
Vice-Presidente Nacional do IBDFDAM
Pois é, o aborto não é legalizado no Brasil. Diz o Código Penal – uma lei do ano de 1940 – que é um crime (CP, art. 124).
Duas exceções autorizam a interrupção da gravidez. O risco de vida da gestante e o fato de a gravidez decorrer de estupro (CP, art. 128). A primeira hipótese nada mais é, do que o exercício do direito à legítima defesa da vida da mulher. A seguinte, não decorre do respeito à dignidade da vítima de não levar adiante uma gestação de decorreu da prática de um crime hediondo contra ela. A razão de ser é impedir que alguém que não tenha o sangue da família possa ser herdeira do patrimônio.
Quando avanços tecnológicos permitiram ver o feto dentro do útero materno, a jurisprudência passou a admitir o aborto de fetos anencefálos, por não terem viabilidade de sobreviver (ADPF 54).
Ainda que não haja qualquer limite temporal à pratica do aborto legalizado, a tendência dos médicos é solicitar autorização judicial para sua realização. Ou, ao menos, um registro de ocorrência. Providências absolutamente desnecessárias.
Além disso, Recomendação Técnica do Ministério da Saúde impede o exercício deste direito após 20 ou 22 semanas de gestação, ou quando o feto tem mais de 500 gr.
Isso tudo sem contar com as recorrentes tentativas de segmentos fundamentalistas conservadores que buscam, simplesmente, impedir o exercício deste direito, que diz com a saúde da mulher, até nas hipóteses legais.
Só que todas estas restrições que são impostas às mulheres, em nada afetam o direito absoluto dos homens de abortar os próprios filhos. E isso desde antes do nascimento e a qualquer tempo, sem nenhuma restrição ou consequência.
Basta atentar para o escandaloso número de crianças que são registradas sem o nome do pai, sem que exista um mecanismo efetivo para impor que eles assumam a paternidade.
Outro dado significativo são as famílias solos. Reconhecidas como merecedoras da especial proteção do estado pela Constituição (art. 226, § 4º), não dispõem de regulamentação ou proteção legal. Nem sequer existem políticas públicas de amparo à mãe que é a única responsável pelo cuidado e sustento do filho. Onde estão os pais? Abriram mão dos filhos.
Esta possibilidade, inclusive, é admitida pela própria lei, ao autorizar que, imotivadamente, qualquer dos pais – leia-se, o pai – abdique do dever que lhe é imposto pela Constituição, pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, de conviver, cuidar e educar os filhos. Ao abrir mão da guarda (CC, art. 1.584, § 2º), ocorre verdadeira renúncia ao poder familiar, que passa a ser exercido exclusivamente pela mãe.
E o que dizer do pai que, quando da separação, simplesmente deixa de conviver com os filhos, não paga alimentos e nem assume qualquer encargo parental?
Quais as consequências desta irresponsabilidade? Nenhuma!
Não existem mecanismos legais para fazer que o genitor cumpra com os seus deveres. Até o inadimplemento dos alimentos que autoriza a sua prisão, dispõe de um procedimento ágil. O processo expropriatório, nem se fala. Simplesmente não anda.
Diante deste panorama é necessário reconhecer que o machismo estrutural não se encontra somente na sociedade. Também está presente na lei. E nas decisões judiciais que deixam de aplicar o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ – Recomendação 128/2022 e Resolução 492/2023). Olvida-se o juiz que pode – ou melhor, deve – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar efetividade ao processo (CPC, art. 139, V).
Ou seja, o aborto praticado pelo homem não é crime, não gera qualquer consequência e conta com o beneplácito de todos.
Data do artigo: 22/03/2025