Maria Berenice Dias

O afeto merece ser visto como uma realidade digna de tutela.

Categoria: Alimentos, ARTIGOS

A Lei de Alimentos, ou o que sobrou dela

Maria Berenice Dias[1]

 

Além de acanhado o espaço concedido pelo Código de Processo Civil ao Direito das Famílias, poucos foram os avanços. E, em alguns aspectos, ocorreram retrocessos.

Perdido entre os últimos processos especiais se encontra o capítulo das Ações de Família (CPC 693 a 699). Claro que, pela sua importância na vida de todas as pessoas, merecia um lugar melhor!

Depois, de forma para lá de enxuta e equivocada, a lei processual cuida das demandas consensuais de família (CPC 731 a 734).

Quanto ao tema mais nevrálgico – que diz com os alimentos – é concedido um capítulo ao cumprimento de manifestação judicial (CPC 528 a 533) e outro aos títulos executivos extrajudiciais que estabelecem obrigação alimentar (CPC 911 a 913). Com isso pacificou algumas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais, mas não emprestou a estes créditos a celeridade necessária para o imediato adimplemento.

Nem cabe fazer um rosário dos erros e omissões, que só frustraram as expectativas de quem almejava que a codificação fosse permitir a obtenção de resultados mais céleres a quem precisa socorrer-se da justiça.

No entanto, causa surpresa a permanência em vigor da Lei de Alimentos (CPC 693 § único), restringindo-se o estatuto processual à cobrança do encargo alimentar. Só se pode rotular de desatenção – para não utilizar adjetivação mais incisiva – ter o capítulo que cuida das ações de família remetido o procedimento da ação de alimentos a uma lei quase cinquentenária, que data do ano de 1968.[2]

Necessário lembrar que a Lei de Alimentos foi editada sob a égide do Código Civil de 1916[3] e do Código de Processo Civil de 1939.[4] De lá para cá foram aprovados dois Código de Processo Civil: o anterior, do ano de 1973[5] e o atual, em vigor desde 18 de março de 2016.[6] Veio a Lei do Divórcio[7] e foi promulgada uma nova Constituição.[8] Também outro é o Código Civil.[9] Isso para citar apenas a legislação mais significativa.

Durante o período de vigência do Código de Processo Civil anterior, em face da sobreposição de regras legais, eram inúmeras as polêmicas sobre a execução da obrigação alimentar (LA 16 a 18 e CPC/1973 732 e 733). Questionava-se, por exemplo, se a lei processual tinha ou não efetividade de derrogar dispositivos da lei especial que lhe era anterior. Sequer o prazo de aprisionamento do devedor inadimplente tinha previsão uniforme. Claro que ditas controvérsias e incertezas vinham em benefício do devedor, pelo reiterado uso das vias recursais.

Agora, o cumprimento da sentença ou decisão que fixa alimentos definitivos ou provisórios (CPC 528 a 533) e a execução de alimentos estabelecidos em título executivo extrajudicial (CPC 911 a 913), se encontram regulados de maneira mais ou menos satisfatória, ainda que de forma um tanto quanto confusa e esparsa. Também foram expressamente revogados os artigos 16, 17 e 18 da Lei de Alimentos (CPC 1.072 V), que tratam do procedimento executório.

Mas paira a dúvida: porque não foi revogada toda a Lei de Alimentos?

Rápida leitura dos artigos remanescentes evidencia que nada – ou muito pouco – justifica que se mantenha em vigor uma lei extravagante para regular o procedimento da ação de alimentos, uma das demandas que deveria gozar de um maior cuidado, pela natureza do direito que protege: o direito à vida.

A Lei de Alimentos

Art. 1º: O rito que a Lei de Alimentos tentou introduzir para assegurar rapidez à demanda judicial, que dispensou a prévia distribuição

Pelo jeito, somente depois de fixar os alimentos provisórios, é que o juiz, por ofício, deveria determinar o registro e a distribuição da ação (LA 1º § 1º).

Para alguém comparecer a juízo, precisa estar representada por advogado (CPC 103), figura indispensável à administração da justiça (CF 133). A parte somente pode advogar em causa própria se for inscrita na OAB (CPC 103 § único e 106).

O princípio do juízo natural – ninguém pode escolher o juiz para apreciar a sua demanda – é consagrado constitucionalmente (CF 5º XXXVII e LIII). Onde há mais de um juiz com a mesma competência, todos os processos estão sujeitos à prévia distribuição (CPC 284).

A petição inicial deve ser acompanhada de procuração (CPC 287), até porque a intimação dos atos e termos do processo é feita na pessoa do advogado, mediante publicação no órgão oficial ou, preferentemente, por meio eletrônico (CPC 269, 270 e 272). A falta de representação do advogado enseja o indeferimento da petição inicial (CPC 330 IV). Os necessitados são representados pela Defensoria Pública (CPC 185).

Igualmente não persiste a singela alegação de falta de condições de pagar as custas do processo, para ser garantida a gratuidade da justiça (LA 1º e §§ 2º e 3º).  A simples declaração da parte de não ter condições de pagar as custas do processo, não é basta. Dita possibilidade foi derrogada pela Constituição Federal. A concessão do benefício da assistência jurídica depende da comprovação da insuficiência de recursos (CF 5º LXXIV).

Segundo a lei processual é indispensável que sejam trazidos aos autos elementos que evidenciem o atendimento dos pressupostos legais à sua concessão (CPC 99 § 2º).

Também não subsiste a determinação de que a impugnação à assistência judiciária seja feita em autos apartados (LA 1º § 4º). Deve ser veiculada como preliminar da contestação (CPC 337 III).

Art. 2º: Era tal a ânsia de emprestar agilidade à busca de alimentos que a Lei 5.478/1968 concedeu rito tão, tão especial à ação de alimentos, que chegou a assegurar à parte o direito de comparecer perante o juiz desacompanhada de advogado (LA 2º § 3º). Ora, de todo descabido que possa alguém se apresentar pessoalmente perante um juiz o qual, depois de ouvi-lo, deveria determinar a formalização da inicial e apreciar o pedido liminar, determinando, após e por oficio, o registro e a distribuição do processo (LA 2º).

Art. 3º: A solicitação poderia ser verbal, cabendo ao juiz, determinar que a pretensão fosse reduzido a termo, ou nomear um defensor para, em 24 horas, apresentar o pedido por escrito (LA 3º § 1º).

Art. 6º: A exigência da presença das partes (LA 6º), sob pena de arquivamento ou decretação de revelia, se a omissão for do autor ou do réu (LA 7º), igualmente não se mantém em pé. Autor ou réu podem constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (CPC 334 § 10).

A ausência injustificada do autor não pode levar ao arquivamento da ação, principalmente quando os alimentos são buscados por crianças, adolescentes ou incapazes. Cabe ao Ministério Público dar prosseguimento à ação. Tem o juiz a faculdade de nomear curador aos autores, afastando a representatividade do guardião.

A audiência de conciliação ou mediação (CPC 334 § 7º) e o depoimento pessoal das partes podem ocorrer por vídeo conferência (CPC 385 § 3º). Os efeitos confessionais da revelia receberam modulações significativas (CPC 345).

A possibilidade de as partes declinarem da audiência de mediação, alegando desinteresse na autocomposição (CPC 334 § 5º), não existe no âmbito das ações de família (CPC 695) e, via de consequência, também em demandas alimentares.

De qualquer modo, caracterizar como ato atentatório à dignidade da justiça a ausência injustificada à audiência preliminar, com a imposição de multa (CPC 334 § 8º), não tem qualquer cabimento, seja no processo que for. Nem no âmbito das relações familiares, nem no que diz com o encargo alimentar. Se é que se justifica em algum tipo de demanda. Pacífica a jurisprudência no sentido de que a ausência significa tão só desinteresse na conciliação.

Arts. 7º, 8º, 9º e 10: É para lá de contraproducente para todo mundo a designação da audiência de conciliação e julgamento (LA 7º, 8º e 9º). Impõe ao juiz que designe menos audiências por dia, pois deve prever a ouvida de até seis testemunhas. O intervalo de 20 minutos entre uma audiência e outra, não é suficiente para a sua realização (CC 334 § 12).

Ao depois, há o desconforto das testemunhas, que abrem mão de suas atividades, deslocam-se até o fórum, lá permanecem, vez por outra, por muitas horas e depois, simplesmente, são despachadas porque houve acordo. Claro que o sentimento que sobra não é dos mais favoráveis à própria imagem da Justiça.

Melhor mesmo é a designação audiência de mediação ou conciliação, que pode se desdobrar em várias sessões (CPC 696).

Em caso de insucesso é que tem início o prazo de contestação, com oportuna designação de audiência instrutória. Este desdobramento não vem em prejuízo do credor, pois já ocorreu a fixação de alimentos provisórios em sede liminar.

Art. 11: Não há na Lei de Alimentos previsão de serem apresentadas alegações finais escritas, somente orais (LA 11), até porque é imposta renovação da proposta de conciliação (LA 11 § único). No entanto, havendo consenso entre as partes, com a vênia do juiz, possível sua concessão, pelo prazo sucessivo de 15 dias (CPC 364 § 2º) para autor e réu.  Existindo partes incapazes dispõe o Ministério Público de igual prazo (CPC 178 e 698).  Possível também a estipulação de calendário para a prática dos atos processuais (CPC 191). Em qualquer destas hipóteses, descabido designar nova audiência para a renovação da proposta de acordo.

Art. 13: A expressa regulamentação das ações desconstitutiva dos vínculos familiares (CPC 693 a 699) e de cobrança dos alimentos (CPC 528 a 533 e 911 a 913), subtrai eficácia ao caput do art. 13 da Lei de Alimentos. Primeiro, porque não mais existe desquite. Ao depois, a ação de anulação do casamento, apesar de não prevista na lei codificada, se sujeita ao mesmo regramento. Pacífico em sede doutrinária – já tendo o tema sido objeto de enunciado pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis[10] – que a enumeração do art. 693 do CPC não é taxativa.

A exigência de que o pedido de redefinição dos alimentos provisórios, fixados em sede liminar, seja processado em autos apartados (LA 13 § 1º), gera duplicidade procedimental desnecessária. A tutela provisória, concedida antecipadamente, pode, a qualquer tempo, ser reformada, modificada, invalidada ou revogada (CPC 296 e 304 § 3º).

Atende melhor ao princípio da efetividade que o pedido de revisão seja veiculado no bojo da própria ação de alimentos, uma vez que a instrução probatória há de evidenciar a modificação da situação das partes. Ao depois, deve o juiz, até de ofício, levar em consideração a superveniência de fato modificativo do direito objeto da ação (CPC 493). Do novo fato, é indispensável a prévia ouvida das partes (CPC 493 § único), em face da proibição de decisões surpresa (CPC 10).

Não dispõem de melhor sorte os demais parágrafos do art. 13.

A previsão de que os alimentos fixados na sentença retroagem à data da citação, até hoje é fonte de controvérsias e enseja decisões que desatendem ora ao interesse do credor, ora do devedor. Quer a tutela antecipada, quer a tutela cautelar são concedidas initio litis, e sua eficácia não está condicionada à citação do réu.

Cabe atentar à natureza da obrigação alimentar. Ela preexiste ao pedido. É devida desde a concepção do filho. O fato de não terem sido requeridos alimentos imediatamente, não desonera o devedor de prestá-los, inclusive com efeito retroativo, mesmo antes da propositura da ação. Sua exigibilidade tem efeito ex tunc. A partir do momento em que deixou o genitor de atender ao sustento do filho, há dívida alimentar. A possibilidade da concessão de alimentos gravídicos escancara esta realidade.[11]

Mais um argumento. Quando a sentença fixa os alimentos definitivos em valor superior ao que havia sido concedido a título de alimentos provisórios, a jurisprudência passou a entender que a decisão dispõe de efeito retroativo à data da citação, invocando o § 2º do art. 13. Mas se o devedor, durante o período da tramitação da demanda pagou os alimentos que foram fixados, a diferença não é nem devolvida e nem abatida, em face do princípio da irrepetibilidade. Ou seja, quem cumpre a determinação judicial e paga os alimentos provisórios, não pode obter compensação das importâncias pagas a maior, se o valor dos alimentos for reduzido. No entanto, o devedor que desatende à obrigação de pagar os alimentos provisórios, sai beneficiado, se o montante for reduzido por ocasião da sentença. Às claras dois pesos e duas medidas, restando premiado o devedor inadimplente. A consolidar-se dito entendimento, ninguém mais vai pagar os alimentos provisórios, na esperança de serem reduzidos por ocasião da sentença ou do julgamento em sede recursal.

Outra situação, no mínimo inusitada. Autoriza a lei processual a execução dos alimentos provisórios, fixados em decisão interlocutória, pelo rito da coação pessoal (CPC 528). A prosseguir este equivocado posicionamento jurisprudencial, vai acabar sendo aceita, como justificativa, a alegação do devedor de que não paga na expectativa de que o encargo pode ser reduzido ou excluído (CPC 528).

O último parágrafo deste mesmo dispositivo (LA 13 § 3º) restou superado com o advento da Constituição Federal. À época da edição da Lei, somente existia o Supremo Tribunal Federal e o recurso extraordinário não dispunha de efeito suspensivo (CPC/39 808 § 1º).  A Constituição de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça, que, via recurso especial, aprecia afrontas à legislação infraconstitucional.  Ao Supremo Tribunal Federal é reservada a competência recursal extraordinária que diz com questões constitucionais.

Ambos os recursos não dispõem de efeito suspensivo (CPC 995).

Por óbvio, não há como se perpetuar o valor dos alimentos fixados liminarmente, sem o crivo do contraditório e antes da manifestação do réu. Tendo havido dilação probatória exauriente, assegurada a ampla manifestação das partes, de todo descabido que o quantum fixado na sentença não tenham eficácia imediata. Prevalecer inalterado o valor dos alimentos provisórios daria ensejo ao uso procrastinatório das vias recursais, com o exclusivo intuito de retardar a eficácia do comando sentencial, por parte de quem se pode beneficiar com a discrepância entre o valor provisório e o definitivo.

Art. 15: Absolutamente equivocada a assertiva de que a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado (LA 15). A sentença faz sim coisa julgada. Os alimentos devem atentar ao princípio da proporcionalidade: as necessidades do credor e as possibilidades do devedor (CC 1.649 § 1º). Como se trata de obrigação que se alonga no tempo, sempre que ocorrer desequilíbrio deste binômio, é possível buscar a devida readequação. Trata-se, nada mais nada menos do que a consagração da cláusula rebus sic stantibus: a imposição de que o valor dos alimentos observe as condições concretas em que se verifica o binômio/trinômio alimentar. É o que assegura de modo expresso o Código Civil em seu art. 1.699. Não comprovada a alteração das possibilidades de um ou das necessidades do outro, a demanda vai esbarrar na coisa julgada. A sentença que extingue o processo sem resolução do mérito, pelo reconhecimento da coisa julgada (CPC 485 V), não impede que a parte, oportunamente, promova novamente a ação (CPC 486).

Desde modo, é chegada a hora de desaparecer do panorama jurídico essa assertiva de todo equivocada.

Art. 25: A restrição a que os alimento in natura sejam deferidos somente ao credor capaz, corresponde ao dispositivo da lei atual que expressamente admite que parte dos alimentos seja feita adimplido pelo fornecimento de hospedagem e sustenta(CC 1.701). A regra foi aperfeiçoada ao ressalvar a necessidade de não prejudicar o necessário à educação quando o credor for criança ou adolescente.

Todos estes dispositivos – se é que um dia foram aplicados –, não mais vigoram. O simples fato de a vigência da Lei de Alimentos ser assegurada pela lei processual, não tem o condão de ressuscitá-los.

E o que sobrou dela?

Diz a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[12] que a lei nova não revoga a lei anterior, a não ser quando: o faça expressamente; sejam ambas incompatíveis; ou venha a nova normatização regular toda a matéria (LINDB 2º § 2º).

Apesar de mantida a vigência da Lei de Alimentos (CPC 693 § único), muitas de suas normas se incompatibilizam ou estão melhor regulamentadas no Código de Processo Civil.  Deste modo, todas as questões que não dizem precipuamente com o próprio objeto da demanda alimentar, e dispõem de previsão processual que pode emprestar-lhes mais agilidade, é de se aplicar a nova disciplina.

No entanto, alguns poucos dispositivos persistem em vigor. Claro que precisariam ter sido incorporados ao Código de Processo Civil, que tinha o dever de premiar a ação de alimentos e a sua cobrança com capítulo autônomo, atentando a todas as suas nuances e especificidades únicas.

Art. 2º § 1º I e II: dispensa, em algumas hipóteses, a prova inicial dos documentos probatórias.

O Código de Processo determina que a petição inicial esteja acompanhada das provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados (CPC 319 VI) e atribui ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (CPC 373 I).

Deste modo, quando da propositura da ação, mais do que razoável, não ser exigida prova tanto da obrigação alimentar, como dos ganhos do devedor. Vez por outra é difícil o acesso a documentos que estão sob a posse do réu. Não há como o credor saber quais os rendimentos dele, para a mensuração dos alimentos. São dados protegidos pelo sigilo ou ocultados pelo devedor que faz uso de manobras, nem sempre lícitas, para dissimular ganhos ou ocultar patrimônio.

De enorme significado dois acertos da nova legislação.  A expressa admissão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC 133 a 137). E a autorização de o juiz inverter o encargo probatório (CPC 373 § 1º).

Deste modo, vantajosa a regulamentação atual em matéria probatória, a subtrair eficácia às exceções da lei especial.

Art. 4º: possibilidade de o juiz fixar alimentos provisórios em sede liminar, ainda que a parte não os requeira.

Somente a expressa dispensa dos alimentos impede o juiz de fixá-los. Aliás, a afirmativa do autor da ação de alimentos que deles não necessita, de imediato, é postura até certo ponto contraditória. A confissão de ausência de necessidade revela falta de interesse processual, a ensejar até o indeferimento da inicial (CPC 485 VI).

A fixação de alimentos ainda que não pedidos, não configura transbordamento do ofício judicial, não se podendo falar em decisão ultra petita.

Em demandas outras há esta possibilidade.

Quando concedida medida cautelar determinando o afastamento do agressor da moradia comum, deve o juiz, de ofício, fixar alimentos provisórios a favor dos filhos que são seus dependentes (ECA 130 § único).

A lei de averiguação oficiosa da paternidade – infelizmente, de escassa aplicação de tão acanhada que é – traz igual determinação. Na ação de investigação de paternidade promovida pelo Ministério Público, a sentença que reconhece a paternidade, deve fixar alimentos provisionais ou definitivos a favor do filho (L 8.560/1992 7º).

O silêncio do juiz torna a sentença citra petita. Como se trata de direito à sobrevivência, em sede recursal, ao invés de anular a sentença, o tribunal deve suprir a omissão (CPC 1.013 § 1º).

Quando a criança ou o adolescente se encontrar em situação de vulnerabilidade (ECA 89), o Ministério Público dispõe de legitimidade concorrente para promover ação de alimentos (ECA 201 III).

Claro que todos estes pontos deveriam ser incorporados pela lei de processo.

Dois dos pecados da Lei de Alimentos não foram corrigidos por nenhum dos Códigos, nem o Civil e nem o de Processo.

Não é indicado claramente o termo inicial da vigência dos alimentos: se a data da fixação ou da citação. Apesar de dizer que, ao despachar o pedido, o juiz fixa “desde logo” alimentos provisórios (LA 4ª), depois afirma que, “em qualquer caso”, os alimentos fixados retroagem à data da citação (LA 13 § 2º).

Esta aparente incongruência tem levado a jurisprudência a olvidar de que a concessão de alimentos provisórios se trata de tutela de evidência (CPC 311 II e IV), a autorizar sua exigibilidade a partir da fixação liminar (CPC 311 § único).

Mereceria servir de modelo o dispositivo da lei civil que, ao tratar do legado de alimentos (CC 1.928 § único), afirma que eles são exigíveis imediatamente, no começo de cada período.

Esta salutar previsão é explicável por si só.  A obrigação alimentar é preexistente, e de todo descabido que primeiro seja citado o obrigado para só depois de um mês tornar-se exigível a cobrança.

Há outro dado. Na decisão liminar em que são fixados os alimentos, o juiz oficia ao órgão pagador dos rendimentos ou salário do réu, mesmo antes de sua citação (LA 5º § 7º). Descabido conceder tratamento diferenciado pelo fato de o réu dispor ou não de vínculo laboral formalizado.

Art. 4º § único: entrega mensal de parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor.

Durante muito tempo este dispositivo não foi invocado. Passou a ser e merece sobreviver. Com reparos.

A referência ao regime da comunhão universal de bens decorre do fato de a lei ter sido editada antes do surgimento do divórcio, que adotou, como regime legal, o da comunhão parcial de bens. A razão de ser do dispositivo diz com a comunicabilidade patrimonial dos bens adquiridos durante a união. Mas o embaralhamento patrimonial acontece em vários regimes de bens, não podendo a divisão dos frutos ficar condicionada a um único regime. Merece aplicação a mesma regra, como vem sendo feito judicialmente.

Doutrina e jurisprudência chamam estas verbas de alimentos compensatórios, expressão que não consta de qualquer texto legal. Outros usam a mesma terminologia para rotular a verba de natureza indenizatória, que é imposta a um, para o outro manter o mesmo padrão de vida que usufruía antes da separação.

Por falta de nomenclatura mais adequada, talvez o melhor seja reconhecer os alimentos compensatórios como gênero, que alberga duas espécies: (a) a entrega da metade da renda dos bens comuns que permanecem na posse de um dos cônjuges ou companheiros. Estas verbas nada mais são do que frutos, havendo a devida compensação quando da partilha. (b) A outra espécie de obrigação, também chamada de alimentos compensatórios, trata-se da verba indenizatória paga por ocasião da separação, em que há brusca restrição dos meios de sobrevivência e um dos cônjuges, que não dispõe de meios para manter a mesma condição de vida que lhe propiciava o detentor de todo o patrimônio. Na maioria das vezes tal ocorre no regime da separação de bens. No entanto, havendo partilha, as verbas recebidas a este título, não são compensadas.

Art. 5º § 7º: quando da fixação dos alimentos provisórios, o juiz oficia ao empregador para que proceda ao desconto do salário do empregado ou do vencimento do servidor, bem como que comunique os ganhos do réu, até a data da audiência. A omissão configura crime contra a administração da justiça (LA 22).

Este é o único parágrafo do artigo 5º que dispõe de sobrevida.

Quando do cumprimento da sentença ou decisão que fixa alimentos (CPC 529) e também na execução da verba alimentar estabelecida extrajudicialmente (CPC 912), o juiz determina que, do salário do devedor, seja descontado o débito alimentar, de forma parcelada, sem prejuízo da pensão mensal. O valor descontado não pode ultrapassar 50% dos seus ganhos líquidos (CPC 529 § 3º). É feita a advertência de que a omissão da fonte pagadora configura crime de desobediência à ordem legal de funcionário público (CP 330).

O delito referido no CPC não é o mesmo previsto na LA 22, já que a tipificação e as penas são diferentes. A lei processual adverte com o crime de desobediência (CP 330), que tem pena mais branda: detenção de 15 dias a seis meses e multa.

A Lei de Alimentos criminaliza duas condutas: a do empregador ou funcionário público que deixa de prestar as informações necessárias à instrução do processo, execução de sentença ou acordo que fixe pensão alimentícia (LA 22) e a de quem, de qualquer modo ajuda o devedor a eximir-se ao seu pagamento, ou procrastina a execução da ordem de desconto em folha (LA 22 § único). O crime é contra a administração da Justiça, cuja pena é de detenção de seis meses a um ano. A suspensão do emprego, pelo período de 30 a 90 dias, é punição de duvidosa constitucionalidade.

Das disposições outras deste mesmo artigo 5º nada sobra.

De todo descabido outorgar ao juiz o poder arbitrário de fixar o prazo de contestação (LA 5º § 1º). A natureza do direito posto em causa não justifica. Para todas as demandas o prazo de contestação é de 15 dias (CPC 55).

Por falta de clareza da lei sobre o início do prazo da contestação, quando o juiz não aponta o termo inicial, causar um grande estresse ao advogado e ao próprio réu, gerando, muitas vezes, desgastes desnecessários. O procurador comparece à audiência já com a contestação pronta. Eventual acordo transforma a peça que havia elaborada em lixo.

Melhor é acolher a nova sistemática que expressa e repetidamente afirma que o prazo a contestação tem início quando da última audiência de conciliação ou mediação, caso não tendo acontecido a auto composição (CPC 335 e 697).

Mesmo na ação de alimentos, a contrafé, ou seja, a cópia da inicial, não deve acompanhar o mandado de citação. Esta é a boa nova trazida pela lei processual (CPC 695 § 1º). A novidade não agradou aos processualistas mais ortodoxos, mas é salutar. Não afronta qualquer direito do réu. Ele ou seu advogado podem examinar o processo, sem que tal implique em início do prazo de contestação, como acontece ordinariamente (CPC 239 § 1º).

Não gozam de melhor sorte os dispositivos que trazem normas procedimentais superadas, em agilidade, para a citação do réu, por mandado, hora certa ou edital (LA 5º e §§ 3º a 5º). Não se sustenta a dupla normatização. A citação, de fato, deve ser levada a efeito pelo correio com aviso de recebimento (LA 5º § 2º e CPC 247).

Seja pela modalidade que for, a citação deve seguir o passo a passo da lei de ritos (CPC 249 a 253), que é mais ágil. Abriram-se as portas ao mundo virtual, facultando o uso de tecnologia informatizada. Inclusive não se justifica a mantença da carta precatória citatória, vetusto mecanismo que deveria ser expressamente banido da lei.

Com o fim do comparecimento pessoal do autor perante o juiz – o que, aliás, nunca ocorreu – sua intimação é levada a efeito na pessoa do advogado (CPC 33 § 1º e 334 § 1º).

Art. 14: efeito devolutivo do recurso de apelação.

Não distingue a Lei de Alimentos a natureza da sentença. A todas concede efeito meramente devolutivo. A lei processual repete a mesma regra. No entanto, concede único efeito à sentença que condena a pagar alimentos (CPC 1.012 § 1º II). Este dispositivo, sempre gerou acirradas discussões doutrinárias, com relação aos efeitos da apelação de conteúdo diverso, sem atentar à regra da lei especial. Deste modo merece permanecer no sistema jurídico a abrangente regra da lei especial que empresta somente efeito devolutivo ao recurso de apelação, seja qual for o seu conteúdo: se condena, exonera, majora ou reduz o encargo alimentar. De qualquer forma, cada vez com mais desenvoltura, vem a jurisprudência alterando o efeito do recurso, independente da natureza da ação, possibilidade que é assegurada ao relator (CPC 995 parágrafo único).

Art. 19: possibilidade de ser decretada a prisão do devedor, pelo prazo de até 60 dias, durante a instrução da causa para a busca de esclarecimento

Eis um dispositivo interessante, que, no entanto, não se tem notícia de que um dia tenha sido aplicado. A não ser este pedaço, o restante do artigo, referente ao decreto de prisão para o cumprimento da sentença ou execução do acordo, não subsiste, uma vez que a cobrança do encargo alimentar esta à cargo da lei processual. Tanto é assim que lhes concede capítulos específicos (CPC 528 a 533 e 911 a 913) e expressamente revogou os artigos da Lei de Alimentos que regulavam a sua execução (CPC 1.072 V).

Quem sabe agora, com esta drástica redução da Lei de Alimentos, dita salutar providência comece a ser requerida e deferida.

Ainda que permaneça parcialmente em vigor o dispositivo que autoriza o decreto de prisão do devedor na fase instrutória (LA 19), os seus parágrafos já estão na lei processual. O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento dos alimentos (CPC 528 § 5º).

Tratando-se a ordem de aprisionamento de tutela provisória, cabível ser atacada via agravo de instrumento (CPC 1.015 I), a tornar desnecessária a previsão, ainda que mais explícita, do § 2º do mesmo art. 19.

O seu § 3º é repetido na lei processual. A interposição de agravo de instrumento não suspende a ordem de prisão. Aliás, nem a impetração de habeas corpus possui este efeito, a não ser que seja concedido pelo órgão recursal.

Art. 20: obrigação imposta às repartições públicas, civis e militares de prestar as informações necessárias solicitadas pelo juízo.

Trata-se de ônus, imposto a terceiros de colaborar com a Justiça, cujo inadimplemento configura crime contra a administração da Justiça (LA 22).

Quanto ao imposto de renda, pelo sistema BADENJUD disponível a os juízes, eles mesmos têm acesso a estes dados.

Art. 22: novo tipo penal decorrente do descumprimento da ordem judicial quando a determinação diz com obrigação alimentar.

A apenação é mais severa do que o crime de desobediência, até porque seus efeitos são devastadores.

O alargamento dos sujeitos passivos da conduta delitiva dispõe do mesmo propósito. Coibir o conluio com o devedor para que este não atenda ao encargo alimentar.

Art. 23: A prescrição só alcança as prestações mensais e não o direito a alimentos.

Ao menos esta explicitação é necessária ser mantida. O direito não prescreve, somente,  as prestações mensais.

Injustificadamente o Código Civil reduziu o prazo prescricional de cinco para dois anos (CC 206 § 2º).  Ainda que a ausência de exercício de um direito acarrete a sua perda, segundo o instituto da supressio, em sede de alimentos não há que se invocar esta regra ou a cláusula geral da boa-fé. Consabida a dificuldade, por exemplo, de a mãe executar alimentos em favor dos filhos, uma vez que o genitor usa tal fato, muitas vezes para colocar os filhos contra a mãe, sob o argumento que ela quer coloca-lo na cadeia.

Fora disso existe o sentimento que remanesce no fim da relação, persiste a lembrança das cosias boas de uma vida em comum. E, seguido, os devdores utilizam esta situação de vulnerabilidade e acabam convencendo quem um dia o amou, que mantém os mesmos encantos e responsabilidade que o cativou.

Assim, dois anos passam rápido.

Ao menos, quando se trata de alimentos decorrentes do poder familiar (CC 197 II) ou a favor de incapaz (CC 198 I), o prazo prescricional não corre. Menos mal.

A parte final do art. 23 é para lá de inócuo. Às claras que o credor pode dispensar provisoriamente os alimentos, basta não pedi-los ou não executá-los.

No entanto, esta possibilidade não existe quando o credor é criança ou adolescente. Cessado o vínculo de convivência entre os pais, há a obrigação alimentar de ambos. O fato de o filho estar sob a guarda do genitor que tem condições de prover sozinho sua subsistência, não exime o outro de cumprir com a obrigação alimentar.

Não buscando o representante dos credores a fixação dos alimentos, a ação pode ser proposta pelo Ministério Público (ECA 201 III). Também não é possível a desistência da ação, cabendo ao magistrado nomear curador aos credores para o prosseguimento da ação.

Art. 24: O responsável por obrigação alimenta pode propor ação de oferta de alimentos, devendo comprovar seus rendimentos.

A prática é usual, principalmente quando o devedor quer pagar menos do que deve. Oferece alimentos omitindo seus ganhos. Cabe a fixação liminar do encargo, não estando o juiz adstrito a fixar os alimentos no montante oferecido pelo devedor.

Não se trata de decisão ultra petita responsável, até porque a determinação legal é que haja tão só a demonstração dos ganhos.

Esta ação não se confunde com a ação de consignação em pagamento (CPC 539 a 549), ainda que o propósito seja o mesmo. Livrar-se o devedor de um encargo.

No entanto, na ação de oferta de alimentos não existe obrigação preestabelecida, a justificar a mantença do dispositivo da lei especial, ainda que com nova redação. Necessário adequar-se ao atual sistema judiciário.

A Lei de Alimentos, que se espelhou na legislação trabalhista, florescente à época, teve enorme importância ao tratar de modo destacado dos direitos e obrigações de natureza alimentar. Agora, quase todos os dispositivos estão derrogados. Subsiste em vigor um número tão insignificante de regras, que nem se justifica sua permanência no panorama legislativo. Deveria o codificador ter incorporados as disposições remanescentes a um capítulo específico da lei processual.

Certamente a Lei de Alimentos merecia uma morte mais digna.

 

Publicado em 07/09/2016.

[1] Advogada

Vice Presidente Nacional do IBDFAM

[2] Lei 5.478/1968.

[3] Lei 3.071/1916.

[4] Dec. Lei 1.608/1939.

[5] Leis 5.869/1973.

[6] Lei 13.105/2015.

[7] Lei 6.515/ 1977.

[8] Constituição Federal de 1988.

[9] Lei 10.406/2002.

[10] Enunciado nº 72 do FPPC: O rol do art. 693 não é exaustivo, sendo aplicáveis os dispositivos previstos no Capítulo X a outras ações de caráter contencioso envolvendo o Direito de Família.

[11] Lei 11.804/2008.

[12] Lei 4.657/1942.

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