Participação do Magis(Re)construindo vínculos, promovido pelo

Colégio Anchieta, Porto Alegre, em 10/11/2022.

 

 

Há lendas que estamos acostumados a ouvir:

… que a mulher saiu da costela de um homem…

… que o casamento é o seu único destino…

… que o atributo que mais a qualifica é a virgindade…

Tanto que até hoje casa de branco, cor símbolo da pureza.

A mulher é rotulada de sexo frágil – talvez porque tenha menos força física, porque sangre mensalmente – e, assim, precisa ter alguém que a proteja, que a cuide.

Por isso deve obediência ao marido.

A maternidade é sua missão mais sublime. Sua razão de existir.

Ao ponto de se falar em instinto maternal, quando nunca ninguém falou em instinto paternal.

Mas é para isso é que as meninas são adestradas desde o nascimento.

Já na maternidade furam suas orelhas, colocam em sua cabecinha adereços de Carmem Miranda e a enfeitam com laços, fitas e babados.

Vestem elas, da cabeça aos pés, de cor-de-rosa e a enchem de purpurina.

Só se exalta sua beleza, doçura e suavidade.

São chamadas de princesas à espera de um príncipe encantado.

Isto tudo porque elas precisam encontrar alguém que as conduza ao único sonho que lhes é permitido sonhar: o casamento.

Quando serão felizes para sempre, até que a morte os separe.

Afinal, é assim que terminam os contos de fada e os filmes açucarados de Hollywood.

Seus brinquedos são bonecas, panelinhas, casinha. Nada mais do que adestramento para serem puras, recatadas e do lar.

Se mulher não casa, é porque ninguém a quis, sobrou.

Se não tem filhos, coitada, é seca.

Para todas estas crenças – ou melhor, crendices – só existe uma resposta:

Não, não e não!

Só que não obedecer a estes estereótipos, marginaliza a mulher, que passa a ser xingada de feminista, mal amada, sapatão.

Por isso é difícil abandonar as tantas inverdades que lhe são incutidas, desde sempre, como único caminho a percorrer. Certezas que acabam sendo transmitidas de geração a geração. Passam das mães às filhas.

Não se admite que a mulher possa ter escolhas próprias, diferente do destino que lhe foi traçado.

Mas está na hora de encarar de frente a realidade dos dias de hoje:

As meninas ocupam a maioria dos bancos escolares e as universidades.

São mais bem classificadas nos concursos públicos.

Ou seja, têm todas as condições de estarem em todos os lugares, de desempenharem toda e qualquer função.

Mas onde elas estão?

Ainda muitas em casa, sendo qualificadas como “do lar”.

A maioria trabalhando em profissões identificadas no feminino. Casualmente, as mais mal remuneradas: professoras, enfermeiras, cuidadoras, domésticas…

Quando desempenham as mesmas funções dos colegas homens, seu salário é um terço menor.

Não ocupam um por cento dos postos de poder, nem na administração pública e nem nas empresas privadas.

Por quê?

Por esta posição de inferioridade que lhe é imposta por uma sociedade ainda conservadora, sexista, machista!

E, assustadoramente, cada vez mais retrógrada.

Aliás, um fenômeno universal.

Confesso estar convencida de que todo este retrocesso decorre do medo que os homens vêm sentindo de nós mulheres.

Estão assustados por estarmos liderando movimentos mundiais. Denunciando abusos sexuais, arrancando burcas e véus que nos invisibilizam, desfiguram nossos rostos e nossos corpos.

Por isso se tem pregado o retorno à “família tradicional”, na tentativa nos colocar de volta ao reduto de nosso lar doce lar, de onde nunca deveríamos ter saído.

Só que as consequências deste movimento são as mais funestas.

Basta ver os assustadores números da violência doméstica, de feminicídios, estupros, assédio sexual e moral de que são vítimas as mulheres.

Por isso esta realidade precisa ser mudada, e agora.

É urgente.

Esta é a responsabilidade maior dos pais, da família, da escola e da sociedade.

Para usar o termo da moda, é preciso empoderar as meninas para que possam ser o que desejarem.

Não é mais possível educar de modo diferente filhos e filhas. Atribuir tarefas domésticas diferenciadas, a depender do sexo de cada um.

Cobra-se das filhas recato e docilidade. São educadas para serem obedientes, silenciosas, submissas. Sentarem com as perninhas fechadas, não chamarem a atenção, não falarem alto.

No entanto, se incentiva os filhos a serem fortes, viris, pegadores. Eles não podem chorar e nem levar desaforo para casa. E quando isso acontece, os chamam pejorativamente de “mulherzinha”.

E este precisa ser o maior compromisso dos pais.

Deem a eles – meninos e meninas – a mesma segurança, a mesma liberdade.

Imponham igual respeito de uns para com os outros.

Ensinem a serem independentes.

E para isso, lhes assegurem a mais eficaz fonte do conhecimento: o exemplo!

 

Maria Berenice Dias

Advogada

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

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