Violência Doméstica

Maria Berenice Dias[1]

 

  1. O espiral da violência

Silêncio e indiferença. Reclamações, reprimendas e reprovações. Castigos e punições. É assim que começa a violência psicológica que não demora a se transformar em violência física. Aos gritos seguem-se empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima. O varão destrói os objetos de estimação da mulher, a humilha diante dos filhos. Sabe que estes são os seus bens mais preciosos e ele ameaça maltratá-los.

Em um primeiro momento, a vítima encontra explicações e justificativas para o comportamento do parceiro. Acredita que é uma fase que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito ou com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor. Vive constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada de errado. Torna-se insegura e, para não incomodar o companheiro, começa a perguntar a ele o quê e como fazer, tornando-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, seus sonhos de realização pessoal e seus objetivos de vida.

O homem não odeia a mulher, odeia a si mesmo. Quer submetê-la à sua vontade Assim, busca destruir sua autoestima. Críticas constantes levam a mulher a acreditar que tudo o que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não tem capacidade para administrar a casa e nem cuidar dos filhos. A alegação de que ela não tem bom desempenho sexual resulta no afastamento da intimidade e surge a ameaça de abandono.

Para dominar a vítima, o varão procura isolá-la do mundo exterior, afastando-a da família. Proíbe amizades, o ridiculariza perante os amigos. Muitas vezes, a impede de trabalhar, sob a justificativa de ter condições de manter a família sozinho. Com isso, a mulher se distancia das pessoas junto às quais poderia buscar apoio. Perde a possibilidade de contato com quem poderia incentivá-la a romper a escalada da violência.

Nesse momento, a mulher vira um alvo fácil. A angústia passa a ser seu cotidiano. Questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Não há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.

Ele sempre atribui a ela a culpa. Tenta justificar seu descontrole na conduta da mulher. Alega que foi a vítima quem começou, pois não faz nada correto, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que em parte a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a violência. O medo da solidão a faz dependente, sua segurança resta abalada. Não resiste à manipulação e se torna prisioneira da vontade do homem.

Depois de um episódio de violência, vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas etc. Cenas de ciúmes são justificadas como prova de amor, e a vítima fica lisonjeada. O clima familiar melhora e o casal vive uma nova lua de mel. Ela sente-se protegida, amada, querida, e acredita que ele vai mudar.

A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoestima, o sentimento de menos valia, a depressão, essas são feridas que jamais cicatrizam.

Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça, grito, tapa…

 

  1. Uma Lei com nome de mulher

Em 22 de setembro de 2006, entrou em vigor a Lei 11.340, de 07.08.2006, que se popularizou pelo nome de Maria da Penha, considerada uma das três melhores leis do mundo pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher.

Os avanços foram muitos e significativos. Talvez o aspecto mais relevante tenha sido retirar a violência que acontece no âmbito do lar doce lar da invisibilidade. Enquanto foi tratada como delito de pequeno potencial ofensivo, no âmbito da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), a impunidade era certa. Acordos e transações eram impostos à vítima. De forma expressa é proibida a aplicação de pena pecuniária, multa ou a entrega de cesta básica (LMP, art. 17) sendo permitida a prisão preventiva do ofensor (LMP, art. 20).

Para o reconhecimento da violência como doméstica, preocupou-se o legislador em delimitar o seu alcance. Primeiro define unidade doméstica (LMP, art. 5.º, inc. I): espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Depois, estabelece que a violência passa a ser doméstica quando praticada: a) no âmbito da unidade doméstica; b) no âmbito da família; ou c) em qualquer relação íntima de afeto, independente da orientação sexual da vítima.

Para se chegar ao real conceito de violência doméstica, é insuficiente ater-se ao art. 5.º, pois são vagas as expressões: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero”; “âmbito de unidade doméstica”; “âmbito da família” e “relação íntima de afeto”. De outro lado, não se extrai apenas do art. 7.º. É necessário interpretar conjuntamente estes dois artigos. Ou seja, violência doméstica é qualquer das ações elencadas no art. 7.º (violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral) praticada contra a mulher em razão de vínculo de natureza familiar ou afetiva.

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A grande novidade foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFMs, com competência cível e criminal (LMP, art. 14). No entanto, não foi imposta obrigatoriamente a instalação destes juizados especializados e sequer estabelecido prazo para o seu funcionamento.

Foi devolvida à autoridade policial a prerrogativa investigatória, cabendo-lhe instalar inquérito policial. A vítima deve estar sempre acompanhada de advogado (LMP, art. 27), tanto na fase policial como em juízo, sendo-lhe garantido acesso aos serviços da Defensoria Pública e da Assistência Judiciária Gratuita (LMP, art. 28). Não pode ser ela a portadora da notificação ou da intimação ao agressor (LMP, art. 21, parágrafo único).

Também deve a vítima ser pessoalmente cientificada quando o agressor for preso ou liberado da prisão, sem prejuízo da intimação de seu procurador constituído ou do defensor público (LMP, art. 21). O juiz deve encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros, garantindo-lhe a mantença do vínculo de emprego (LMP, art. 9.º, § 2.º, II). Além disso, pode determinar o afastamento do agressor do lar, impedi-lo que se aproxime da casa, vedar o seu contato com a família, fixar alimentos (LMP, art. 22). De ofício, pode adotar medidas que façam cessar a violência. Para a proteção dos bens do casal é possível suspender procuração outorgada ao agressor e anular a venda de bens comuns (LMP, art. 24).

O último dispositivo (LMP, art. 45) é dos mais salutares, pois permite ao juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. Talvez esta seja a medida mais eficaz para propiciar uma mudança de comportamento de quem não entende o caráter criminoso de seu agir. Mas, para o cumprimento desta determinação judicial, é necessário que tais espaços de recuperação e reeducação existam.

 

  1. Diversas espécies de violência

A violência contra a mulher tem raízes culturais e históricas, merecendo ser tratada de forma diferenciada. Os valores patriarcais muito contribuíam para a exclusão da mulher como sujeito de direito. Sempre foi vista como um objeto pertencente ao homem. Alguém sujeita ao poder masculino. Tal infringe o princípio da igualdade e favorece o cenário da violência, que tem origem nas relações desiguais de poder entre os sexos.

O Código Penal é mais severo em relação aos crimes perpetrados com abuso da autoridade decorrente de relações domésticas. Assim, reconhece como circunstâncias que sempre agravam a pena o fato de o crime ter sido praticado (CP, art. 61, II, e): contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; e (CP, art. 61, II, f): com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. A Lei Maria da Penha inseriu neste dispositivo legal mais uma hipótese: com violência contra a mulher na forma da lei específica.

A Lei Maria da Penha não se trata de uma lei penal. De forma didática traz um rol de ações que reconhece como violência doméstica. Além de não se tratar de um elenco taxativo, não guarda correspondência com tipos penais.

Ações fora da nominata legal e que não tipificam delitos em sede de Direito Penal, podem ser reconhecidas como violência doméstica.

São reconhecidas como violência doméstica e familiar contra a mulher:

 

3.1.          Violência física

Art. 7.º, I: a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.

A lesão corporal leve, quando perpetrada no âmbito doméstico, não é considerada delito de pequeno potencial ofensivo. Assim, para o desencadeamento do inquérito policial, não é necessária representação da vítima. A ação penal é pública incondicionada.

Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde constitui violência física. Não é necessária a presença de hematomas, arranhões, queimaduras ou fraturas.

A palavra da vítima dispõe de presunção de veracidade, ocorrendo a inversão dos ônus probatórios. Basta a alegação da mulher de que foi vítima de violência, mesmo que não existam sinais aparentes da agressão. Cabe ao réu comprovar que não a agrediu. Apesar de se tratar de prova negativa, difícil de ser comprovada, empresta-se mais credibilidade à palavra de quem procedeu ao registro da ocorrência.

Não só a integridade física, mas também a saúde corporal é protegida juridicamente (CP, art. 129). O transtorno de estresse pós-traumático, gerado em razão da violência também pode configurar ofensa à saúde.

 

3.2           Violência psicológica

Art. 7.º, II: a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

É a violência mais frequente e talvez seja a menos denunciada. A vítima, muitas vezes, nem se dá conta de que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos configuram violência que está sob o abrigo da Lei Maria da Penha.

A proteção legal é à autoestima, à saúde psicológica da vítima. Consiste na agressão emocional, que é tão ou mais grave que a violência física. Ocorre quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima. Demonstra prazer quando a vê sentir-se amedrontada, inferiorizada e diminuída.

Para o reconhecimento do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência.

 

  1. 3 Violência sexual

Art. 7.º, III: a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.

Historicamente sempre houve resistência em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual no âmbito dos vínculos afetivos. A tendência ainda é identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito. A horrível expressão “débito conjugal” parece chancelar esse proceder, como se a mulher tivesse o dever de submeter-se ao desejo sexual do par.

Em razão do equívoco de considerar a submissão sexual como um dever inerente ao casamento, sequer se reconhecia a prática de estupro pelo marido,  sob o absurdo argumento de que se tratava do exercício regular de um direito inerente ao casamento, por conta da relação civil entre eles. Assim, o adimplemento de tal obrigação poderia ser exigido, inclusive, sob violência.

Os crimes contra a liberdade sexual cometidos contra pessoas de identidade feminina, no âmbito das relações domésticas, familiares ou de afeto constituem violência doméstica, e o agente submete-se às medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

A lei penal, além de definir o crime e estabelecer pena à prática de cada um dos crimes sexuais, determina que a pena seja aumentada da metade quando (CP, art. 226, II): o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

A parte final deste dispositivo enfoca a sexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Trata-se de violência que traz consequências à saúde da mulher. A própria Lei assegura à vítima acesso aos serviços de contracepção de emergência, profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis – DSTs, da Síndrome da Imunodependência Adquirida – AIDS e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis (LMP, art. 9, § 3.º).

Tais providências objetivam evitar a gravidez indesejada decorrente de relação sexual não consentida. Aliás, a Lei do Planejamento Familiar (Lei 9.263/96) assegura a contracepção pelo Sistema Único de Saúde – SUS. A vítima precisa ter acesso não só ao medicamento que se popularizou como “pílula do dia seguinte”, mas também ao aborto que é permitido, quando a gravidez resulta de estupro (CP, art. 128, II).

 

3.4           Violência patrimonial

Art. 7.º, IV: a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

A violência patrimonial encontra definição no Código Penal entre os delitos contra o patrimônio, como furto (CP, art. 155), dano (CP, art. 163), apropriação indébita (CP, art. 168) etc.

A partir da Lei Maria da Penha, que define a violência patrimonial como violência doméstica, quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal.

Não há mais como admitir a escusa absolutória e o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra a esposa ou companheira, ou, ainda, uma parente do sexo feminino.

Além de tais condutas constituírem crime, se praticados contra a mulher com quem o agente mantém vínculo familiar ou afetivo, ocorre o agravamento da pena (CP, art. 61, II, f).

Identificada como violência patrimonial a subtração de valores, direitos e recursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades da mulher, neste conceito se encaixa o não pagamento de alimentos. Deixar o alimentante de atender a obrigação alimentar, quando dispõe de condições econômicas, além de violência patrimonial, a omissão tipifica o delito de abandono material (CP, art. 244).

Não é necessário que o encargo alimentar esteja fixado judicialmente. Mesmo durante a vida em comum, sonegando o varão os meios de assegurar a subsistência da esposa ou da companheira, que não tem meios de prover a própria subsistência, além de violência doméstica o varão pratica o crime de abandono material.

 

3.5           Violência moral

Art. 7.º, V: a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra: calúnia (CP, art. 138), difamação (CP, art. 139) e injúria (CP, art. 140). São denominados delitos que protegem a honra, mas, quando cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência doméstica.

Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime. Na injúria não há imputação de fato determinado e na difamação há atribuição de fato ofensivo à reputação da vítima. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva.

A violência moral é sempre uma afronta à autoestima e ao reconhecimento social, apresentando-se na forma de desqualificação, inferiorização ou ridicularização. Diante das novas tecnologias de informação, internet e redes sociais a violência moral contra a mulher tem adquirido novas dimensões. São ofensas divulgadas em espaços virtuais e em redes sociais.

De modo geral, a violência psicológica e a violência moral dão ensejo a ação indenizatória por dano moral.

 

  1. Aspectos processuais

A Lei Maria da Penha acabou o calvário da vítima que, depois de fazer o registro da ocorrência na polícia, precisava procurar um advogado ou ir à Defensoria Pública, para que alguma providência fosse buscada por meio de ação proposta na Vara de Família. O único jeito de, por exemplo, ver afastado o agressor de casa era por meio de medida cautelar de separação de corpos, prevista na legislação processual anterior (CPC, art. 888, VI e CC, art. 1.562). Agora possível a concessão a título de tutela provisória (CPC-2015, arts. 294 a 299) ou como tutela de urgência (CPC-2015, arts. 300 a 302).

Ainda assim, por ser o registro de ocorrência documento produzido somente com informações da vítima – prova unilateral – havia resistência de alguns juízes em aceitá-lo para a concessão da medida liminar. Fora disso, para obter alimentos – quer para si, quer para os filhos – se fazia necessário o ingresso de uma ação de alimentos. Enquanto isso, não tendo para onde ir e nem como subsistir, depois de registrar a ocorrência, o único jeito era voltar para casa e aguardar a audiência perante o Juizado Especial Criminal. Ora, pressionada para confessar onde esteve, ao dizer que foi à polícia notificar a agressão, não é difícil imaginar-se o que ocorria. Por mais absurdo que possa soar, cabia a ela entregar a intimação ao seu algoz.

Com a Lei Maria da Penha tudo mudou. Comparecendo perante a delegacia, é assegurada à vítima proteção policial. Feito o registro de ocorrência, recebe informações sobre seus direitos. É colhido seu depoimento e tomado a termo a representação (LMP, art. 12). Requerida a adoção de medidas protetivas de urgência, cabe à polícia encaminhar o expediente à juízo, no prazo de 48 horas, acompanhado da cópia do boletim de ocorrência e do termo de representação.

A Lei Maria da Penha dispôs sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFM. Porém, de modo injustificado, não impôs sua implantação e nem estabeleceu prazo para que fossem instalados.

Apesar de determinada a criação, não há uma obrigatoriedade. No entanto, é obrigatória promover a adaptação de seus órgãos às diretrizes da lei (LMP, art. 36). O uso do tempo verbal no futuro tem sentido impositivo. Assim a expressão “promoverão a adaptação” evidencia ser a norma cogente.

Enquanto não implantados os JVDFMs, foi atribuída às Varas Criminais competência cível e criminal para conhecer e julgar a violência doméstica (LMP, art. 33). Estes juizados, no entanto, não tem competência para a execução das medidas que foram concedidas.

A Lei Maria da Penha definiu competências e determinou a aplicação subsidiária dos Códigos de Processo Civil e Processo Penal e dos Estatutos da Criança e do Adolescente – ECA e do Idoso – EI (LMP, art. 13).

Porém, não existe um rito para a apreciação das medidas protetivas de urgência. Com relação aos atos de violência doméstica que tipificam a prática de crimes, o rito está condicionado à natureza da pena. Tratando-se de delito com pena de reclusão, o rito é o comum (CPP, art. 394 a 405). O procedimento será o sumário quando a pena prevista é de detenção (CPP, art. 531 a 538). Os processos pela prática dos crimes dolosos contra a vida dispõem de rito e de juízo próprios, mas devem tramitar perante o JVDFM até a pronúncia. Depois é que serão remetidos à Vara do Júri.

As ações cíveis propostas pela vítima ou pelo Ministério Público, que trazem por fundamento a violência doméstica, assumem os procedimentos do Código de Processo Civil. Demandas especiais, como a ação de alimentos, por exemplo, preservam o procedimento previsto na lei própria.

A lei não prevê – mas deveria – que as demandas decorrentes da violência doméstica sejam protegidas pelo segredo de justiça. O CPC-2015 determina tal providência nas ações que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes (art. 189, II); bem como nas ações em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade (art. 189, III). Se não na primeira, ao menos na segunda previsão legal, justifica-se proteger da publicidade os procedimentos de tutela de urgência e as ações tanto cíveis como criminais que envolvem a violência familiar.

 

4.1           Competência

Os JVDFMs integram a justiça chamada de ordinária ou comum. Por isso é concedida tanto aos Estados como à União a possibilidade de criá-los (LMP, art. 14).

A alteração da competência é expressa, pois foi afastada a aplicação da Lei 9.099/95 quando o crime é praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher (LMP, art. 41). Apesar do uso da expressão “crime”, não há como sustentar que as contravenções penais continuem sob a égide dos Juizados Especiais Criminais. Descabido que os chamados delitos menores fiquem fora do juizado criado especialmente para atender a violência contra a mulher.

Foi delegada aos JVDFMs competência para o processo, julgamento e execução das ações cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (LMP, art. 14). Unem-se as competências em um só magistrado. A previsão de um juizado com competência tão ampla reforça a ideia de proteção integral à mulher vítima de violência, facilitando seu acesso à justiça ao permitir que o mesmo julgador tome ciência de todas as questões envolvendo o conflito: ação penal, separação de corpos, fixação de alimentos etc.

Cada episódio de violência doméstica pode gerar mais de um processo: incidente com pedido de medidas protetivas, ação penal e várias ações cíveis.

Registrada a ocorrência perante a autoridade policial, havendo requerimento de concessão de medida protetiva de urgência, o expediente deve ser enviado a juízo no prazo de 48 horas (LMP, art. 12, III). Dita providência não interfere na instauração do inquérito policial, que deve ocorrer de imediato. Em se tratando de fatos que dão ensejo à ação pública incondicionada, bem como na lesão corporal leve ou culposa, não há a necessidade de representação.

Nos delitos que dependem da iniciativa da vítima – representação ou queixa – manifestada esta quando do registro da ocorrência, é suficiente para o desencadeamento da investigação policial. No entanto, em face da possibilidade de ocorrer renúncia à representação (LMP, art. 16), de um modo geral, a polícia aguarda alguns dias – ou meses – para dar início às investigações.

O inquérito deve ser remetido a juízo em 30 dias, se o agressor estiver solto e no prazo é de 10 dias se o indiciado estiver preso (CPP, art. 10).

Nada impede que a vítima intente as ações cíveis que entender cabíveis. Quando o fundamento da demanda é a violência doméstica, a ação deve ser proposta no JVDFM e não nas Varas de Família.

É da competência dos JVDFMs: (a) a apreciação das medidas protetivas de urgência e sua execução; (b) o julgamento das ações penais decorrentes dos inquéritos policiais enviados à Justiça pela autoridade policial; e (c) o processo, o julgamento e a execução de ações ordinárias e cautelares, intentadas pela vítima ou pelo Ministério Público que tenham a violência doméstica como causa de pedir.

Havendo mais de um JVDFM na mesma comarca, o inquérito policial cabe ser distribuído ao mesmo juiz que apreciou o procedimento de medida protetiva. Ocorre prevenção (CPP, art. 83). Depois de cumprida a cautela deferida liminarmente, o procedimento deve ser apensado ao inquérito quando ocorrer a remessa ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia.

Nos incidentes de medida protetiva de natureza cível, a vítima tem a prerrogativa de eleição de foro (LMP, art. 15). Somente na hipótese de a vítima não ter se manifestado, a competência é fixada pela regra geral. Da medida protetiva, a competência é a do domicílio do agressor. No processo criminal é a do local do fato (CPP, art. 70). Assim pode não haver coincidência de comarcas entre o procedimento de medida protetiva de urgência e a ação penal. Porém, isso não leva nem à prevenção e nem à prorrogação da competência quer do procedimento quanto a medida protetiva, quer da ação penal. Não cabe redistribuir o expediente da medida protetiva ao juizado em que tramita a ação criminal.

A competência do JVDFM é para o processo, o julgamento e a execução não só das medidas protetivas, mas também dos processos criminais. O inquérito policial envolvendo violência doméstica é encaminhado ao JVDFM, mesmo que não requerida medida protetiva de urgência. Somente na hipótese de o agressor dispor de foro privilegiado por prerrogativa de função – competência ratione personae – o julgamento das ações criminais desloca-se para o órgão que deve julgá-lo, circunstância que se sobrepõe ao foro do local do fato.

Igualmente as ações cíveis intentadas pela vítima ou pelo Ministério Público, que tenham por fundamento a ocorrência de violência doméstica, serão julgadas nos JVDFMs. De modo para lá de desarrazoado o CPC-2015 não mais assegura à mulher foro privilegiado. Nas ações de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável, a competência é do último domicílio do casal (art. 53 I, letra “b”). Mas, em sede de violência doméstica persiste a prerrogativa de eleição de foro (LMP, art. 15).

Para que as demandas cíveis sejam apreciadas nos JVDFMs, basta que a causa de pedir seja a prática de ato que configure violência doméstica. Não é necessário que tenha havido registro de ocorrência, pedido de medidas protetivas, desencadeamento de inquérito policial ou instauração da ação penal para garantir a competência destes juizados especializados.

 

4.2           Medida protetiva de urgência

Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medida protetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar a sua origem. As medidas também podem ser requeridas pelo Ministério Público ou a pedido da própria ofendida, por meio de advogado ou de defensor público (LMP, art. 19). E mais. Pode o juiz, de ofício, conceder as medidas protetivas de urgência que entender necessárias (LMP, art. 22, § 1.º).

Na distribuição, devem ser certificados os antecedentes criminais do agressor, a existência de outras medidas protetivas e de eventuais ações cíveis ou de família envolvendo as partes. A presença de procedimentos anteriores gera prevenção do juízo, pois de todo recomendável que o mesmo magistrado fique vinculado às demandas cuja causa de pedir é a mesma.

Ao receber o expediente, o juiz precisa atentar ao fato de que o pedido de providências foi levado a efeito perante a autoridade policial. Assim, não há como exigir que estejam atendidos todos os requisitos de uma petição inicial, de um inquérito policial ou de uma denúncia. Às claras que haverá ausência de peças, falta de informações e de documentos. Mas isso não é motivo para indeferir o pedido ou arquivá-lo. Cabe a ele determinar as provas necessárias (CPC-2015, art. 370). Como não se está diante de processo crime, o Código Processual Civil tem aplicação subsidiária (LMP, art. 13). Flagrada a existência de situação merecedora de tutela, o juiz deve conceder as medidas que entender necessárias para garantir o fim da situação de violência. Deferida medida que obrigue o ofensor, a vítima deve ser intimada pessoalmente (LMP, art. 21).

A vítima não pode ser a portadora da notificação ao agressor (LMP, art. 21, parágrafo único), mas a Lei não identifica a forma de proceder às intimações. Não há necessidade de serem levadas a efeito por oficial de justiça. O correio desempenha bem o papel certificatório. Também a intimação das partes cabe ser feita por carta, que não necessita ser registrada com aviso de recebimento – AR, já que a lei não faz tal exigência.

O magistrado tem o prazo de 48 horas para apreciar a liminar (LMP, art. 18): pode deferir ou indeferir o pedido, como também pode designar audiência de justificação. As medidas protetivas serão acolhidas ou rejeitadas de plano, sem necessidade de prévia ciência ao Ministério Público (LMP, art. 19, § 1.º). Depois da decisão liminar, é que cabe ser intimado o promotor (LMP, arts. 18, III).

Da decisão que conceder ou denegar a medida protetiva são intimados: a ofendida, seu procurador ou o defensor público que atua na vara. Após, é aberta vista ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis (LMP, arts. 18, III, 19 e § 3.º).

Indeferido o pedido liminar, quando de sua intimação, a vítima deve ser encaminhada à Defensoria Pública, caso não esteja representada por advogado. Denegado o pedido, não havendo qualquer manifestação quer da ofendida, quer do Ministério Público, decorrido o prazo recursal, o expediente é arquivado. Aportando a juízo nova medida protetiva, inquérito policial ou ação cível, cujo fundamento é a violência doméstica, de ofício, a requerimento de qualquer das partes ou do Ministério Público, o expediente pode ser desarquivado e apensado às novas demandas.

O magistrado não está adstrito às medidas protetivas requeridas pela ofendida (LMP, art. 12, III, 18, 19 e § 3.º) ou pelo Ministério Público (LMP, art. 19 e seu § 3.º). Atendendo ao critério de conveniência, pode determinar o que entender de direito para garantir a segurança da vítima. De ofício pode conceder novas medidas, rever as anteriormente concedidas ou substituí-las por outras. Tal não implica em transbordamento dos limites do pedido ou afronta ao princípio da demanda, não se podendo falar em decisão ultra ou extra petita, pois vigora o princípio da fungibilidade das cautelares. Dita possibilidade não conflita com a prerrogativa que a lei assegura à vítima de requerer, perante a autoridade policial, as medidas que desejar (LMP, art. 12, III).

Mas somente quando é buscada a tutela de urgência pela vítima se justifica a imposição de medidas outras, por determinação judicial ou a pedido do Ministério Público. Desencadeado o procedimento pela iniciativa da ofendida, para dar efetividade à proteção pretendida por ela, é que o juiz e o promotor têm o dever – não a faculdade – de agir. Qualquer deles pode requisitar o auxílio da força policial (LMP, art. 22, § 3.º).

Informada a autoridade policial do descumprimento da medida deferida, compete-lhe tomar as providências legais cabíveis (LMP, art. 10, parágrafo único). O juiz pode decretar a prisão preventiva do agressor (LMP, art. 20 e CPP, art. 313, IIII).

Ao deferir a medida protetiva, o juiz pode fixar prazo para sua vigência. Por exemplo, não pode se eternizar a proibição temporária para celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial (LMP, art. 24, II). No entanto, quando se tratar do afastamento do agressor do lar, mesmo que esta seja a moradia comum, não há como impor limitação temporal à medida que dispõe de caráter satisfativo.

 

4.3           Audiência de justificação

Não formando a convicção da necessidade ou pertinência da medida protetiva pleiteada pela mulher perante a autoridade policial, ao invés de indeferir o pedido e extinguir o procedimento, é facultado ao juiz designar audiência de justificação. Como é autorizada a concessão da medida protetiva independentemente de audiência, tal significa que o juiz pode determinar sua realização (LMP, art. 19, § 1.º). Mas é preciso que a solenidade seja realizada dentro do menor prazo possível, até porque se está em sede de tutela de urgência.

A vítima deve ser intimada pessoalmente e cientificada da possibilidade de trazer testemunhas para serem ouvidas. Comparecendo desacompanhada de advogado, é indispensável a nomeação de um defensor (LMP, art. 27). Para a solenidade, é impositiva a intimação do Ministério Público.

A audiência pode ser realizada inaudita altera parte, isto é, sem que agressor seja intimado. Nada impede que seja intimado, mas deve haver o cuidado de evitar o contato das partes nos corredores do fórum. Normalmente o juiz ouve antes a vítima e, se ela concordar, o agressor é convidado a ingressar na sala de audiência. A quem estiver desacompanhado de advogado o juiz indica um defensor. Realizado acordo, pode ser decretado o divórcio ou a dissolução da união estável, definidos alimentos e o direito de convivência com os filhos. A partilha de bens não é obrigatória (CC, art. 1.581). A decisão homologatória de autocomposição judicial ou  extrajudicial, de qualquer natureza, constituem título executivo judicial (CPC-2015, art. 515, II e III).

Não sendo deferida qualquer medida protetiva e nada sendo requerido pelo promotor, decorrido o prazo recursal, o expediente é arquivado. No entanto, reconhecendo o magistrado que a situação jurídica do casal merece ser definida, mesmo que não conceda medida protetiva, deve determinar o encaminhamento da vítima ao serviço de assistência judiciária (LMP, art. 18, II).

Cumprida a medida protetiva, o procedimento é arquivado. Oportunamente, deve ser apensado ao inquérito policial quando este aportar na justiça.

 

4.4           Audiência de conciliação

Após apreciar o pedido liminar, deferida ou não a medida protetiva, apesar de não previsto na lei, é cabível – e até recomendável – que o juiz designe audiência conciliatória, até porque decidiu sem ter ouvido o agressor e o Ministério Público. Essa providência é salutar principalmente quando o procedimento envolve questões de Direito das Famílias. Claro que a finalidade não é forçar a reconciliação do casal ou induzir a vítima a desistir da representação (LMP, art. 16).

Trata-se de salutar tentativa de solver consensualmente temas como o direito de convivência com os filhos, a definição dos alimentos etc. Para a audiência, são intimados a vítima, o ofensor e o Ministério Público (LMP, art. 25). As partes devem estar assistidas por advogado ou defensor público (LMP, art. 27).

A decisão homologatória de autocomposição judicial ou extrajudicial, de qualquer natureza, constituem título executivo judicial (CPC-2015, art. 515, II e III). A sua execução segue o rito do cumprimento da sentença (CPC-2015, art.513). O pedido é formulado perante o próprio JVDFM, que detém competência não só para o processo, mas também para a execução das causas decorrentes da prática da violência doméstica (LMP, art. 14).

Sem êxito a tentativa conciliatória, permanece hígido o decidido em sede liminar. Deferidas ou não medidas protetivas, na hipótese de as partes não se reconciliarem e sem que tenha havido qualquer tipo de composição sobre questões de ordem familiar, a vítima deve ser orientada a procurar os seus direitos, por meio de seu advogado ou da Defensoria Pública (LMP, art. 28).

Deferida a medida requerida – liminarmente ou na audiência – por decisão judicial ou por acordo, decorrido o prazo recursal, o incidente é arquivado. A transação eventualmente levada a efeito, mesmo solvendo todas as questões geradoras do conflito entre as partes, não implica em renúncia à representação (LMP, art. 16). Tampouco é obstáculo ao prosseguimento do inquérito policial e instauração do processo crime.

O incidente buscando a concessão de medidas protetivas não se exaure com o deferimento do pedido ou com a sua rejeição. Indeferido o pedido quer liminarmente, quer após audiência de justificação ou até depois da audiência conciliatória, a requerimento da ofendida, pode ser determinado o seu prosseguimento, seguindo as regras do Código de Processo Civil.

Concedida ou negada a medida protetiva é possível prosseguir com a ação nos autos do incidente, sem exigir-se o atendimento de todos os requisitos de uma petição inicial. Esta peça é substituída pelo pedido de providência encaminhado pela autoridade policial. O procedimento é o comum (CPC-2015, art. 318 e ss.). No entanto, havendo pedido de alimentos, o rito é o especial previsto na Lei de Alimentos (Lei 5.478/68). A execução dos alimentos dispõe de procedimento próprio, quer se trate de cumprimento de sentença (CPC-2015, arts. 528 a 533), que seja fundada em título executivo extrajudicial (CPC-2015, arts. 911 a 913). Pretensões outras, dotadas de procedimento próprio, devem ser processadas segundo as regras específicas.

Essa possibilidade de o juiz transformar o pedido de medida protetiva em ação existe somente em sede dos JVDFMs. Enquanto os incidentes tramitarem perante as Varas Criminais, após a apreciação do pedido liminar, mesmo realizada audiência de justificação, o expediente deve ser encaminhado à Vara de Família. Neste juízo é que, atendendo a requerimento de qualquer das partes ou do Ministério Público, pode o magistrado admitir que o incidente tenha prosseguimento como ação.

Insurgindo-se a vítima ou o agressor contra a medida protetiva que foi ou negada ou concedida, ambos dispõem das vias recursais. O órgão julgador é identificado pela natureza da medida deferida ou rejeitada.

 

4.5           Retratação à representação

A vítima tem a faculdade de renunciar à representação, que apresentou perante a autoridade policial (LMP, art. 16). Tal possibilidade só existe nas ações condicionadas à representação e na hipótese de lesão corporal leve.

Para ter certeza de que a vítima não está agindo sob coação do agressor, a representação tem que ser levada a efeito, em juízo, em audiência designada para tal fim, na qual deve estar presente também o promotor.

Caso o pedido de desistência da representação seja levado a efeito, por petição firmada pela vítima ou por seu procurador, junto a polícia, o requerimento deve ser encaminhado ao juiz que designa audiência para a ouvida da ofendida.

Caso a vítima compareça ao cartório, comunicando pessoal e oralmente a intenção de se retratar, o escrivão deve certificar a manifestação e comunicar de imediato ao juiz, que designa audiência, dando ciência ao Ministério Público.

Encontrando-se o magistrado nas dependências do fórum, a audiência pode ser realizada de imediato. Homologada a retratação, é comunicada à autoridade policial para que arquive o inquérito, por ter ocorrido extinção da punibilidade.

Não comparecendo a vítima à audiência de retratação, persiste o procedimento, sendo incabível sua extinção.

Mesmo que seja feito acordo solvendo todas as questões geradoras do conflito como alimentos, direito de convivência com os filhos, e partilha de bens, para desistir da representação, é indispensável que a mulher seja ouvida pelo juiz e pelo Ministério Público e sem a presença do varão.

Manifestando a vítima, na audiência preliminar, a intenção de se retratar e desistir da representação, deve o juiz conduzi-la a outro recinto ou determinar a retirada do agressor da sala. Confirmando ela o desinteresse em ver o réu processado, o juiz homologa o pedido e comunica o fato à autoridade policial para pôr fim ao inquérito.

Em hipótese nenhuma o agressor deve estar presente na audiência de retratação. Caso se encontre no recinto do fórum, não poderá adentrar na sala. Para a solenidade, nem ele, nem seu defensor cabem ser intimados.

Havendo a reconciliação do casal e informando a vítima o interesse de se retratar, o juiz deve designar audiência para ouvi-la na presença do Ministério Público.

Ainda que não mais exista interesse da vítima em processar o seu agressor, quando se trata de delito que desencadeia ação pública incondicionada, a retratação não enseja o arquivamento do inquérito policial. Cabe ao Ministério Público oferecer denúncia.

 

Publicado em 06/07/2016.

[1] Advogada

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM