Uma mudança a favor do casamento!

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Acaba de entrar em vigor a Emenda Constitucional nº 66/2010 que afasta a injustificável intervenção do Estado na vida pessoal e afetiva das pessoas. Até agora a separação, ainda que consensual, só podia ser obtida depois de um ano do casamento. A separação litigiosa dependia da identificação de culpados e exclusivamente o “inocente” tinha legitimidade para ingressar com a ação. Depois de ultimada a ação de separação – o que podia demorar anos – era preciso aguardar um ano para converter a separação em divórcio. E, para ser buscado o divórcio direto havia a necessidade de aguardar o decurso do prazo de dois anos depois do fim da vida em comum.

Tais limitações nunca tiveram qualquer sentido. Afinal, todo mundo sempre foi livre para casar, mas não para sair do casamento. A obrigatória identificação de um culpado na ação de separação para depois ocorrer sua transformação em divórcio tornou-se um verdadeiro calvário imposto a quem só desejava ter assegurado o direito de sair de um relacionamento. Aliás, causa, existe somente uma para a separação: o fim do amor! E é de todo descabido tentar imputar a somente um a responsabilidade pelo fim do sonho do amor eterno.

A alteração é significativa e para lá de salutar, pois atende ao princípio da liberdade e respeita a autonomia da vontade. Nada, absolutamente nada justifica impor a alguém a obrigação de manter-se casado. Nem as obrigações decorrentes do poder familiar exigem que os pais vivam sob o mesmo teto, muitas vezes em um clima de tanta beligerância muito mais nocivo aos filhos. Também não se pode dizer que a salutar novidade venha a banalizar os “sagrados” laços do matrimônio. Não, ao contrário. Em face da enorme dificuldade de pôr um fio ao casamento a opção passou a ser a união estável, pois não há a necessidade da intervenção estatal nem prazos ou identificação de culpas para se dissolver.

Os processos de separação, muitas vezes, se arrastavam por anos, com enormes prejuízos ao par e principalmente aos filhos. Previsíveis os danos emocionais e afetivos ao tomarem conhecimento que um dos seus genitores foi declarado culpado. Claro que o sabor de vitória do “vencedor” leva-o a desconstruir a imagem do outro, perante a família e a própria sociedade. Parece que ninguém se dá conta que todos perdiam.

Ainda que a alteração passe a vigorar desde já, cabe preciso lembrar que o divórcio não passou a ser instantâneo, dando margem ao tão propalado período de reflexão. Afinal, mesmo que haja consenso, não existam filhos menores e seja eleita a via extrajudicial, é preciso constituir advogado. Depois o pedido é encaminhado ao tabelião que ouve os cônjuges e, inclusive, tem a possibilidade de não lavrar a escritura caso constate dúvidas ou inseguranças.

De qualquer modo, mesmo que haja arrependimento, sempre existe a possibilidade da reconciliação e de um novo casamento, que tem uma simbologia muito mais romântica.

Assim, muitos são os ganhos com a mudança. Além de desafogar o Poder Judiciário, acaba com prazos e elimina anos de conflitos, espancando definitivamente a culpa do âmbito do Direito das Famílias. Mas talvez o grande mérito seja aumentar a responsabilidade de quem opta pelo casamento. Afinal, o investimento de cada um tem que ser maior, pois não mais existe obrigação de sua permanência além do comprometimento afetivo.

Por tudo isso o melhor é chamar a “emenda do casamento”. Agora casar impõe muito mais responsabilidades a quem quer ser feliz para sempre.

 

 

 

Publicado em 24/07/2010.

 

 

 

[1] Advogada