Um sonho que todos têm o direito de sonhar.
Maria Berenice Dias
Clara Nunes tem uma música em que canta a alegria, o futuro, a vida.
Questiona o que será o amanhã e diz que será feliz, muito feliz!
Bom seria que todos assim conseguissem viver.
Não só apostando no futuro, mas fazendo algo hoje para que o sonho de felicidade se materialize.
Um sonho que todos têm o direito de sonhar.
Claro que é fácil, muito fácil, tentar se acomodar, esconder a própria orientação sexual ou identidade de gênero e reclamar do azar de ser diferente.
O primeiro sentimento é de rejeição a algo que insiste em se manifestar, apesar de todas as rezas, promessas e tentativas de ser igual a todos os demais.
Instala-se a chamada homofobia internalizada.
Simplesmente é não querer ser quem aprendeu a rejeitar: aquela pessoa vista com desdém, alvo da chacota generalizada e a personagem principal de todas as piadas.
Difícil aceitar que, para todo sempre, será considerado uma verdadeira aberração da natureza!
Por isso o mais complicado é assumir uma postura proativa, nem que para isso tenha que se expor, sujeitando-se a todo o sofrimento que tal postura pode ensejar.
Sair da invisibilidade – o que muitos chamam de sair do armário – precisa muita coragem.
A começar por vencer o medo de colocar à prova o tão proclamado amor incondicional dos pais.
Será que eles me amam de verdade ou amam a pessoa que eles gostariam que eu fosse e não sou?
E se souberem que não copiei o modelo de filho que eles idealizaram para mim?
Daí a necessidade de revelar quem é – ou quem não é!
Quase para pôr à prova o quanto eles amam o filho ou quanto repudiem o fato de ele,ter caído longe do pé.
Mas o medo não é só da rejeição da família.
E na escola?
E no trabalho?
E entre os vizinhos?
E diante os amigos que passam a vida ridicularizando as pessoas que habitam o universo LGBTI?
O temor é que todas as portas se fechem.
Que seja expulso de casa, vítima de bullying no colégio, de assédio moral no trabalho e que os amigos se afastem.
Enfim, que se veja sozinho, sem ter um teto para morar, como estudar, onde trabalhar e sem ter ninguém com quem compartilhar todas estas desgraças, pelo só fato de resolver mostrar que é quem não escolheu ser.
E é esta caminhada que precisa ser empreendida.
Não há como transformar o mundo sem, primeiro, transformar a si mesmo.
Aceitar quem se é.
Aprender a amar a si mesmo.
E se impor perante todos: família, amigos, ambiente escolar e profissional.
Não há outra forma.
E este é um caminho sem volta.
É indispensável ocupar um espaço seu.
Assegurar o direito de viver a própria vida.
Se igual ou diferente, pouco importa.
O bom é que muitas pessoas já começaram a empreender esta caminhada.
E, no andar, acabaram angariando simpatia, respeito, reconhecimento.
Mas agir é preciso.
É a única maneira de se conquistar a tão almejada liberdade.
De ver assegurado o direito à igualdade, que nada mais é do que o respeito à diferença.
Sem isso não dá para dizer que se vive uma democracia, em que todos são iguais.
Não se está vivendo em um estado chamado democrático de direito.
Não há respeito à dignidade humana, princípio norteador do mundo civilizado.
A busca pelo cumprimento de todo este punhado de princípios assegurados constitucionalmente não pode ser uma luta empreendida somente por quem é “diferente”.
É muito mais uma compromisso de quem se considera “normal”, ou seja, vive segundo as normas, o modelo que todos acreditam ser imposto a todos.
Mas o compromisso maior é do Estado.
Por mais piegas que possa parecer, assegurar estes direitos e garantias a todos, nada mais é do que cumprir com o seu dever de promover a felicidade.
E ninguém pode ser feliz se houver alguém ao seu lado que não tenha assegurado igual direito.
Este é o maior significado do dever de solidariedade: colocar-se no lugar do outro.
Ter sensibilidade de sofrer a sua dor.
Esta é a essência da cidadania: todos com iguais oportunidades de ter garantido o direito a ser feliz.
Só assim poderemos cantar com Chico Buarque: manhã será outro dia!
Publicado em 23/08/2014.