Quando a vítima é o bolso.

Maria Berenice Dias[1]

Não há como quantificar. Quer porque os números são subnotificados. Quer porque não existe um banco de dados oficiais com informações sobre sua prática, medidas protetivas aplicadas ou condenações levadas a efeito.

Apesar de ser um fenômeno universal, é possível afirmar – sem medo de errar – que a violência doméstica contra a mulher é o crime mais praticado no país.

Inclusive dá para dizer que se trata de um crime com sujeitos passivos totais. A vítima não é somente a mulher e seus filhos. A agressão atinge a economia do país. Compromete significativa parcela do Produto Interno Bruto (PIB). Traz reflexos no mercado de trabalho pelo número de dias não trabalhados. Aumenta em muito os custos do Sistema Único da Saúde (SUS), que já tem uma saúde tão combalida. Sem contar com a necessidade de manter todo o aparato estatal para dar segurança e proteção à vítima, além de subsidiar políticas públicas para incentivá-la a sair do ciclo da violência.

Ou seja, a violência só tem o nome de doméstica, uma vez que agride a todas as pessoas.  Lesiona a própria sociedade, que acaba arcando com os ônus de uma cultura ainda tão machista e sexista.  Este é um mal que só a educação poderá reverter. Tarefa, no entanto, que se avizinha cada vez mais distante em face do panorama atual que prega um descabido conservadorismo reacionário.

O Brasil resistiu a atentar a essa verdadeira tragédia. A legislação só chegou no ano de 2006, por imposição internacional.  A Lei Maria da Penha, considerada uma das melhores do mundo, determinou a implementação de 41 providências a serem adotadas nas esferas federal, estaduais e municipais e por todas as entidades públicas.

Claro que a maioria delas ainda não saiu do papel.  Mas reiteradamente a Lei vem sendo objeto de ajustes na tentativa de dar-lhe mais efetividade.

A mais recente alteração (Lei 1.3871, de 17/09/2019), impõe ao agressor o dever de ressarcir não só a vítima, mas o próprio SUS de todos os custos relativos aos serviços de saúde para o tratamento dispendido para o seu tratamento.

Vai além. Atribui a ele a obrigação de pagar os dispositivos de segurança utilizados para proteção da vítima e seus familiares. E faz uma salutar ressalva: o ressarcimento não pode comprometer o patrimônio da mulher ou de seus dependentes.

Claro que não se trata do retorno ao odioso sistema que convertia a violência em pena pecuniária.

Não. Explicitamente é feita tal ressalva: o ressarcimento não configura atenuante e nem autoriza a substituição da pena aplicada.

Quem sabe esta seja a arma mais poderosa no combate à violência contra a mulher, ao atingir o lado mais sensível do homem: o seu bolso!

 

Publicado em 02/10/2019.

[1] Advogada, Vice Presidente Nacional do IBDFAM.