Otimizar o quê?

A tentativa de atribuir aos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher competência para as demandas referentes aos vínculos de parentalidade.

 

Maria Berenice Dias[1]

 

Cabe lembrar que a Lei Maria da Penha foi editada em face da demora do Brasil em penalizar a violência doméstica contra quem acabou dando nome à Lei.

Ainda que se possa dizer que é uma lei híbrida, sua finalidade é proteger a vítima, concedendo-lhe medidas protetivas e punindo criminalmente o seu agressor. Trata-se de uma lei predominantemente penal, tanto que, até a criação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, é atribuída competência às Varas Criminais (art. 33).

Claro que no contexto das relações familiares os conflitos não se restringem a questões na órbita do Direito Penal. Transbordam para o âmbito do Direito das Famílias.

Mas nem por isso é possível atribuir aos Juizados o encargo de solver as questões que decorrem da relação de parentalidade.

As razões são de toda ordem.

Primeiro. Todos sabem que, nem sempre as vítimas que formalizam uma denúncia de violência doméstica desejam se divorciar. Elas querem é que as agressões cessem.

Ao depois, diante da iniciativa da vítima de procurar “a polícia”, muitas vezes o agressor percebe que precisa mudar suas atitudes, o que frequentemente leva à reconciliação do casal.

Além disso, os juízes que atuam com a violência doméstica têm tal sobrecarga de atividades que é impraticável delegar-lhes encargos que fogem de sua competência. Até porque, cada registro de violência doméstica gera dois procedimentos: o pedido de medida protetiva – que impõe apreciação imediata – e o inquérito policial, que desencadeia uma ação penal. Isso sem contar que o juiz deve presidir as audiências de acolhimento e verificação, de retratação à representação e de custódia, sem contar as audiências do processo criminal.

Fora isso há que se atentar ao vertiginoso aumento dos índices de violência doméstica em decorrência de uma pandemia que castiga o país há mais de um ano, sem prazo para acabar.

Já se revelou descabido atribuir ao juízo da violência doméstica a apreciação das ações de divórcio e dissolução da união estável (art. 14-A), matéria afeita, com exclusividade, às Varas de Família.

Agora, sem qualquer preocupação com o propósito da própria Lei Maria da Penha, surge o PL 3.244/2020, que atribui aos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher competência para apreciar as questões referentes aos filhos, como alimentos, regime de convivência e reconhecimento de paternidade. Além da ausência de identidade de partes, sabidamente são demandas que se prolongam no tempo, pois exigem audiência de conciliação, ouvida de testemunhas, além de, muitas vezes, a realização de perícias e estudos psicossociais.

Deste modo, a tentativa de evitar que a vítima reviva sentimentos negativos decorrentes do trauma sofrido, ao consagrar o princípio da identidade física do juiz, nada irá otimizar. Somente fará o Brasil retroceder ao tempo em que a violência doméstica  não recebia a devida atenção, como vem ocorrendo agora.

 

 

Publicado em 14/04/2021.

[1] Advogada

Vice Presidente Nacional do IBDFAM