Os princípios da lealdade e da confiança na família

Maria Berenice Dias[1]

 

O sonho de felicidade se concretiza em pares. Até parece que ninguém é feliz sozinho. Existe um desejo de plenitude que depende da convivência a dois. Como diz a música: é improvável, é impossível ver alguém feliz de fato sem ter alguém para amar!

O sentido de completude do ser humano é depositado no outro. Quem começa um relacionamento visa a sua perpetuidade. Afinal, todos querem ser felizes para sempre. Fora isso, não há como duvidar da sinceridade de quem promete amar, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separe. É mais do que certo que um deposita no outro a esperança de uma vida plena de felicidade. O amor gera a expectativa de que a união nunca vai acabar. As juras de amor eterno são promessas de lealdade, fidelidade, que dão a certeza de respeito mútuo durante toda uma existência a dois.

Não é por outro motivo que a lei impõe o dever de fidelidade no casamento (CC 1.566, I) e o dever de lealdade na união estável (CC 1.724). Os deveres de fidelidade e de lealdade cristalizam tanto o princípio da boa fé objetiva, como o da proibição de comportamento contraditório, que compõem a tutela da confiança. Nada mais do que a consagração do princípio nemo potest venire contra factum proprio¸ ou seja, a imposição da uma atuação refletida, um agir pensando no outro, uma  postura de lealdade, sem abuso. Este conceito, ainda que construído no campo obrigacional, não é diferente das expectativas que permeiam os vínculos afetivos.

Mas de nada adianta a imposição de deveres sem a previsão de alguma sequela no caso de inadimplemento. Na união estável, não há previsão de qualquer pena pelo descumprimento do dever de lealdade. Consequências existem somente quando há falta aos deveres do casamento. A declaração de culpa pela separação pode levar à perda do nome de casado (CC 1.578), bem como à redução do valor dos alimentos (CC 1.694, §2º). Mesmo assim, a identificação de um culpado vem sendo desprezada pela jurisprudência em respeito aos princípios da privacidade e da intimidade.

A tutela da confiança e da lealdade não estão consagrados modo expresso nem na carta constitucional e nem a lei civil, mas nem por isso se pode reconhecer que não integram o sistema jurídico. Já há doutrina consolidada no país que foi recolher na legislação estrangeira e na lição dos juristas alienígenas os subsídios para uma nova leitura das expectativas geradas pelo jeito de agir. Descortina-se um novo horizonte do qual não podem ser alijadas as relações familiares. Aliás, não há campo onde a lealdade tenha relevo maior. Cada vez mais cresce o significado da responsabilidade civil e a proteção da expectativa gerada a partir do comportamento inicial.

 

 

Publicado em 13/06/2010.

 

 

 

[1] Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

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