Os dilemas do amor

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Do amor materno ninguém duvida. Os poetas proclamam que mãe desdobra fibra por fibra o coração, padece no paraíso. Inclusive há quem diga que se trata de um amor tão irrestrito, tão sem limites, que se chega a falar em instinto maternal.

Agora, diante do direito de concorrência sucessória, mais uma vez o amor de mãe é colocado à prova.

Como o amor não tem mais idade – e, felizmente, as mulheres podem assumir relacionamentos com pessoas bem mais jovens do que ela, sem gerar desconfianças e uma comoção social – surge mais um dilema.

Quem casa com alguém mais jovem, claro que há o risco de falecer antes do que o outro. Nessa hipótese, o viúvo terá direito a uma fração dos bens da mulher, ainda que tenha ela filhos. O pior, os bens a que terá direito o cônjuge sobrevivente, não são os adquiridos durante o casamento, mas os que a falecida tinha antes de casar; recebeu por doação ou venha a herdar. Talvez seja este o motivo de os filhos rejeitarem o casamento de seus pais com pessoas na flor da idade. É que, mesmo sendo herdeiros necessários e os primeiros figurantes da ordem de vocação hereditária, não receberão a integralidade da herança.

Mas há uma saída. O jeito é casar com alguém rico, mais velho e, de preferência doente, caso em que caberá à esposa, a título de direito concorrente, uma fração dos bens particulares do marido. E, quando ela falecer, o que ela recebeu passará aos seus filhos.

Para que tal ocorre são necessários alguns cuidados. Nenhum dos cônjuges pode ter mais do que sessenta anos, caso em que o regime será o da separação obrigatória de bens. Também indispensável que seja adotado o regime da comunhão parcial. Mas isso é fácil, basta não fazer pacto antenupcial.

Agora não mais vigora a regra que rege o regime da comunhão parcial: o que é meu é meu; o que é teu é teu; e, o que é nosso, metade de cada um. O silêncio dos noivos, que significa aceitação deste arranjo de ordem patrimonial, só vigora em caso de separação ou de divórcio. Se a dissolução do casamento decorre da morte, a regra prevalece. Todo mundo diz que, quem casa pelo regime da comunhão parcial, parte do patrimônio particular cabe ao cônjuge a título de direito concorrente, ainda que o falecido tenha herdeiros necessários: descendentes ou ascendentes. Mas há mais. Quando falecer o viúvo, o que ele recebeu a este título, não retorna aos enteados e nem ao sogro ou sogra. Passa aos seus herdeiros: seus filhos, seus pais,  o novo cônjuge ou companheiro. Mesmo não existindo quaisquer dessas personagens, a herança vai para os parentes colaterais. Algum primo distante, quem sabe. E, se não existir qualquer herdeiro, os bens do falecido, que pertenciam ao ex-cônjuge, são recolhidos como herança  jacente e se tornam bens públicos. São entregues ao município onde se situam.

Deste modo, mais um dilema é desnecessariamente imposto a quem só quer ter o direito de amar. Quem tem bens e filhos não pode casar, a não ser que o noivo tenha mais de sessenta anos. A única vantagem é que, na hora de escolher um par, a melhor maneira de assegurar o futuro dos seus familaires, o jeito é escolher alguém que tenha patrimônio e não tenha mais do que sessenta anos. Nem importa se tem filhos ou pais. A saúde frágil é uma qualidade a considerar pois dá mais segurança de que irá falecer antes. Neste caso, a viúva recebe parte do patrimônio, que o falecido tinha antes de casar. Divide com os herdeiros necessários os bens particulares e, com isso, garante o futuro dos parentes seus. Afinal, quando morrer, tudo o que recebeu ficará para os seus filhos, seus pais, ou quem sabe até para algum primo distante.

É, os dilemas do amor agora envolvem questões de outra ordem!

 

 

Publicado em 20/04/2009.

[1] Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

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