Omissão que mata

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Pontes de Miranda, o nosso jurista maior, diz que a lei carimba um fato, atribuindo-lhe uma consequência jurídica. Grosso modo esta é a função do legislador: apreender um fato social, o transformar em uma norma jurídica e prever uma sanção para o caso de descumprimento.

Portanto, as leis servem de norte de como as pessoas devem agir. Criam pautas de conduta, modelos de comportamentos que irão reger a vida em sociedade. Este é o significado maior da atividade legiferante.

Mas o sistema legal precisa contemplar todos os segmentos sociais, não só os que são compostos por um número maior de cidadãos. Como as minorias são mais vulneráveis, precisam da especial proteção do Estado. Sem uma atenção diferenciada tornam-se alvo da rejeição por parte da maioria. Por isso é indispensável a adoção  das chamadas ações afirmativas.

Dos segmentos minoritários, gays, lésbicas, bissexuais travestis e transexuais são as maiores vítimas da exclusão social, do preconceito e da discriminação. Ainda assim, projetos que busquem atender a esta parcela de cidadãos acabam não interessando ao legislador. Ora, como apresentar uma lei? Como votar a favor? Como se manifestar em prol de projeto de lei que tutele o interesse dos LGBT? Tal pode desagradar o eleitorado, comprometer a reeleição. E pode haver o risco de ser rotulado de homossexual.

O lado mais perverso desta omissão é que manifestações homofóbicas, por não serem reconhecidas como crime, asseguram a impunidade, o que acaba incentivando a prática de crimes de ódio.

Daí o enorme significado da mobilização não só dos movimentos sociais, mas da própria sociedade para dar um basta à invisibilidade. A Ordem dos Advogados do Brasil assumiu este compromisso e elaborou o Estatuto da Diversidade Sexual. Trata-se de projeto de lei que assegura os direitos que vem sendo reconhecidos pelo Poder Judiciário, criminaliza a homofobia, estabelece politicas públicas e propõe a alteração da legislação infraconstitucional. As emendas constitucionais propostas pela OAB já se encontram em tramitação no Congresso Nacional.

Para ter mais força, maior representatividade, vencer a injustificável resistência do legislador o ideal é apresentar o Estatuto da Diversidade Sexual por iniciativa popular.  Mas para isso é necessária a adesão de um por cento do eleitorado brasileiro, algo em torno de um milhão e 400 mil assinaturas.

Assim, é indispensável o compromisso de todos os cidadãos, independente da sua orientação sexual ou identidade de gênero. A maioria mobilizando-se para ver assegurada à parcela mais vulnerável da sociedade todos o direito à cidadania, o direito à vida.

Se é da essência da democracia o respeito à liberdade e à igualdade, todos precisam lutar pela garantia da dignidade de cada um.

 

Publicado em 09/09/2012.

 

 

 

[1] Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB Nacional

www.estatutodiversidadesexual.com.br