O reconhecimento do direito à diferença

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Em um Estado democrático de direito, todos são merecedores da tutela jurídica. É o que diz a Constituição Federal ao consagrar os princípios da liberdade e da igualdade e proclamar respeito à dignidade da pessoa humana. Já no seu preâmbulo, assegura uma sociedade pluralista e sem preconceitos. Também garante, como um dos objetivos fundamentais da República, uma sociedade livre e justa, que deve promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça sexo, cor idade ou qualquer outra forma de discriminação.

Todos estes princípios serviam para qualquer um, menos para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. O covarde silêncio do legislador, que se nega a aprovar leis que atendam as minorias alvo de discriminação, sempre alimentou o preconceito. Basta lembrar que data do ano de 1995 o primeiro projeto de lei que, tal qual um punhado de tantos outros, vagaram pelas casas legislativas sem nunca terem sido levados à votação. A maioria foi arquivada. Atualmente existem 16 projetos em tramitação, sem que se vislumbre a possibilidade de serem aprovados. Nem mesmo o que criminaliza a homofobia.  A única referência se encontra na Lei Maria da Penha que conceitua família como relação íntima de afeto, independente da orientação sexual.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, com coragem, sensibilidade e sabedoria, em histórica decisão, reconheceu as uniões homoafetivas como entidade familiar, assegurando aos parceiros homossexuais os mesmos direitos e deveres dos companheiros das uniões estáveis.

Para o reconhecimento de direitos, ninguém pode ficar à mercê do legislador, quando este se nega a legislar, quer alegando motivos de natureza religiosa, quer por temer ser rotulado de homossexuais, ou, quem sabe, por medo de comprometer sua reeleição.

Mas a ausência de lei não significa ausência de direito e nenhum juiz pode se omitir do dever de julgar. Daí os avanços em sede jurisprudencial. Tanto a justiça estadual como a federal, já concederam direitos à população LGBT.

Desde o ano de 2001 são deferidas às uniões homoafetivas direitos no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões.  Ora as reconhecendo como entidade familiar, ora aplicando por analogia a legislação da união estável.

As decisões pioneiras são do Rio Grande do Sul, mas todos os demais Estados vêm decidindo no mesmo sentido. De modo recorrente, são concedidos direitos previdenciários, pensão por morte e a inclusão em plano de saúde. Contam-se às dezenas as decisões que deferem direitos sucessórios, assegurando direito à meação, direito real de habitação, direito à herança bem como o exercício da inventariança. Também são deferidos alimentos e assegurado o direito à curatela do companheiro declarado incapaz. Do mesmo modo, é assegurada a adoção e a habilitação conjunta, bem como declarada a dupla parentalidade quando são usados os meios de reprodução assistida. Ainda que os parceiros sejam gays, reconhecida como doméstica a violência, são aplicadas medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

De tão reiteradas as decisões, alguns direitos são deferidos em sede administrativa. Assim a concessão pelo INSS de pensão por morte e auxílio reclusão; o pagamento seguro DPVAT; a expedição de visto de permanência ao parceiro estrangeiro. Também está assegurada a inclusão do companheiro como dependente no imposto de renda.

O último censo revelou a existência de 60 mil famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Mas o número não importa. Apesar do preconceito de que são alvo, da perseguição que sofrem, da violência de que são vítimas, não há como condenar à invisibilidade e deixar parcela da população fora do âmbito da tutela jurídica.

Este é o significado maior da decisão unânime do Supremo Tribunal, que conclamado a suprir a omissão do legislador, impôs vigência à Constituição Federal que assegura o respeito à dignidade humana, sob a égide dos princípios da igualdade e da liberdade.

 

 

Publicado em 07/05/2011.

[1] Advogada

Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB

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