O medo de ver

Maria Berenice Dias[1]             

     

Não ver é a forma mais eficaz de exclusão social, a mais cruel punição a quem ousa ser diferente. Negar direitos a tudo que refoge à mesmice do igual é condenar à invisibilidade.

Todos a quem a sociedade vira o rosto, o legislador nega a cidadania e a Justiça acaba relegando à margem do direito. O Executivo resiste em implementar políticas públicas, o Legislativo nega-se a aprovar leis e o Judiciário, escudado no silêncio legal, tem medo de fazer justiça.

As relações de duas pessoas do mesmo sexo – agora chamadas de união homoafetiva – merecem ser abrigadas no Direito de Família, pois não se trata de sociedades de fato, mas de sociedades de afeto.

Está na hora de abandonar a hipocrisia e reconhecer que os filhos biológicos, adotivos ou gerados pelos modernos métodos de reprodução assistida devem ser registrados em nome de quem exerce as funções parentais, seja um ou dois pais, uma ou duas mães.

Também é imperioso que se autorize a troca do nome e da designação do sexo a quem, havendo nascido com as características sexuais diversas da sua realidade psíquica, tenha se adequado à sua verdadeira identidade mediante procedimentos de correção das características anatômicas.

Trata-se de direitos elementares que necessitam ser assegurados a quem não mais deve ter vergonha de revelar sua identidade, medo de dizer seu nome, para poder denunciar violências, buscar direitos e clamar por justiça.

Saber ver e respeitar a diversidade é o mínimo ético que se exige de quem vive em um estado democrático, regido por uma Constituição que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, baseada nos princípios da igualdade e da liberdade.

 

 

Publicado em 05/08/2004.

 

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
www.mariaberenice.com.br