O gênero masculino não é mais universal
Maria Berenice Dias[1]
Claro que não há como descobrir porque a língua portuguesa – que herdamos dos nossos descobridores – simplesmente ignora as mulheres.
O gênero masculino sempre serviu para identificar não só homens, mas também mulheres. Assim, em um espaço com a frequência de homens, a presença de uma ou mais mulheres, nunca levou à flexibilização do gênero. Já diante de um universo de mulheres, a simples presença de um representante do “sexo forte” é suficiente para que todos sejam identificados pelo masculino.
Pelo jeito, ao menos no âmbito da linguagem, de nada adiantou o movimento feminista, a participação mais efetiva de mulheres nas esferas de poder e o aumento de representatividade no âmbito do Poder Legislativo e Judiciário. Persiste a invisibilidade diante da presença de um homem.
Se isso sempre foi assim, está mais do que na hora de mudar. Não foi por outro motivo que o IBDFAM formalizou à Ordem “dos Advogados” do Brasil (OAB), ao Instituto “dos Advogados” Brasileiros (IAB), à Associação “dos Magistrados” Brasileiros (AMB), à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de “Magistrados” (ENFAM), à Associação “Juízes” para a Democracia (ADJ) e à Associação “dos Advogados” de São Paulo (AASP) sugestão para que tais entidades promovam a mudança de suas nomenclaturas. Até porque, outras agremiações de classe se identificam pela atividade profissional e não pelo sexo de seus membros. Assim, o Conselho Federal de Medicina (CFM), o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), para citar alguns poucos exemplos.
Considerando os princípios da igualdade e da isonomia, consagrados no artigo 5º da Constituição da República, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) acaba de determinar a obrigatoriedade da designação de gênero para nomear profissão ou demais designações na comunicação social e institucional do Poder Judiciário nacional.
E foi além, estendeu a obrigatoriedade da utilização do nome social na identificação dos transexuais. Ou seja, ainda que não tenha ocorrido a alteração registral do nome e da identidade sexual – o que pode ser levado a efeito extrajudicialmente -, é impositivo o respeito à autodefinição do nome e do gênero.
Certamente esta é uma iniciativa que merece ser aplaudida, devendo servir de exemplo aos outros poderes e às entidades públicas e privadas.
Afinal, é de todos e todas o dever de dar efetividade a um dos direitos fundamentais que serve de pilar a garantir a dignidade da pessoa humana: o direito à própria identidade.
Esta mais do que na hora de levantar o véu da invisibilidade que sempre encobriu tanto as mulheres como a população LGBTI.
Este é um cobertor que já não serve a mais ninguém.
Publicado em 26/02/2021.
[1] Advogada
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM