O direito de ser visto

Maria Berenice Dias[1]

                                   

 

Não ver é a forma mais eficaz de exclusão social, a mais cruel punição a quem ousa ser diferente, e negar direitos a tudo que refoge à mesmice do igual é condenar à invisibilidade.

De tal mecanismo a sociedade sempre se utilizou – e ainda utiliza – para alijar determinados segmentos que gostaria que não existissem. Isso ocorreu com o negro, que foi relegado à escravidão, com o índio, que é considerado semicapaz, e ainda acontece com as mulheres, não se permitindo que alcancem o poder. Outra não poderia deixar de ser a arma utilizada contra quem se afasta do padrão tido como certo, correto, normal, no que diz com a identidade sexual.

Esse é o feio lado da sociedade com costumes rígidos e uma moral por demais conservadora. O fundamentalismo talvez seja o melhor exemplo para evidenciar a intolerância: mulheres precisam usar burkas, pois são propriedade dos homens. Até hoje ainda são condenadas à morte por apedrejamento, em caso de adultério ou gravidez fora do casamento. A homossexualidade é considerada crime de sodomia.

Todos a quem a sociedade vira o rosto, o legislador nega a cidadania e a Justiça acaba relegando à margem do direito.

O Executivo resiste em implementar políticas públicas, o Legislativo nega-se a aprovar leis e o Judiciário, escudado no silêncio legal, tem medo de fazer justiça.

As uniões de duas pessoas do mesmo sexo – chamadas de união homoafetiva – merecem ser abrigadas no Direito de Família, e não relegadas ao campo dos negócios, pois não mais se trata de sociedades de fato, mas sociedades de afeto.

Está na hora de abandonar a hipocrisia e reconhecer que os filhos biológicos, adotivos ou gerados pelos modernos métodos de reprodução assistida devem ser registrados em nome de quem exerce as funções parentais, seja um ou dois pais, uma ou duas mães.

Imperioso que se autorize a troca do nome e da designação do sexo a quem, tendo nascido com as características biológicas diversas da sua realidade psíquica, tenha se adequado à sua verdadeira identidade mediante procedimentos de correção das características morfológicas.

Trata-se de direitos elementares que necessitam ser assegurados a quem não mais deve ter vergonha de revelar sua identidade, medo de dizer seu nome, para denunciar violências, buscar direitos e clamar por justiça.

Saber ver e respeitar a diversidade é o mínimo ético que se exige de quem vive em um estado democrático, livre, regido por uma Constituição que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, baseada nos princípios da igualdade e da liberdade. Posturas discriminatórias e preconceituosas afrontam os direitos humanos e o exercício da cidadania.

 

Publicado em 11/04/2008.

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

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