Novas soluções, velhos problemas!

Maria Berenice Dias

Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

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O fenômeno é antigo e sempre existiu, mas só agora passou a receber a devida atenção e recentemente adquiriu um nome: SAP – síndrome de alienação parental. A expressão foi duramente criticada, pois “síndrome” significa distúrbio, ou seja, são os sintomas que se instalam em consequências da prática de “atos de alienação”. Por isso, acabou por ser utilizado simplesmente o termo “alienação parental”.

Trata-se de nada mais que a prática de bullying levada a efeito no âmbito das relações familiares. A tentativa – consciente ou não – é desencadeada por quem tem ascendência sobre alguém visando a desqualificação de outro integrante do núcleo familiar. Não só crianças são utilizadas com este propósito. Diversos segmentos vulneráveis são usados como instrumento de vingança. Idosos e pessoas com algum tipo de deficiência acabam se tornando massa de manobra.

Mas é quando ocorre a separação que se flagra a tendência de afastar o filho da convivência do genitor que tomou a iniciativa de romper o vínculo da conjugalidade.  Esta situação tem origem histórica e cultural.

A permanência das pessoas dentro do casamento sempre foi uma exigência social que resta reproduzida nas leis, as quais demoram a acompanhar a evolução dos costumes.

Não é por outro motivo que a ruptura da vida conjugal produz efeitos traumáticos e gera sentimentos de abandono, de rejeição, de traição, surgindo forte desejo de vingança. O cônjuge que não consegue elaborar adequadamente o luto da separação acaba por desencadear um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do outro.

Se quem assim se sente fica com a guarda dos filhos, a forma que encontra para compensar o abandono acaba recaindo sobre eles, que são impedidos de conviver com o genitor que optou pelo fim da união. De um modo geral, quando ocorre a separação ainda é a mãe que fica com a guarda dos filhos. Assim, a prática alienadora é geralmente atribuída à mulher. Muito desta ocorrência procede de uma cultura sexista que sempre enalteceu a maternidade como o mais importante ponto de gratificação feminina. É o que sempre lhe ensinaram. Ela precisa querer e gostar de ser mãe. É algo tão sublime que deve ser o seu único sonho, sua realização plena.

Esta crença é estimulada desde muito cedo. Quando nasce, a menina ganha um número sem fim de bonecas, de todos os feitios e tamanhos. Com elas, uma parafernália de apetrechos para atender às mesmas necessidades de uma criança: fraldas, bicos, mamadeira, carrinhos, roupinhas, caminha etc. Os bebês parecem de verdade: choram, tomam mamadeira, fazem xixi. Isso demanda muitos cuidados que as pequenas mamães são obrigadas a atender. Afinal, precisam ser responsáveis pelos seus filhinhos!

Este aprendizado, ou melhor, este adestramento a que são submetidas as mulheres faz com que se sintam donas dos seus filhos. Assim era na infância com suas bonecas, e assim é quando adultas com seus filhos de verdade.

Para referendar as obrigações femininas para com seus filhos, se chega a falar em instinto maternal. Como se o vínculo materno-filial tivesse origem animal.  Prova disso é a glorificação do Dia das Mães – promovida por interesses puramente comerciais – que acaba transformando mães em verdadeiras mártires, que têm por única missão terem rebentos, criá-los e se sacrificarem por eles.

Além do dado cultural, há o respaldo biológico. O filho se desenvolve no ventre materno. A mãe sofre no seu nascimento e o amamenta ao peito. Claro que só pode sentir que ele é uma propriedade sua.

Enquanto isso, os meninos nem podem chegar perto de bonecas. Elas são arrancadas de seus braços sob o argumento de que isso é coisa de “mulherzinha”. São mandados para a rua com suas bolas, carrinhos e todo um arsenal de armas, para brincar com os amigos.  Precisam aprender a ser fortes e competitivos. Por isso não podem chorar e nem levar desaforo para casa.

A estes seres criados de maneira diferentes é imposto o dever de se unirem. A sacralização da família é cantada e decantada por todos os credos e crenças. Todas as religiões solenizam o casamento, amarrando um no outro de forma tão definitiva que é invocada a chancela divina para lacrar a união. Ou seja, as pessoas se ligam para sempre: o que deus une o homem não separa. Seja o deus que for. Mais do que uma benção, tal imposição é quase uma condenação!

Ao romper-se o sonho do amor eterno, surge um perverso jogo de manipulações. Quando o ex-cônjuge manifesta interesse em preservar a convivência com a prole, o guardião tudo faz para separá-los. Cria uma série de situações para dificultar ao máximo – ou impedir – a visitação. Os filhos tornam-se instrumentos da agressividade de um parceiro contra o outro. Ou seja, passam a ser tratados como meros objetos, sem qualquer atenção ou preocupação com os seus sentimentos, desejos e necessidades.

De um modo geral, como mencionado, as crianças ficam sob a guarda materna. Ao pai é imposta a obrigação de pagar alimentos e são deferidas escassas oportunidades de visitá-las, em dias e horários previamente estabelecidos. Com isso, elas acabam reféns da vontade da mãe. O eventual inadimplemento do encargo alimentar sujeita o pai à cadeia. Já o descumprimento do direito de convivência por parte da mãe nunca teve qualquer consequência.

A genitora dificulta as visitas e cria toda a sorte de empecilho para que elas não ocorram. Alega que o filho está doente ou tem outro compromisso. Sai a viajar com ele nos períodos que teriam que estar com o outro. Impede o acesso do pai à escola, sonega informações sobre questões de saúde e, muitas vezes, muda de cidade, de estado e até de país.

Uma criança, fragilizada pela separação dos pais, tende a confiar e a acreditar naquele com quem convive. O sentimento de perda é transmitido ao filho, o que faz com que ele também se sinta abandonado. Acaba afastando-se de quem o ama e aceitando como verdadeiro tudo o que lhe é informado. Passa a rejeitar o genitor não guardião, a odiá-lo. Tal comportamento leva à destruição do vínculo afetivo paterno-filial e gera contradição de sentimentos e desconfortável crise de lealdade que o acompanhará ao longo de sua vida. O medo de dessagrar um faz com que repudie o outro. Ainda que o ame, tem medo de trair quem o cuida. Para contornar este verdadeiro dilema, melhor mesmo é dizer que não gosta, que não quer ver, não quer conviver. O rompimento é o jeito de reprimir a dor da perda. Instala-se assim o que é chamado de síndrome da alienação parental.

Daí o significado da Lei 12.318, de 2010, que define alienação parental como a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Além disso, elenca, de modo exemplificativo, diversas formas de sua ocorrência.

Havendo indícios de sua prática durante a tramitação de qualquer ação, cabe a instauração de procedimento incidental, com tramitação prioritária e a realização de perícia psicológica, cabendo ao juiz determinar medidas provisórias para a preservação da integridade psíquica da criança ou adolescente.

Determinada a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial, o laudo deve ser apresentado em 90 dias. Caracterizada a prática de alienação parental ou conduta que dificulte a convivência paterno-filial, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal do alienador, o juiz, além de declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador, pode adotar medidas como: ampliar o regime de convivência familiar; impor a guarda compartilhada; a alteração da guarda e até a suspensão do poder familiar. Também há a possibilidade de ser aplicada multa no valor de três a 20 salários mínimos a cada vez que a visitação é impedida ou dificultada.

A complexidade de reconhecer como abusivas posturas aparentemente protetoras não é somente dos juízes. Também os profissionais das áreas psicossociais, reféns da teoria da divisão tarifada das chamadas funções maternas e paternas, muitas vezes de forma precipitada e irresponsável, não conseguem distinguir que estão frente à implantação e falsas memórias. Atestam indícios de abuso só pelo relato da mãe e escassos contatos com a criança. Com tal prova, o advogado socorre-se da justiça. O juiz, por medo de desatender ao princípio da proteção integral, sumariamente suspende as visitas sem sequer ouvir o outro lado.

Obtido o resultado almejado, é fácil protelar o andamento do processo.  Além disso, a prova de fatos negativos – como a inexistência de ações abusivas – é quase impossível.  E, com o rompimento da convivência, rompem-se também os vínculos de afeto.

Flagrada a ocorrência de alienação parental é necessária a responsabilização de quem assim atua. Sem punição, posturas que comprometem o sadio desenvolvimento do filho continuariam ocorrendo e colocando em risco o equilíbrio emocional da prole. Mister que o alienador sinta que há o risco de ser penalizado, caso reste evidenciadas práticas alienantes.

Diante de todo o didatismo da Lei vai se tornar mais fácil e mais rápido identificar a presença dos sintomas que permitem reconhecer que se está frente a um caso de alienação parental. Única forma de restabelecer os vínculos de convivência que são tão saudáveis ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.

Não é mais possível persistir na inércia diante das maquiavélicas estratégias que vêm ganhando popularidade e que estão crescendo de forma alarmante. Principalmente as falsas denúncias de abuso sexual não podem merecer o beneplácito da Justiça que, em nome da proteção integral, julgam muitas vezes de forma precipitada ou sem considerar o que realmente pode ter acontecido.

A regulamentação da guarda compartilhada tentou retirar da mãe o seu poder absoluto sobre os filhos. No entanto, o compartilhamento não é imposto quando existem desavenças e falta de diálogo entre os pais. Desrespeitando o que diz a lei, juízes não a impõe. Limitam-se singelamente a homologá-la quando há consenso entre as partes.

Desta perversa realidade precisam apropriar-se todos. Não só os pais. Tanto eles como juízes, promotores, advogados, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais são os responsáveis em atentar ao melhor interesse de crianças e adolescentes, que têm direito à convivência familiar.

Afinal, é chegada a hora de acabar com a ditadura materna: quem pariu que embale!

 

 

Publicado em 08/05/2015.