Natal em família!
Maria Berenice Dias[1]
Não adianta, nesta época do ano é só do que se fala: festas, confraternizações, trocas de presentes, com votos de Feliz Natal e Ano Novo!
Em todas as fotos que divulgam a data aparece uma família reunida. Todos felizes. Este é o sonho de todo mundo: comemorar o Natal junto com os seus.
Afinal, o significado religioso da data é a comemoração do nascimento de alguém, em situação muito adversa: no meio de uma viagem, em uma estrebaria, nasceu um bebê que não era filho nem de quem o carregou no ventre e nem de quem lá estava desempenhando a função de pai. José era marido de Maria, mas não era o pai do filho dela. Ele assumiu a paternidade de Jesus que teve dois pais: Deus e José. Às claras, uma filiação socioafetiva.
No entanto, queria falar era de outra realidade bem diversa e adversa.
O Natal das crianças e adolescentes que não têm um lar, alguém para chamar de mãe ou de pai. Todos eles foram afastados de sua família e permanecem, por anos, recolhidos em abrigos, esperando uma nova família. O mais instigante é que há milhares de famílias que, também por muitos, muitos anos, esperam um filho.
Como todas as pessoas têm a imagem do filho idealizado, claro que indicam ser este o perfil da criança que querem adotar. Como a maioria das crianças cresce enquanto esperam pela burocracia e a ineficiência do aparato judicial, quando elas ficam disponíveis à adoção, já não correspondem ao perfil sonhado pelos candidatos.
Por isso que todos culpam os adotantes pela superpopulação dos abrigos, quando a responsabilidade é toda da justiça, que leva anos tentando – de modo até ilegal – encontrar um parente que os queira. É chamada de família extensa, exclusivamente quando existe um vínculo biológico, olvidando-se da indispensabilidade da presença de um vínculo de afinidade e afetividade da criança para com estes parentes (ECA, art. 25 parágrafo único).
E como os candidatos à adoção não têm a possibilidade de conhecer as crianças que estão abrigadas – muitas com deficiências e problemas de saúde – não lhes é dada a chance de se apaixonarem por alguém fora do perfil ideal.
O mais surpreendente é que nada, absolutamente nada, impede que estas crianças sejam mostradas, apareçam nos meios de comunicação. É indispensável que todas as pessoas tenham a chance de conhecê-las, de ver seus rostos, conversar com elas. A restrição que existe é com relação àqueles a quem se atribui a autoria de ato infracional (ECA, art. 143). Como as crianças abrigadas não cometeram crime algum, podem e devem ser vistos por todos. Vai que alguém se apaixone por alguma criança e descubra que tem espaço no coração para mais alguém.
É necessário, ao menos, franquear aos Grupos de Apoio à Adoção e aos candidatos habilitados acesso aos abrigos.
Ainda mais agora, na época das festas de Natal, todo mundo poderia organizar alguma comemoração, levar presentes, doar um pouco de tempo para ninar os pequenos e brincar com os maiores.
Talvez esse fosse o melhor presente para muitos deles: passar um Natal em família!
Publicado em 21/12/2016.
[1] Advogada
Vice-presidente do IBDFAM