Meu bem ou teus bens?

Maria Berenice Dias[1]

 

Ninguém mais acredita naquela promessa: na pobreza, na tristeza e na doença, até que a morte os separe!

Ainda bem!

Aquela foto da família convencional, que sempre embalou os sonhos de todos – principalmente das mulheres – foi rasgada. Cada um do par já vive novos amores, constitui outras famílias e filhos: os meus, os teus e os nossos.

Diante desta nova realidade é impossível entender a tentativa do legislador de punir quem pretende casar ou viver em união estável, tendo filhos e patrimônio.

Não adianta eleger qualquer regime de bens, nem o da separação convencional. Sequer importa se o patrimônio encontra-se clausulado como incomunicável.

Nada disso adianta. De forma absolutamente absurda o legislador e seus intérpretes desrespeitam o princípio da autonomia da vontade do casal de afastar a comunicabilidade dos bens. Assim como revogam cláusula testamentária de o patrimônio a ser herdado permanecer exclusivamente na propriedade do herdeiro.

Esta esdrúxula invenção, apelidada de direito de concorrência sucessória, assegura a quem entra em um relacionamento parte do patrimônio do outro, em igualdade de condições com os descendentes. Como são bens que não auxiliou a amealhar, ocorre claro enriquecimento sem causa. E tal direito é assegurado não só no casamento, mas também na união estável, por obra e graça do Supremo Tribunal Federal.

Assim, quem tem filhos e deseja garantir que o seu patrimônio seja a eles destinado em caso de sua morte, simplesmente não pode casar. E nem viver uma bela história de amor, ainda que não vivam sob o mesmo teto. Vai que a justiça reconheça que se configurou uma união estável!

Pelo jeito, a única solução é aguardar até os 70 anos para, só então, poder voltar a amar. Idade que a lei presume que as pessoas são incapazes de serem amadas, tanto que impõe o regime da separação obrigatória de bens.

Antes disso é preciso ter muito cuidado: quem te chama de meu bem pode estar interessado nos teus bens.

 

Publicado em 03/05/2021.

[1] Advogada especialista em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões.

Vice Presidente Nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família.