Liberdade e paz
Maria Berenice Dias[1]
Será que estamos vivendo um momento mágico?
Há paradoxos que nos surpreendem: o mundo nunca esteve tão pequeno. Os efeitos da globalização permitem saber o que ocorre em qualquer lugar com mais facilidade do que antes sabíamos do que acontecia com o nosso vizinho do lado.
Decorre da própria natureza do homem ser livre, dotado de direitos que independem da sua vontade. A organização da sociedade, porém impõe limitações ao exercício dos chamados direitos naturais. Tais restrições são aceitas por decorrerem de um pacto social, e dispensam documento escrito para merecer a aceitação geral.
Sujeitam-se todos ao governo de alguns, que acabam por limitar os direitos dos indivíduos mediante a edição de leis. Até a Idade Contemporânea, o soberano era quem ordenava as leis, mas não ficava submetido a elas, daí o chamado absolutismo.
Na Inglaterra, no final da Idade Média, os súditos opuseram ao rei os chamados direitos imemoriais, ou seja, direitos derivados das mais antigas tradições do reino. O primeiro documento dessa oposição foi a Magna Carta, assinada em 1215, pelo Rei João Sem Terra.
No final do século XVIII, começaram os direitos naturais a ser elencados, por meio de declarações escritas, com a finalidade de torná-los explícitos, bem como para restringir o poder absoluto dos detentores do domínio político. Assim, foi editada, em 26 de agosto de 1789, na França, a mais famosa declaração de direitos, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O movimento feminista logrou substituir a expressão direitos do homem e do cidadão para direitos humanos.
O uso da expressão declaração evidencia que os direitos enunciados não são criados ou instituídos, são meramente declarados. São direitos preexistentes, que derivam da própria natureza humana, daí serem direitos naturais. Trata-se de direitos individuais, pois dirigidos a todos os cidadãos, sendo abstratos e universais.
Os direitos humanos eram chamados de liberdades, por significar os poderes reconhecidos a todos os seres humanos a serem protegidos pela ordem jurídica. Ou seja, são direitos que independem da ingerência do Estado.
Nas declarações, além dos direitos, são relacionados princípios de organização política, sendo fundamentais os princípios de respeito à dignidade humana e da igualdade, também chamado isonomia.
O núcleo dos direitos fundamentais, nominados em um primeiro momento de direitos individuais, configura a primeira geração de direitos, tendo como tônica a preservação da liberdade individual. Caracteriza-se como verdadeira imposição de limites ao Estado, gerando simples obrigações de não-fazer.
Os direitos econômicos, sociais e culturais que vieram a ser positivados a partir da Constituição de Weimar, de 1919, são tidos como de segunda geração: cobram atitudes positivas do Estado, verdadeiras obrigações de fazer, com a finalidade de promover a igualdade entre partes ou categorias sociais desiguais, protegendo e favorecendo juridicamente os hipossuficientes em relações sociais específicas.
Nas relações sociais, é onde a desigualdade se acentua por fatores econômicos, físicos ou de qualquer outra natureza. Tais direitos garantem uma prestação do Estado a determinados indivíduos, a fim de promover a igualdade social, buscando igualar os desiguais na medida em que se desigualam.
Os direitos de terceira geração, sobrevindos à Segunda Guerra Mundial, reagindo aos extermínios em massa da humanidade praticados a partir da primeira metade do século XX dizem com as relações sociais em geral, para garantir, não indivíduo contra indivíduo, mas a humanidade contra a própria humanidade. Asseguram a dignidade humana pelo implemento de todas as condições gerais e básicas como direitos difusos de toda a humanidade.
A evolução dos direitos humanos atingiu o seu ápice, a sua plenitude subjetiva e objetiva. São direitos humanos plenos, de todos os sujeitos contra todos os sujeitos, para proteger tudo que condiciona a vida humana, fixados em valores ou bens humanos, patrimônios da humanidade, segundo padrões de avaliação que garantam a existência com a dignidade que lhe é própria.
A crescente socialização do estado contemporâneo levou à evolução do estado liberal para o estado social de direito, cuja plenitude jurídica é o estado democrático de direito, no rumo de um estado de direito pleno. A evolução dos direitos humanos corresponde a incessante busca da paz.
Publicado em 01/06/2004.
[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
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