Legislação brasileira e homofobia

Maria Berenice Dias[1]

 

 

A pesquisa realizada pelas fundações Perseu Abramo e Rosa Luxemburgo Stiftung traz um dado surpreendente: 99% dos brasileiros têm algum tipo de preconceito, ainda que velado, contra homossexuais.

Diante deste espantoso número, não é difícil compreender o silêncio do legislador, que se nega a aprovar leis que atendam à população de lésbicas, gays, travestis e transexuais. A resistência em aprovar qualquer proposta de emenda constitucional ou projeto de lei que assegure direitos e resguarde as uniões homoafetivas é para lá de injustificável, a evidenciar postura discriminatória e preconceituosa. Há um fato inusitado para o qual não se encontra qualquer explicação. Forças conservadoras tomaram conta do Congresso Nacional. Lideram bancadas fundamentalistas de natureza religiosa cada vez mais numerosas. As igrejas evangélicas se juntam com católicos, protestantes e com conservadores de plantão. Assim, não há a mínima chance de ser assegurado aos homossexuais o direito de serem respeitados e de verem seus vínculos afetivos reconhecidos como entidade familiar. Mas ninguém, muito menos um representante do povo, pode se deixar levar pelo discurso religioso, o que afronta a Constituição Federal que assegura a liberdade de credo (CF, art. 5º, VI[2] e 19, I[3]). A ausência de lei, que leva à exclusão do sistema jurídico, é a forma mais perversa de condenação à invisibilidade.

 

Criminalização da homofobia

A Constituição Federal, já no seu preâmbulo, assegura a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Do mesmo modo consagra, como objetivo fundamental do Estado, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.[4] Outrossim,  ao proclamar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, de modo expresso preconiza que a lei puna qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.[5]

Diante destes comandos constitucionais é difícil justificar a omissão do legislador que, além de não regulamentar as relações homoafetivas, não criminaliza a homofobia. Ao contrário, a homossexualidade ainda é penalizada. Apesar de a prática homossexual, denominada de “sodomia”, ter sido retirada do Código Penal, no ano de 1830, o Código Penal Militar ainda o contempla como crime.[6] Dois projetos de lei visam revogar tal delito, que se compadece de flagrante inconstitucionalidade. O de número 2.773/2000 dá nova redação ao indigitado dispositivo, para afastar do texto legal a expressão “homossexual ou não”. Em apenso, com o mesmo propósito, tramita o Projeto de Lei nº 6.871/2006.

Tão logo entrou em vigor a Carta Constitucional, adiantou-se o legislador em editar lei para penalizar a discriminação, mas somente define como crime o preconceito de raça e de cor.[7] Pelo jeito olvidaram segmentos outros que também são alvo de discriminação e merecem ser tutelados.

Visando tamponar esta omissão, o Projeto de Lei nº 5.003/2001, buscou criminalizar os crimes de homofobia. Alarga o objeto da Lei nº 7.716/1989, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Também considera como qualificadora do crime de injúria[8] a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Fora isso, é proposta alteração da Consolidação das Leis do Trabalho.[9]

O Projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, em 23/11/2006, com algumas modificações.[10] No Senado, sob o número PLC 122/2006, foi alvo de muita resistência, recebeu emendas e votos contrários, o que levou a Relatora, Senadora Fátima Cleide, a apresentar substitutivo,[11] elaborado com a participação do movimento LGBT. Em face das modificações levadas a efeito, o Projeto ainda precisa ser aprovado por algumas comissões, devendo retornar à Câmara dos Deputados.

Enquanto não há uma legislação de âmbito nacional, inúmeros estados e um significativo número de municípios têm aprovado legislações que penalizam, com pena de multa, práticas discriminatórias em locais públicos e no âmbito do serviço público estadual e municipal.

 

Reconhecimento de direitos

É do Poder Legislativo a obrigação de resguardar o direito de todos os cidadãos, principalmente de quem se encontra em situação de vulnerabilidade. E, dentre todos os excluídos, os homossexuais, travestis e transexuais são as maiores vítimas, pois são reféns não só do preconceito social, uma vez que são rejeitados pela própria família. Daí merecerem tutela diferenciada. Mister a construção de um microssistema, tal como ocorre com os demais segmentos que fazem jus à tutela especial. Outra não é a justificativa para a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Idoso e de um Código de Defesa do Consumidor. É urgente a elaboração de um Estatuto da Diversidade Sexual.

A omissão covarde do legislador infraconstitucional de assegurar direito aos homossexuais e reconhecer seus relacionamentos, ao invés de sinalizar neutralidade, encobre grande preconceito. O receio de ser rotulado de homossexual, o medo de desagradar seu eleitorado e comprometer sua reeleição inibe a aprovação de qualquer norma que assegure direitos a parcela minoritária da população alvo da discriminação. Basta atentar que nem o Projeto de Lei nº 1.151/1995, da parceria civil registrada, que admite direitos singelos, logrou ser levado à votação.

Há mais de uma proposta de emenda à Constituição buscando afastar a discriminação por orientação sexual e proteger as uniões homoafetivas. A PEC nº 66/2003 dá nova redação aos arts. 3º e 7º da Constituição Federal, incluindo entre os objetivos fundantes do Estado a promoção do bem de todos, sem preconceitos de orientação sexual. Também insere entre os direitos sociais a proibição da diferença por motivo de orientação sexual. O Projeto foi arquivado e desarquivado e, desde 14/3/2007, aguarda criação de comissão temporária.   Já a PEC nº 70/2003, que pretende a alteração do § 3º do art. 226 da CF, para afastar a expressão “entre um homem e uma mulher” do dispositivo que prevê a união estável, está arquivada. O Projeto de Lei nº 674/2007 visando a regulamentar o mesmo artigo, propõe que, na regulamentação da união estável, seja suprimida do Código Civil, a referência ao sexo dos conviventes

Fora esses, há um punhado de projetos de lei, em andamento, todos emperrados e sem grandes chances de aprovação.  Encontra-se em plenário aguardando votação o Projeto de Lei nº 70/1995, que propõe a inclusão do § 9º ao art. 129 do Código Penal, criando excludente de criminalidade à intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo dos transexuais. Também acrescenta dois parágrafos ao art. 58 da Lei dos Registros Públicos, autorizando a mudança do prenome e a averbação da identidade como transexual. Em conjunto, tramita o Projeto Lei nº 2.976/2008, que permite aos travestis utilizarem o nome social ao lado do nome e prenome oficial. O Projeto nº 6.655/2006, que possibilita a substituição do prenome de pessoa transexual, foi aprovado, por unanimidade, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e encontra-se no Senado.

Apensado a outros, que visam inserir novas disciplinas nos currículos das escolas públicas e privadas, tramita o Projeto de Lei nº 3.099/2000, que dispõe sobre a obrigatoriedade de disciplina “Orientação Sexual”, nos currículos de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental.

Com relação à doação de sangue, há duas propostas: o Projeto de Lei nº 287/2003, que institui o crime de rejeição a doadores de sangue resultante de preconceito por orientação sexual; e o Projeto de Lei nº 4.373/2008, que dispõe sobre a proibição de tratamento discriminatório aos doadores de sangue por parte das entidades coletoras.

Tramita em prioridade o Projeto de Lei nº 2.726/2003, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, por orientação sexual, doença, propositura de ação trabalhista, atividade sindical, política ou partidária, que limite o acesso ou a manutenção do emprego.

Sobre a condição de dependência dos parceiros homossexuais, o Projeto de Lei nº 2.383/2003, considera discriminatório impedir que nos planos e seguros privados de assistência à saúde seja incluído como dependente econômico o companheiro do mesmo sexo.

Encontra-se pronto para ser incluído em pauta, desde 6/11/2008, o Projeto de Lei nº 6.297/2005, que altera a Lei de Benefícios da Previdência Social para incluir na situação jurídica de dependente, para fins previdenciários, o companheiro homossexual do segurado do INSS e do servidor público civil da União. Na ação civil pública intentada pelo Ministério Público Federal contra o Instituto Nacional do Seguro Social foi concedida tutela antecipada, com abrangência nacional, para o órgão previdenciário federal possibilitar a inscrição do companheiro de segurado como dependente principal, garantindo a percepção de auxílio-reclusão e pensão por morte do beneficiário.[12] Em razão desta decisão o INSS editou a Instrução Normativa 25/2000.

O Projeto de Lei nº 6.418/2005, proíbe a discriminação ou preconceito decorrentes de raça, cor, etnia, religião, sexo ou orientação sexual, para o provimento de cargos sujeitos a seleção para os quadros do funcionalismo público e das empresas privadas.

Já o Projeto de Lei nº 580/2007, propõe a alteração do Código Civil, para dispor sobre o contrato civil de união homoafetiva. O Projeto de Lei nº 4.914/2009, apresentado como substitutivo ao Projeto da Parceria Civil, propõe que seja acrescentado um artigo ao Título III do Código Civil, no que trata da união estável, nos seguintes termos: Art. 1.727-A – São aplicáveis os artigos anteriores do presente Título, com exceção do artigo 1.726,[13] às relações entre pessoas do mesmo sexo, garantidas os direitos e deveres decorrentes.

Apesar de todas estas iniciativas legiferantes, nenhuma disposição traz a lei civil sobre as uniões homoafetivas. A única referência à identidade de gênero na legislação federal é a feita pela Lei nº 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha, que visa coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher. Em duas oportunidades, ressalta que a lei tem aplicação independente da orientação sexual da vítima.[14]

 

Conquistas jurisprudenciais

Buscar a tutela jurídica é a única forma de conceder efetividade às garantias e prerrogativas consagradas na Constituição Federal, que tem como valor primeiro o respeito à dignidade da pessoa humana, assentado nos princípios da liberdade e da igualdade.

O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos. No entanto, o legislador intimida-se na hora de assegurar direitos às minorias. Mas a falta de lei não significa ausência de direitos. Diante da inércia do parlamento, é da Justiça o encargo de preencher os vazios da legislação, pois toda a violação de direito merece ser trazida a juízo. E, quando a jurisprudência se consolida, o legislador se vê obrigado a transformá-la em normas legais, sob pena de perder uma fatia de poder.

A omissão da lei dificulta o reconhecimento de direitos, sobretudo frente a situações que se afastam de determinadas posturas convencionais, o que faz crescer a responsabilidade do Poder Judiciário. Preconceitos e posições pessoais não podem levar o juiz a fazer da sentença um meio de punir comportamentos que se afastam dos padrões que ele aceita como normais. Igualmente não cabe invocar o silêncio da lei para negar direitos àqueles que escolheram viver fora do modelo imposto pela moral conservadora, sem agridem a ordem social.

As uniões de pessoas com a mesma identidade sexual, ainda que sem lei, acabaram batendo às portas da Justiça para reivindicar direitos. Mais uma vez o Judiciário foi chamado a exercer a função criadora do direito. O caminho imposto a gays e lésbicas é conhecido. As uniões homoafetivas tiveram que trilhar o mesmo iter percorrido pelas uniões extramatrimoniais. O receio de comprometer o sacralizado conceito do casamento, limitado à ideia da procriação e, por consequência, à heterossexualidade do casal, não permitia que se inserissem as uniões homoafetivas no âmbito do Direito das Famílias. Havia enorme dificuldade em admitir que a convivência era centrada em um vínculo de afeto, o que impedia fazer a analogia dessas uniões com o instituto da união estável e do casamento. Afastada a identidade familiar, nada mais era concedido além da repartição do patrimônio comum. Alimentos e pretensão sucessória eram rejeitados sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido.

As uniões homoafetivas, quando reconhecida sua existência, eram relegadas ao Direito das Obrigações. Como relações de caráter comercial, as controvérsias eram julgadas pelas varas cíveis. Chamadas as uniões de sociedades de fato, limitava-se a Justiça a conferir-lhes sequelas de ordem patrimonial. Dividia-se o patrimônio comprovadamente amealhado durante o período de convívio, operando-se verdadeira divisão de lucros.

A mudança começou pela Justiça gaúcha, que, ao definir a competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões homoafetivas, acabou por inseri-las no âmbito do Direito das Famílias como entidade familiar. Tal modificação provocou o envio de todas as demandas que tramitavam nas varas cíveis para a jurisdição de família. Também os recursos migraram para as câmaras do Tribunal que detêm competência para apreciar essa matéria.[15] Felizmente, no mesmo sentido, em julgamento inédito, manifestou-se o STJ.[16]

A primeira decisão da Justiça brasileira que deferiu herança ao parceiro do mesmo sexo também é do Tribunal do Rio Grande do Sul. Fazer analogia com o Direito das Famílias – que se justifica pela presença do vínculo de afetividade -, significa reconhecer a semelhança entre as relações familiares e as homossexuais. Um dos julgamentos de relevante significado foi o do companheiro sobrevivente que, na ausência de herdeiros sucessíveis, viu a herança na iminência de ser declarada vacante e recolhida ao município. Em sede de embargos infringentes, foram reconhecidos direitos sucessórios ao companheiro pelo voto de Minerva do Vice-Presidente do Tribunal.[17] Desta decisão, o Ministério Público opôs recurso tanto ao Superior Tribunal de Justiça como ao Supremo Tribunal Federal, os quais ainda não foram julgados.

Como o Tribunal Superior Eleitoral já proclamou a inelegibilidade (CF, art. 14, § 7.º) nas uniões homossexuais, acabou por reconhecer que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar, tanto que sujeita à vedação que só existe no âmbito das relações familiares. Ora, se estão sendo impostos ônus aos vínculos homoafetivos, faz-se mister que sejam assegurados também os mesmos os direitos e garantias no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório.

Os avanços foram além. Em 2006, por decisão unânime, o TJ/RS[18] reconheceu o direito à adoção a um casal formado por pessoas do mesmo sexo. Em face da resistência da Justiça, apesar de a decisão pela adoção ter sido do casal, os filhos foram adotados por uma das parceiras. Posteriormente  a outra pleiteou, em juízo, a adoção dos filhos que também eram dela.. Com certeza esta decisão selou de vez o reconhecimento de que a divergência de sexo é indiferente para a configuração de uma família. Outros julgados, no mesmo sentido, já vêm sendo adotados no restante do país, como em São Paulo,[19]e, recentemente, no Paraná.[20] Não só a adoção vem sendo admitida. Após o rompimento da relação homoafetiva, foi assegurado o direito de visitas à parceira, mesmo estando o filho registrado somente em nome da mãe biológica.[21] Para evitar tais entraves, em 2008, foi autorizada, em Porto Alegre, a alteração do registro de nascimento de duas crianças, concebidas por reprodução assistida, para inclusão do nome das duas mães: a biológica e a socioafetiva.[22]

São significativos estes avanços  da jurisprudência ao inserir, no âmbito do Direito das Famílias, as relações homoafetivas como entidades familiares. Na medida em que se consolida a orientação jurisprudencial, emprestando efeitos jurídicos às uniões de pessoas do mesmo sexo, alarga-se o espectro de direitos reconhecidos aos parceiros quando do desfazimento das vínculos,  pela separação ou em virtude da morte. . Inúmeras outras decisões despontam no panorama nacional,[23] a mostrar a necessidade de cristalizar uma orientação que motive o legislador a regulamentar situações que não mais podem ficar à margem da tutela jurídica. Consagrar os direitos em regras legais talvez seja a maneira mais eficaz de derrubar preconceitos. Mas, enquanto a lei não vem, é o Judiciário que deve suprir a lacuna legislativa, por meio de uma visão plural das estruturas familiares.

Louvável é a coragem de ousar quando se ultrapassam os tabus que rondam o tema da sexualidade e se rompe o preconceito que persegue as entidades familiares homoafetivas. Houve um verdadeiro enfrentamento a toda uma cultura conservadora e uma oposição à jurisprudência ainda apegada a um conceito singular de família. No entanto, não é ignorando certos fatos, deixando determinadas situações descobertas do manto da juridicidade que se faz justiça.

O direito à cidadania depende de reconhecimento no âmbito legal. Mas, quando se trata do direito de gays, lésbicas, travestis e transexuais, cabe ao Judiciário suprir as omissões do legislador. Daí o destaque constitucional dispensado ao exercício da advocacia, a quem é atribuído o dever de provocar a Justiça para que sejam assegurados os direitos aos cidadãos, a todos eles. Os advogados vêm atentando à nova realidade e cada vez mais denunciam práticas discriminatórias.  Não ter acesso à justiça é a forma mais perversa de exclusão. E, não responsabilizar práticas discriminatórias, alimenta a homofobia.

Se vivemos em um país livre – e vivemos – todos são merecedores da tutela jurídica, sem qualquer distinção de cor, religião, sexo ou orientação sexual. Em um Estado que se quer democrático de direito, o princípio da liberdade nada mais significa do que o direito de não sofrer discriminação por ser diferente.

O caminho está aberto. Basta que os juízes cumpram com sua verdadeira missão: fazer justiça. Acima de tudo, precisam ter sensibilidade para tratar de temas tão delicados como as relações afetivas, cujas demandas precisam ser julgadas com mais sensibilidade e menos preconceito. Os princípios de justiça, igualdade e humanismo devem presidir as decisões judiciais. Afinal, o símbolo da imparcialidade não pode servir de empecilho para o reconhecimento de que a diversidade necessita ser respeitada. Não mais se concebe conviver com a exclusão e com o preconceito em um estado que se quer Democrático de Direito. Condenar à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças, afastando-se o Estado de cumprir com sua obrigação de conduzir o cidadão à felicidade.

 

 

Publicado em 13/06/2010.

 

[1] Advogada especializada em direito das famílias, sucessões e direito homoafetivo

Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

www.mbdias.com.br

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www.direitohomoafetivo.com.br

 

[2] CF, art. 5º, VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

[3] CF, art. 19: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

[4] CF, art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[5] CF, art. 5º, XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

[6] CPM, art. 235: Praticar ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito à administração militar. Pena de detenção, de seis meses a um ano.

[7] Lei nº  7.716, de 5 de janeiro de 1989.

[8] CP, art. 140, § 3º.

[9] DL nº 5.452, de 1º de maio de 1943, art. 5º, parágrafo único.

[10] Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5° da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 2º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.”(NR)

Art. 3º O caput do art. 1º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.”

Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º-A:

“Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7° da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público:

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.”

“Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional:

Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. (Revogado).”

“Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares:

Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.”

Art. 6º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-A:

“Art. 7º-A Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:

“Art. 8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º desta Lei:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

“Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão  homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 8º Os arts. 16 e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 16. Constituem efeito da condenação:

I – a perda do cargo ou função pública, para o servidor público;

II – inabilitação para contratos com órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional;

III – proibição de acesso a créditos concedidos pelo poder público e suas instituições financeiras ou a programas de incentivo ao desenvolvimento por estes instituídos ou mantidos;

IV – vedação de isenções, remissões, anistias ou quaisquer benefícios de natureza tributária;

V – multa de até 10.000 (dez mil) UFIRs, podendo ser multiplicada em até 10 (dez) vezes em caso de reincidência, levando-se em conta a capacidade financeira do infrator;

VI – suspensão do funcionamento dos estabelecimentos por prazo não superior a 3 (três) meses.

  • 1º Os recursos provenientes das multas estabelecidas por esta Lei serão destinados para campanhas educativas contra a discriminação.
  • 2º Quando o ato ilícito for praticado por contratado, concessionário, permissionário da administração pública, além das responsabilidades individuais, será acrescida a pena de rescisão do instrumento contratual, do convênio ou da permissão.
  • 3º Em qualquer caso, o prazo de inabilitação será de 12 (doze) meses contados da data da aplicação da sanção.
  • 4º As informações cadastrais e as referências invocadas como justificadoras da discriminação serão sempre acessíveis a todos aqueles que se sujeitarem a processo seletivo, no que se refere à sua participação.”

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero:

  • 5º O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica.”

Art. 9º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-A e 20-B:

“Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante:

I – reclamação do ofendido ou ofendida;

II – ato ou ofício de autoridade competente

III – comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.”

“Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.

  • 1º Nesse intuito, serão observadas, além dos princípios e direitos previstos nesta Lei, todas as disposições decorrentes de tratados ou convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação interna e das disposições administrativas.
  • 2º Para fins de interpretação e aplicação desta Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta antidiscriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil.”

Art. 10. O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 140.

  • 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.”

Art. 11. O art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 5º

Parágrafo único. Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, orientação sexual e identidade de gênero, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.”

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

[11] Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 2006 – Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, e dá outras providências.

Art. 1º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.”

Art. 2º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.” (NR)

“Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Parágrafo único: Incide nas mesmas penas aquele que impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público de pessoas com as características previstas no art. 1º desta Lei, sendo estas expressões e manifestações permitida às demais pessoas.”

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.”

Art. 3º O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência,  gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:

……………………………………………………………………………………”

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

[12]STF, Pet 1984, rel. Min. Marco Aurélio, j. 10.02.2003.

[13] CC, art. 1.726: A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

[14] Lei 11.340/2006, art. 2o. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

 

[15] Homossexuais. União estável. Possibilidade jurídica do pedido. E possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto a união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo , com reflexos acentuados em nosso pais, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. (TJRS, 8.ª C.Cív., AC 598362655, Rel. Des. José Trindade, j. 01.03.2000).

[16] Ação declaratória  de união homoafetiva. Princípio da identidade física do juiz. Ofensa não caracterizada ao artigo 132, do CPC. Possibilidade jurídica do pedido. Artigos 1º da Lei 9.278/96  e 1.723 e 1.724 do Código Civil. Alegação de lacuna legislativa. Possibilidade de emprego da analogia como método integrativo. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico  para o ajuizamento da demanda proposta. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 4.ª T., REsp 820475/RJ, Rel. Min.  Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min.  Luis Felipe Salomão, j. 02.09.2008).

[17] TJRS, 4.º G.C.Cív., EI 70003967676, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves, j. 09.05.2003.

[18] TJRS, 7.ª C.Cív., AC 70013801592, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 05.05.2006

[19] Proc. 234/2005.  Catanduva. Sentença proferida pela Juíza Sueli Juarez Alonso, em 30/10/2006.

[20] Apelação cível. Adoção por casal homoafetivo. Sentença terminativa. Questão de mérito e não de condição da ação. Habilitação deferida. Limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da orientação sexual dos adotantes. Inadmissível. Ausência de previsão legal. Apelo conhecido e provido. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetiva é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento.  (TJPR, 2.ª C. Cív., AC 529.976-1 rel. Juiz Conv. D’Artagnan Serpa Só, j. 11/03/2009).

[21] Filiação homoparental. Direito de visitas. Incontroverso que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica, a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maternagem. Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as visitas. Agravo desprovido. (TJRS. 7.ª C. Cív., AI 70018249631. Rel. Desª. Maria Berenice Dias. j. 11.04.2007).

[22] Porto Alegre, 8ª Vara de Família e Sucessões, Sentença proferida pelo Juiz Cairo Roberto Rodrigues Madriga, em 12/12/2008.

[23] O site www.direitohomoafetivo.com.br traz exaustivo levantamento da jurisprudência nacional.