JusMulher: um exemplo de cidadania

 

Maria Berenice Dias[1]

 

Não basta a revolução feminina ter marcado este século. Mister que principalmente nós, mulheres de formação jurídica, tenhamos consciência da responsabilidade de vigiar de perto a aplicação da maior garantia constitucional, que é a garantia da igualdade.

As leis até agora foram feitas e aplicadas por homens, e a presença de mulheres, cada vez em maior número, entre os operadores do Direito não tem levado a quaisquer alterações que ressaltem o viés social a partir de um enfoque de gênero. Ainda quando conseguem as mulheres alçar espaços até agora ocupados por homens, restam por reproduzir o modelo vigente e acabam se tornando invisíveis para lograrem aceitação. Enormes as dificuldades de afastamento das expectativas patriarcais, rompendo os códigos e os padrões legais vigorantes, para a implementação dos direitos já conquistados pelo movimento feminista. Para pôr fim à discriminação, mister que se exerça o papel de agente modificador dos padrões comportamentais vigentes.

Com tal certeza é que o Rio Grande do Sul criou o JusMulher, que já alcançou o mundo como modelo de serviço voluntário. Adotado como programa oficial da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica em sede nacional, já funciona em diversos Estados. Ao ser divulgado em Pequim, no IV Congresso da ONU, foi indicado como modelo para ser implantado em todos os países que integram a Fédération Internacionale des Femmes de Carrières Juridiques.

Buscar soluções para os problemas sociais não é um compromisso só do governo. Dar aquilo de que se pode dispor, dividir nossa riqueza maior, ou seja, os conhecimentos que amealhamos, com este propósito é que foi idealizado o serviço de assessoria jurídica e psicológica às mulheres carentes.

Mais do que um serviço assistencial, o JusMulher é um exemplo de cidadania, de humanidade, de doação, de amor ao próximo, a servir de modelo a todos, para que aprendam a abrir mão de um pequeno espaço de suas vidas e dividir a riqueza que afortunadamente logramos acumular: o nosso saber, para que não sirva somente para nos dar satisfação intelectual ou compensação financeira.

Assim, buscando atender a quem está sedento de justiça e farto de violência, realizamos, há quatro anos, mais do que uma tarefa, assumimos uma verdadeira missão de vida.

Somente com a conscientização de que o novo modelo da família deve basear-se na mútua colaboração e no afeto é que se poderá chegar à tão almejada igualdade e ao fim da violência doméstica, única forma de adentrarmos o 3º milênio de cabeça erguida.

 

Publicado em 08/09/2008.

[1] Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões

Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

www.mariaberenice.com.br