Investigando a paternidade

Maria Berenice Dias[1]

 

 

 

A preocupação em descobrir a verdade biológica sempre foi de pais e filhos, mas nunca foi uma preocupação da lei.

Investigar a paternidade, afinal, desatende os interesses de sociedades mais conservadoras.

Por presunção legal, o marido da mãe é o pai do filho que nasce de suas entranhas.

Também, até há pouco, bem pouco, os filhos havidos fora do casamento simplesmente não podiam ser reconhecidos enquanto o pai fosse casado. Rotulados como espúrios, ilegítimos ou bastardos, pagavam pela infidelidade do genitor, que havia cometido o crime de adultério. A ausência da possibilidade de investigar a paternidade gerava a irresponsabilidade do pai de prover o sustento do filho.

Tudo isso em nome da preservação do núcleo familiar, da mantença da paz social e da sacralização do conceito de família, considerada “base da sociedade”.

Ainda que tenha vindo a ordem constitucional proibir tratamento desigualitário entre os filhos, a nova lei civil continuou consagrando a identidade parental por meio de presunções. Inclusive foi alargado o leque de paternidades hipotéticas ao ser estabelecido que os filhos fruto de inseminação artificial igualmente se sujeitam a presunções de paternidade.

Mesmo em época de pleno desenvolvimento da engenharia genética, que permite identificar com certeza quase absoluta a verdade biológica, persistem presunções na lei.

Porém, nunca se emprestou tanta visibilidade ao afeto, quer para a identificação dos vínculos familiares, quer para definir os elos de parentalidade. Foi abandonada a idéia de que o casamento é o único elemento identificador da família. Também passou-se a desprezar a verdade real, quando se sobrepõe um vínculo de afetividade. O reconhecimento da posse do estado de filho fez nascer o que se passou a chamar de “filiação socioafetiva” e “adoção à brasileira”.

Quer as uniões estáveis, quer as uniões homoafetivas vêm sendo albergadas no âmbito do Direito de Família. O esgarçamento do conceito de entidade familiar leva à necessidade de reconhecer os vínculos de parentalidade no âmbito de qualquer família, independente da sua estrutura.

Assim, é chegada a hora de, em vez de se buscar identificar quem é o pai, quem é a mãe, atentar muito mais no interesse do filho de saber quem é o seu pai e a sua mãe “de verdade”. Pai é aquele que ama o filho como seu, filho é quem é amado como tal. Todo filho possui o direito ao reconhecimento da paternidade, independente de ser um pai e uma mãe, um ou dois pais, uma ou duas mães.

 

 

Publicado em 08/08/2013.

 

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família