Homofobia: o crime da omissão

Maria Berenice Dias[1]

 

A Constituição Federal, já no seu preâmbulo, assegura a liberdade, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Do mesmo modo consagra, como objetivo fundamental do Estado, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Outrossim, ao proclamar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, de modo expresso preconiza que a lei puna qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Diante destes comandos constitucionais é difícil justificar a omissão do legislador que, além de não regulamentar as relações homoafetivas, não criminaliza a homofobia. Ao contrário, a homossexualidade ainda é penalizada. Apesar de a prática homossexual, denominada de “sodomia”, ter sido retirada do Código Penal, no ano de 1830, o Código Penal Militar ainda o contempla como crime.

Tão logo entrou em vigor a Carta Constitucional, adiantou-se o legislador em editar lei para penalizar a discriminação, mas somente define como crime o preconceito de raça e de cor (Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989). Pelo jeito olvidou segmentos outros que também são alvo de discriminação e merecem ser tutelados.

Visando tamponar esta omissão, o Projeto de Lei nº 5.003/2001, buscou criminalizar os crimes de homofobia. Alarga o objeto da Lei nº 7.716/1989, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Também considera como qualificadora do crime de injúria a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

O Projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, em 23/11/2006, com algumas modificações. No Senado, sob o número PLC 122/2006, foi alvo de muita resistência, recebeu emendas e votos contrários, o que levou a Relatora, Senadora Fátima Cleide, a apresentar substitutivo, elaborado com a participação do movimento LGBT. Em face das modificações levadas a efeito, o Projeto ainda precisa ser aprovado por algumas comissões, devendo retornar à Câmara dos Deputados.

Enquanto não há uma legislação de âmbito nacional, inúmeros estados e um significativo número de municípios têm aprovado legislações que penalizam, com pena de multa, práticas discriminatórias em locais públicos e no âmbito do serviço público estadual e municipal.

Assim, ainda que o Congresso Nacional se omita ao menos há políticos que tem a responsabilidade de honrar seus mandatos.

 

Publicado em 13/06/2010.

 

[1] Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

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