Gênero e homossexualidade

Maria Berenice Dias[1]
Eloá Muniz[2]


 

Falar em Direitos Humanos é falar em liberdade, em igualdade, tanto que esses princípios são identificados como os direitos de primeira e de segunda geração. Mas não é possível falar em direitos humanos sem falar em feminismo e em homoafetividade. É chegada a hora de unir o movimento das mulheres e o dos homossexuais. Essa conjugação de forças é o que está faltando para se poder falar em direitos verdadeiramente humanos.

Toda mobilização conjunta dispõe de um efeito extremamente positivo: faz nascer a esperança de ver unificados os movimentos sociais e os mais diversos grupos voltados às minorias excluídas da sociedade. Conviver de forma igualitária e livre é viver a plenitude dos direitos humanos, é dar sentido e razão ao dogma maior da Constituição Federal. Mas, o respeito à dignidade do ser humano não pode deixar de ser visto também como respeito à diversidade.

As mulheres são alvo da discriminação porque, afinal, são mulheres, o sexo frágil, a rainha do lar, que padece no paraíso, desdobra fibra por fibra o coração. Sua missão mais sublime sempre foi procriar, por isso só lhes ensinaram a ser mães, tanto que as meninas recebem de presente bonecas, casinhas e panelinhas…

Como só era permitido à mulher querer ser mãe, não podiam almejar alguma gratificação fora o âmbito familiar. Seu sucesso era o do marido; sua glória, ser boa dona de casa; seu orgulho eram os filhos. O eventual descumprimento das tarefas domésticas, a busca de algum sonho de realização pessoal, acabava gerando sentimento de culpa, o qual sempre foi muito bem explorado pelos homens.

Por isso, até os dias de hoje, a mulher não desfruta de espaços de poder. Sua posição social é inferior. Ainda que desempenhe as mesmas funções que os homens e ocupe cargo igual, sua remuneração é menor. Como foi educada para ser submissa, dócil e gentil, é vítima da violência doméstica, o crime com maior frequencia cometido no mundo. Assim, o seu lar – do qual é a rainha – é o lugar mais perigoso para ela. O número é estarrecedor: a cada 15 segundos uma mulher é vítima da violência doméstica.

Quando as mulheres resolveram empunhar a bandeira emancipatória, passaram a ser chamadas de feministas, expressão com severo sentido pejorativo: ser feminista é odiar homens, é ser feia, mal amada, “sapatão”. Assim, como pretender que o movimento de mulheres se articulasse com o movimento dos homossexuais?

Agora, felizmente, se está começando a viver uma nova era, com o início da diversificação dos movimentos sociais. A diversidade homossexual deixou de ser identificada por uma expressão única. O vocábulo “homossexual” e o simpático termo “gay” não mais são representativos de todas as espécies dos chamados, de forma preconceituosa, de “desvios sexuais”. As lésbicas estão buscando um espaço próprio, assim como os transgêneros, travestis e transexuais. Nada justifica o tratamento indistinto para situações díspares.

Essa segmentação vem permitindo a aproximação do movimento de mulheres e do movimento LGBTT, cuja busca de visibilidade, de respeito em nada se distancia da trajetória das mulheres. Só agora as mulheres estão deixando de ter vergonha de se qualificarem como feministas. Passaram a ter orgulho de assim se autodenominarem. Acabou o medo de serem rotuladas de homossexuais.

Começaram a entender que as lésbicas são mulheres e nada justifica serem excluídas do palco de discussão das questões de gênero. Deste modo, não tem mais sentido deixar o movimento feminista de abraçar também a luta pelo respeito à livre orientação sexual. Também as lésbicas precisam sentir que não serão repudiadas ao lutar pelos direitos das mulheres.

Por isso imperioso os dois movimentos darem-se as mãos.

A sacralização do conceito de família que impedia fazer analogia das uniões extramatrimoniais com o casamento ainda serve de motivo para não considerar como estáveis as relações homossexuais para conceder-lhe toda a gama de direitos que só se encontra no Direito das Famílias.

A Justiça, não por causalidade, vem impondo às uniões de pessoas do mesmo sexo o mesmo calvário a que foram submetidas as relações concubinárias, hoje denominadas de uniões estáveis. Por puro preconceito as sociedades de afeto, ou seja, as famílias constituídas sem o selo do casamento, sempre foram vistas como meras sociedades de fato. Magistrados mais conservadores têm a tendência de confiná-las no direito das obrigações. Repartem tão-só os lucros, ou seja, dividem entre os “sócios” os bens adquiridos durante a vigência da sociedade. O caminho já é conhecido, pois foi trilhado pelas mulheres. As uniões extramatrimoniais eram consideradas, do mesmo modo em que hoje são tratadas as uniões homoafetivas.

 

 

 

Publicado em 13/06/2010.

 

[1] Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

www.mbdias.com.br

www.mariaberenice.com.br

www.direitohomaofetivo.com.br

 

[2] Publicitária especializada em Projetos Sociais e Comunicação Estratégica

Mestre em Ciências da Comunicação

Presidente da Academia Literária Feminina RS

www.eloamuniz.com.br