Filhos de quem?

Maria Berenice Dias[1]

 

 

 

Recente pesquisa divulgada pela Organização Internacional do Trabalho, mostra que as mulheres trabalham mais do que os homens, uma vez que 90,7% enfrentam dupla jornada de trabalho. Mas 70,7% têm remuneração inferior, mesmo desempenhando a mesma função.

Esta realidade nada nova, escancara o dilema das mulheres para conciliar maternidade e realização profissional. De um lado há toda uma cultura sexista que enaltece a maternidade como o mais importante ponto de gratificação da mulher. Foi o que sempre lhe ensinaram. Ela precisava querer e gostar de ser mãe.  Algo tão sublime que deveria ser o seu único sonho, sua realização plena.

Ainda assim o movimento feminista conseguiu mostrar – não só para as mulheres, mas para a própria sociedade – que o espaço da mulher não se restringe ao reduto do seu lar, doce lar, do qual sempre foi considerada a rainha. Com isso a mulher se permitiu buscar outros pontos de gratificação. Alcançou o espaço público, entrou no mercado de trabalho e passou a participar dos encargos domésticos como provedora.  Este movimento levou – ou deveria – o homem a contribuir de forma mais efetiva do cuidado com os filhos e compromissos com a administração da casa. Passou-se a falar em paternidade responsável  e tal é a expectativa de serem pais que os próprios homens se dizem “grávidos”.  Descobriram as delícias da paternidade e dela não abrem mão quando da separação. Foi o que levou ao surgimento da guarda compartilhada e à lei da alienação parental.

A Constituição Federal além de proclamar a absoluta igualdade do homem e da mulher (art. 5º, I) reconhece a família como a base da sociedade (art. 226) e afirma que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art. 226, § 5º). Diz mais. Impõe ao Estado o dever de assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos seus integrantes (226, § 8º).

Ainda assim é concedida à mulher licença-maternidade de quatro meses e, ao homem, escassos cinco dias a título de licença-paternidade. Será que esta disparidade atende ao princípio da igualdade e ao atual formato da família? Não será esta diferença de tratamento que faz as mulheres terem menores salários, inibe sua ascensão profissional e as afasta das posições mais destacadas?

Mas há peculiaridades outras. Quando o homem assume com exclusividade o encargo com os filhos, quer por morte ou incapacidade da mãe, quer por ter adotado um filho.  Também há que se atentar às uniões homoafetivas. Se o casal é formados por dois homens, nenhum tem direito à “licença-maternidade” ? E quando forem duas as mães, possibilidade cada vez mais presente em face das modernas técnicas de reprodução assistidas? Ambas desfrutam de igual período de licença?

Para contornar todas essas situações, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 110/2010 que prevê a “licença-natalidade” pelo prazo de 180 dias. Nos primeiros 15 dias a licença seria usufruída por ambos os genitores e, no período seguinte, por qualquer deles, fracionado  da forma que desejarem.

Este é o exemplo que vem de muitos países. Afinal, se está diante de uma nova realidade. O modelo patriarcal da família desapareceu. Vive-se o império da igualdade e prevalece o princípio da afetividade na própria definição da família e na identificação dos vínculos parentais.

 

Publicado: 27/07/2012.

 

[1] Advogada

Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

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