Festejar o quê?

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Em face da universalização dos direitos humanos, que consagra o absoluto respeito à dignidade da pessoa humana, talvez se afigure chocante que ainda seja necessário destacar no calendário uma data dedicada à mulher.

Como se fosse uma sina conjugar no feminino dor e sofrimento, glorifica-se a mulher numa data cuja origem é marcada pelo extermínio de um grupo de mulheres trabalhadoras, imoladas sumariamente. Da mulher sempre se exigem renúncias e sacrifícios em prol da família. É a “rainha” do lar. Esse reinado, no entanto, implica a despersonalização da mulher: impede as realizações pessoais e a gratificação profissional, passando sua vida a gravitar em torno do sucesso do marido e filhos. Tendo como missão dar-lhes apoio e tranqüilidade, realiza-se com o brilho deles, sendo a ela vedado buscar qualquer ideal fora do âmbito doméstico.

Também a maternidade – para a qual a mulher é adestrada desde o nascimento, pois seus brinquedos se limitam a bonecas, panelinhas e casinhas – impõe-lhe sacrifícios ilimitados. A sacralização da função materna não lhe permite nenhuma outra atividade, sem que a realize encharcada de culpas. Como diz o poeta, ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração, padecer no paraíso.

O embaralhamento de papéis provocado pela emancipação feminina levou a uma falsa idéia da conquista da tão almejada igualdade. Ao invés de visualizar as diferenças para atingir a equiparação, acabou-se por subtrair as poucas conquistas que serviam como elementos equalizadores. É preciso firmar a consciência da absoluta igualdade de direitos, o que não se conseguirá sem a ação da sociedade e de seus Poderes maiores, inclusive do Judiciário.

A igualdade, enfaticamente decantada na Constituição brasileira, não tem sido respeitada, nem sequer no âmbito da Justiça, que ainda submete as mulheres a um tratamento preconceituoso. Os direitos à percepção de alimentos, ao uso do nome, à guarda dos filhos, são pretensões ainda condicionadas ao reconhecimento de sua “honestidade”, pois só são deferidos à mulher “honrada”, adjetivo que nada mais significa que restrição ao exercício da sexualidade.

Ante tal realidade, não há como ficar inerte. As mulheres que lograram abrir espaço na sociedade têm um compromisso social: unir-se às demais para buscar as mesmas oportunidades para todas; e, nos segmentos em que ingressaram, exigir tratamento igualitário, até para mostrar às demais os direitos que nem sabem que têm, a fim de que possam escapar à submissão passiva ao que entendem ser – mas não é – o seu cruel destino.

Assim se impõe a necessidade de ainda haver um Dia para essas reflexões, de modo que não mais se rime amor com dor, submissão com dedicação, honestidade com castidade. Que por ocasião do Dia Internacional da Mulher todas nós desfraldemos nossa bandeira para  nela inscrever o refrão do hino riograndense: Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra.

 

 

Publicado em 23/03/2009.

 

 

 

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

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