É proibido amar
Maria Berenice Dias[1]
A reportagem publicada na ZH de 29/06 deveria intitular-se: É proibido amar.
Afinal, casa abrigo, apadrinhamento afetivo, famílias acolhedoras nada mais são do que o mais absoluto desrespeito ao direito à convivência familiar assegurado constitucionalmente a crianças e adolescentes.
O equivocado fetichismo ao vínculo biológico é que faz juízes e promotores tentarem durante anos empurrar filhos a mães drogadas, pais alcólatras, avós, tios e primos. Ora, se algum parente os quisesse, nem sequer teriam sido abrigados.
Pelo jeito ninguém lê o conceito de família extensa: é a que a criança convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade (ECA art. 25 par. ún.). Recém-nascidos não tem este vínculo com ninguém. Assim, quando nascem e a mãe os entrega à adoção, devem ir do hospital para o primeiro do cadastro.
O mesmo deve ocorrer quando são afastados dos pais por maus tratos ou abuso sexual. Não podem ser encaminhados à família extensa, pois precisam esquecer o passado.
Esperar que pais livrem-se das drogas, mantendo os filhos abrigados é não atentar que a criança precisa de um lar. Não de um abrigo, um padrinho ou uma família acolhedora.
Não há como proibir que crianças e adolescentes amem como pais seus cuidadores. Também colocá-los em lares e depois os retirar de lá é mais do que cruel, é desumano. Eles ganham uma casa, uma família, alguém que passam a chamar de pais, mas com a certeza de que lá não poderão ficar, sob a pífia alegação de que tais pessoas poderiam se voluntariar com o intuito de burlar o cadastro de adoção.
Chega de tentar, de todas as formas, que crianças e adolescentes sejam inseridas nas famílias biológicas. Parem de retirá-los das famílias onde são amadas como filhos, quer por terem sido entregues pela mãe, quer por ter surgindo vínculo socioafetivo com quem as acolheu.
Está na hora de abrir a porta dos abrigos, disponibilizar fotos e vídeos das crianças a quem está habilitado à adoção.
Pobre de quem não teve o amor suficiente dos pais e, durante anos, são proibidos de ter um lar, de amar.
Publicado em 20/06/2014.
[1] Advogada Vice Presidenta do IBDFAM