E agora, Chicão?

Maria Berenice Dias[1]

 Chicão querido,

Eu sei, tu não pediste para nascer.

Dizem que és fruto de uma “produção independente”, como se isso existisse. O fato é que tiveste um pai e uma mãe, és o fruto do contato sexual de um homem e uma mulher.

Infelizmente, antes de nascer, o teu pai morreu e nem chegaste a conhecê-lo. Mesmo assim, não te faltou um lar. Passaste a morar com tua “mãe” e tua “mãezinha” e por elas sempre foste cercado de muito carinho e atenção.

Isso todo o mundo sabe. Ainda que este nosso mundo conturbado tenha levado tua mãe a assumir publicamente posturas discriminadas pela sociedade, tal não a impediu de conseguir o espaço dela.

A ânsia por viver, a vontade de vencer, porém, nunca a levaram para longe de ti. Mas, enquanto ela trabalhava, ficavas aos cuidados da “mãezinha” e ias crescendo e te desenvolvendo. Vivias feliz.

Mas o destino acabou também levando tua “mãe”.

E agora? A “mãezinha”, como não é tua mãe biológica, precisa de uma autorização judicial para ficar contigo. No entanto, por puro preconceito, todos estão questionando se essa é a melhor solução para ti. Querem te afastar da tua casa, dos braços de quem sempre te deu afeto. Será que alguém tem o direito de fazer isso? Em nome de quem? Em razão do quê?

Só porque as pessoas rejeitavam a opção de vida da tua mãe, querem te tirar do convívio de quem desempenhou até agora tão bem o papel de tua mãe. Até parece que, afinal, estão pretendendo te punir por alguma coisa pela qual não tens qualquer responsabilidade. Isso sem que alguém, até agora, tenha questionado a tua vontade ou apontado a ocorrência de algum prejuízo para ti. Parece que muita gente não quer deixar que as coisas fiquem do jeito que a tua mãe sempre quis.

Mas fica tranquilo, Chicão.

A Justiça serve para definir as coisas da melhor maneira e visa ao teu melhor interesse. É o que está na lei, essa é a obrigação de qualquer juiz. Hoje, cada vez mais se está emprestando relevância ao que se chama “filiação socioafetiva”, mais do que ao “vínculo biológico”, e ninguém pode negar que a Eugênia é a mãe do teu coração.

Chicão, a Constituição Federal te assegura, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar e o Estatuto da Criança e do Adolescente te garante o direito de ser ouvido.

Por favor, exerce o teu direito, pois tens o dever de ser feliz.

 

Um beijo da Tia Berê.

 

 

Publicado em 03/08/2005.

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

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